ENCONTROS E CONFERÊNCIAS

INAUGURAÇÃO DAS COMEMORAÇÕES

 CENTENÁRIO DO ARQUITETO AGOSTINHO RICCA

8 de Maio 2015 - Praça da República
Quartel de Santo Ovídio

No dia 8 de Maio o Professor Jacinto Rodrigues inaugurou, no Salão Nobre do Quartel de Santo Ovídio - Praça da República - Porto, as Comemorações do Centenário do nascimento do arquiteto Agostinho Ricca que vão decorrer ao longo deste ano com diversas atividades: conferências, debates, mesas-redondas, visitas, exposições de fotografia de e sobre Agostinho Ricca.
O texto da sua intervenção pode ser consultado mais abaixo com o título "Encontro com um arquiteto notável: Agostinho Ricca".
Aqui ficam algumas fotografias desse dia.

















ENCONTRO COM UM ARQUITETO NOTÁVEL:
AGOSTINHO RICCA

Conheci pessoalmente o arquiteto Agostinho Ricca quando, nos finais dos anos 70, este notável arquiteto foi readmitido na Escola Superior de Belas Artes do Porto pois tinha sido afastado em 1959 por motivos politicos, como resultado das múltiplas perseguições que se seguiram às lutas do Movimento da Unidade Democrática contra a ditadura. Foi assim que, com grande admiração e simpatia, me aproximei deste arquiteto a quem saudei pelo reconhecimento merecido com a sua reintegração após o 25 de Abril.

O meu irmão, o escultor José Rodrigues, já me tinha falado neste conhecido arquiteto com quem colaborara, realizando um trabalho escultórico nos edifícios do Foco, na piscina do Hotel do Parque Residencial da Boavista.
Tivemos assim um encontro afável que se tornou, rapidamente, numa amizade. Esta amizade foi depois consolidada pelo convívio solidário de colegas de ensino: ele como arquiteto e eu como professor de História de Arte e Urbanismo.
Entretanto Agostinho Ricca demite-se da Faculdade de Arquitetura face ao dogmatismo do Conselho Diretivo nessa altura, que se opunha à heterodoxia no ensino e na prática assumida por este arquiteto.
Pouco depois, nos anos 90, fui convidado pelo arquiteto Ricca para escrever alguns textos no livro “Agostinho Ricca” editado pela Ordem dos Arquitectos.  
Para concretizar esse desafio tive o privilégio e o gosto de ser acompanhado, por ele, na revisitação da sua obra arquitetónica.
Lembro-me do primeiro dia em que fui jantar a sua casa, iniciando o novo itinerário duma já longa caminhada de amizade.

  1. A CASA DE HABITAÇÃO DE AGOSTINHO RICCA - ARQUÉTIPO DA SUA ARQUITETURA
Agostinho Ricca construíra para si e para a sua família, em 1963, uma casa para habitar, enriquecida pela forma poética com que este arquiteto criava a arquitetura: habitar um lugar de poesia.
   





A visita que fiz à sua habitação revelava uma arquitetura de grande complexidade, conjugando a multiplicidade de formas, unidas por um eixo. Era “o eixo de harmonia da casa”, como referia Agostinho Ricca citando Le Corbusier. Aí se implantava um piano de cauda onde ele tocava Beethoven, Chopin e Débussy. Todo o espaço girava em torno desse poço de luz e som. Como no Guggenheim de Frank Lloyd Wright, também Agostinho Ricca envolvera “o eixo de harmonia da casa” na ascensão dos diferentes níveis.  
A música ressoava numa espiral, envolvida por esta espécie de grande concha, com as galerias formadas pelos diferentes níveis de patamares onde se distribuíam as várias funções habitacionais. O percurso da escada, pelos vários andares desnivelados, revelava uma galeria de arte onde os quadros expostos, as gravuras, desenhos e pinturas, faziam conviver gostos e estilos vários em que ressaltavam autores românticos, simbolistas, expressionistas e modernistas. Aí se viam, a par de artistas nacionais como Augusto Gomes, António Carneiro e Fernando Lanhas, artistas internacionais como Picasso e Rouault, trabalhos da escola de Poussin e discípulos de Puvis de Chavannes e Fragonard.
Os catálogos, nas estantes, mostravam uma profusa quantidade de exposições em museus e de fotografias de arquiteturas várias, em cidades e países diferentes que ele visitava nas suas grandes viagens à Alemanha, Finlândia, Suécia, França, Itália, Espanha, etc.
Na biblioteca avolumavam-se livros sobre arquiteturas antigas e exóticas especialmente japonesa e pré-colombiana.
Entre as múltiplas revistas sobressaía aquela de que era assinante e assíduo leitor, “Connaissance des Arts”. Esta revista permitia-lhe estar ao corrente de múltiplas atividades artísticas e culturais internacionais, que lhe facilitavam a planificação das suas viagens.

  1. O ITINERÁRIO À VOLTA DA SUA ARQUITETURA
Esta minha itinerância, começada em sua casa e acompanhada por ele, vai prolongar-se em vários passeios de estudo ao longo de alguns meses. De manhã a sua filha, Helena Ricca, conduzia o Saab azul do pai. Fizemos assim vários trajetos dentro do Porto e aventuramo-nos para algumas das obras mais distantes como Santo Tirso, Braga, Vale de Cambra, Baião e Chaves. Era sempre o mesmo ritual com que, a experiência e a lucidez do arquiteto, nos fazia a visita:

1º) Uma volta ao espaço circundante, onde o plano de massa da edificação e a inserção do edifício se fazia, mostrando a lógica estratégica assumida pelo construtor em função do lugar, da luz e da morfologia do terreno.

2º) Procurar as linhas construtivas no interior do edifício revelando a articulação da plasticidade estereotómica com o elemento estrutural tectónico.

3º) Compreender a linguagem construtiva da forma com as relações funcionais do programa.

4º) Procurar, com a intuição, descortinar ou descriptar sinais culturais e sociais que davam à obra o caráter do território e da região, fazendo com que o habitat humano se integrasse entre a terra e o céu.

Recordo as explicações pausadas do arquiteto, já com 80 anos, que não eram a eloquência verbal académica mas antes palavras carregadas de emoção e gestos corporais. Havia nele um olhar penetrante que fazia ver o invisível da arte nas formas entre luz e sombras. Procurava a experiência sensível de todos os sentidos buscando também cinestesias entre as cores dos vitrais, os gestos plásticos da construção, a textura dos materiais, as sensações de atração e repulsa e as várias fragâncias entre o esplendor e a simplicidade dos lugares.
           
Igreja do Parque Residencial da Boavista no Porto


   

Agostinho Ricca realizou diversos projetos de construção de igrejas. Cheguei mesmo a pensar se teria uma eventual inclinação pela igreja católica. Mas, nas conversas com ele e com a filha, Helena Ricca, dei-me conta de que Agostinho Ricca não tinha nenhum vínculo a qualquer igreja. Tinha sim um grande interesse pela espiritualidade em geral. Interessava-se por templos sagrados, qualquer que fosse o culto. Visitava assim catedrais, mesquitas, sinagogas ou outros templo durante as suas longas viagens e tinha por estes edifícios uma especial atenção e admiração. Explicou-me então que pretendia vivenciar a atmosfera desses lugares sagrados. Procurava dar resposta a uma “espiritualidade laica” que ele próprio sentia, tal como alguns filósofos contemporâneos, Comte Sponville, Luc Férry, Pierre Hadot e o nosso Agostinho da Silva.
Agostinho Ricca revelava assim um grande respeito pela variedade religiosa da Humanidade procurando a unidade essencial de todos esses cultos tradicionais nas suas manifestações arquitetónicas. O modo como a luz azimútica penetrava nos templos e o modo como a cor era filtrada pelos vitrais, projetando-se nas paredes cuja plasticidade era voluntariamente feita para dialogar com a luz e com a cor, geravam uma harmonia entre céu e terra, entre linhas verticais e espaços horizontais.

Igreja de Vale de Cambra





  
Outras manifestações simbólicas expressavam-se na organização espacial, sugerindo mesmo observações que ele verificava nos debates teológicos das igrejas: no santuário de Santo António, em Vale de Cambra, explicou-me que colocara o altar no centro do recinto sagrado, querendo manifestar uma deslocação da hierarquia sugerida pelo Vaticano II, na aproximação dos sacerdotes com os paroquianos. Pretendia assim explicitar o diálogo democrático no catolicismo.
   
Igreja da Sagrada Família em Chaves
   
                                                                                                       Arquiteto Ricca e Jacinto Rodrigues

                             Igreja de Chaves




Para além dessas elocubrações de ordem teórica, Agostinho Ricca manifestava simultaneamente uma aproximação pragmática e sensível à arquitetura como expressão concreta e sensorial.
Não era raro que me fizesse tocar com as mãos os materiais, para que eu sentisse tatilmente as diversas madeiras, a mármore, o cimento bruto, o granito, etc.
Transmitia, em imagens e sensações os seus esquissos, revelando com gestos simples, o conceptual abstrato e o sensível singular das formas concretas.
O arquiteto Agostinho Ricca tinha ainda uma noção da arquitetura como obra de arte total “gesamtkunstwerk”. Por isso apelava a artistas diversos que deram contributos à sua obra: Júlio Resende, José Rodrigues, Domingos Pinho, António Cruz, Laranjo e Zulmiro de Carvalho.

Câmara Municipal de Santo Tirso



   

Palácio da Justiça de Baião



    

Edifício Rua Justino Cruz em Braga




Escola de Enfermagem Calouste Gulbenkian em Braga



Depois das visitas aos edifícios, Agostinho Ricca gostava de nos levar aos pequenos restaurantes ou até mesmo às tascas tradicionais circundantes às edificações que visitávamos.
Conhecia sempre esses bons lugares gastronómicos, que frequentava durante o acompanhamento que fazia às suas construções, como arquiteto zeloso que era, seguindo escrupulosamente os detalhes construtivos da sua obra.
Quando entrávamos nesses pequenos restaurantes, a cozinheira vinha cumprimentá-lo com um trato familiar. Sentíamos assim essa relação afetuosa entre o cliente, “senhor arquiteto” e a dona do restaurante tradicional.
Ficávamos então a saborear o repasto caseiro e surgiam as perguntas sobre as dificuldades que o arquiteto encontrara na concretização das obras: dificuldades tecnológicas e sobretudo as contradições entre o sonho do artista e a avareza do cliente, sempre parco em dar asas ao sonho do arquiteto, defendendo primeiro os interesses do seu negócio.
Outras vezes, numa ambição mais alargada, discutíamos sobre as longas viagens de aprendizagem que Agostinho Ricca fizera para o estudo de vários arquitetos como Franck Lloyd Wright, Dudock, Scharoun, Jean Nouvel, Le Corbusier e ainda os arquitetos das jovens gerações como Hollein, Pietila e Leviska entre outros.
Ainda noutros momentos conversávamos sobre a leitura do livro de Paul Valery “Eupalinos” ou sobre “A Poética do Espaço” de Gaston Bachelard.

  1. COMPREENDER POR DENTRO A ARQUITETURA DE AGOSTINHO RICCA
Durante estes passeios de estudo e conversas de aprendizagem concreta, a arte e a arquitetura lida e vivida com um praticante sensível, pragmático e capaz de desenhar com o corpo toda a vivência poética da sua vida, tornou-me mais capaz de ver a arquitetura.
Olhar passivamente a arquitetura e a arte é continuar sem ver.
Ver conscientemente é compreender por dentro o modo vivenciado de a fazer. É compreender a obra e o autor.
Os textos de Bachelard como “A poética do Espaço”, as teorias de Edward T. Hall sobre a proxémia, ou seja, a comunicação entre as pessoas e os lugares, a perceção sensível de encontrar a eternidade no instante e ainda a preocupação de Heidegger sobre F. Hölderlin, que dizia que “o verdadeiro habitar só existe no lugar onde vivem os poetas”, dão sentido à compreensão da sua arquitetura.
Por isso compreendemos o que Heidegger escreveu: “habitar é estar na terra, estar debaixo do céu, morar entre os deuses e pertencer a uma comunidade”[1].

  1. A SABEDORIA E A ABORDAGEM ECOLÓGICA DE AGOSTINHO RICCA
Após o lançamento do livro sobre a sua obra, “Agostinho Ricca”, Ed. Ordem dos Arquitectos e daquelas memoráveis viagens, tivemos ainda ocasião de refletir sobre a decomposição das nossas cidades consumistas, a contaminação do território, o esgotamento da paisagem e as mudanças climáticas que nos ameaçam.
Descobri também, nesse agora nonagenário arquiteto com quem passeava no Parque da Cidade, que a sua acuidade pelas questões ecológicas eram duma profunda sabedoria. Enquanto passeávamos pelo Parque da Cidade, Agostinho Ricca falou-me do seu projeto para aí implantar a Casa da Música. Era uma escolha avisada quando imaginou para aquele lugar o projeto da Casa da Música, uma espécie de sinfonia que ele procurava materializar religando a natureza do Parque da Cidade à construção do edifício.


Foi por essa altura que conversei com ele acerca das minhas investigações sobre o Padre Himalaya (1868-1933), cientista e filósofo que ganhou um prémio em 1904 nos E.U.A., com um invento que construiu, isto é, uma máquina solar para obtenção de altas temperaturas para fins industriais (pyrheliophero).
O arquiteto Agostinho Ricca interessou-se de imediato por este sábio português, precursor de ecologia que trabalhou sobre as energias renováveis, o planeamento do território e a defesa das ecotecnologias para um desenvolvimento ecologicamente sustentável, como se diz hoje.
Ofereci-lhe o livro que escrevi “A Conspiração Solar do Padre Himalaya” e revelei-lhe o desejo de o ver construir o edifício para o projeto dum Instituto Internacional P. Himalaya. Pediu-me, de imediato, um pequeno texto que explicitasse esse programa e que lhe entreguei. Aí constavam as principais linhas de força desse Instituto Internacional P. Himalaya.
O arquiteto Agostinho Ricca empenhou-se em desenhar um projeto dum edifício como um organismo, isto é, não uma máquina mas um ecosistema construído. Aplicou-se em estabelecer um funcionamento que respeitasse o metabolismo circular entre plantações verdes nos telhados e terraços de modo a integrar a ecosustentabilidade dos nutrientes resultantes da biodepuração dos resíduos biodegradáveis. Empenhou-se também em integrar a energia solar e os materiais recicláveis, na construção do edifício.
Tempos depois a sua filha, arquiteta Helena Ricca, entregava-me os esquissos que o seu pai tinha feito.
E, em 2001, levávamos à Bienal de Cerveira este projeto numa exposição coordenada por mim e pela arquiteta Helena Ricca, com o apoio do arquiteto Luís Faria e a colaboração da Cooperativa Árvore, da Associação dos Amigos do Convento de Sampayo e da Pousada D. Diniz.


                                          Instituto Internacional Padre Himalaya - Arquiteto Agostinho Ricca

Há cinco anos, em 2010, com quase 95 anos, morria este notável arquiteto cuja largueza de espírito e cultura deram sentido poético à sua arquitetura. A sua obra merece, neste centenário do seu nascimento, o reconhecimento, o elogio e a gratidão pelo património que nos legou.



                                                           Doutor Jacinto Rodrigues
                                               Professor Catedrático Universidade Porto
                                                              Maio de 2015 



[1] Ver HEIDEGGER, Martin, “Construir, habitar, pensar” in Conferências y Artículos, Ed. del Serbal, Barcelona, 1994 

_____________________________________________ AGENDA PÓS-2015 
UMA AGENDA PARA O DESENVOLVIMENTO
Porto - 27 de Março 2015 - Porto Design Factory (ISEP)

Documentário sobre RBI

Este documentário sobre o RBI é uma das melhores introduções à filosofia deste movimento de cidadania mundial.
A origem desta corrente pode encontrar-se no texto de Thomas Paine "Agrarian Justice" de 1796, que foi um republicano norte-americano que esteve na origem da declaração dos direitos humanos.
Várias linhas de orientação são suscetíveis de se encontrar na filosofia subjacente ao RBI: correntes do socialismo utópico de tipo Charles Fourrier e Proudhon mas também propostas de Karl Marx defendidas no "Grundisse".
Muitos foram os filósofos que no passado aderiram também aos princípios essenciais desta corrente, sujeita a interpretações múltiplas e que por isso se pode considerar um processo em movimento e inacabado: Bertrand Russel, James Tobin, etc.
Este movimento foi já concretizado, em parte, em várias experiências por exemplo no Brasil, na Índia, no Canadá, no Irão, na Namíbia.
No entanto é de assinalar que estas experiências tiveram uma duração e uma intensidade muito variada, nos diferentes países. Contudo, em algumas dessas experiências é possível extrair conclusões. Por exemplo, o programa Bolsa Família aplicado por Lula da Silva em 2003, permitiu a 1/3 da população do Brasil beneficiar destas medidas. Na Índia, a partir de 2011 foi possível já obter resultados positivos nas aldeias que estiveram ligadas ao movimento da ativista Renana Jhabvala. Graças a diversos projetos-piloto foi possível obter um RBI para adultos e crianças dessas aldeias.
O filósofo Philip Van Parigi, professor da Universidade de Louvain fundou o BIEN @[192450520792683:Basic Income Earth Network]. Este movimento, organizado em vários países, tenta aplicar em vários passos, realizações concretas determinadas pelo contexto e pela mobilização dos cidadãos. Este movimento está a organizar uma Petição europeia para a obtenção de 100.000 assinaturas de forma a tornar viável a discussão e a legislação na União Europeia do RBI.
Uma variedade de meios e de etapas permitem alicerçar este movimento que tem também expressão em Portugal em http://www.rendimentobasico.pt/.

Recentemente parece-me que foi dado um passo extremamente positivo no movimento Livre Tempo de Avançar ao introduzir o RBI como um objetivo na luta pela ALTERNATIVA política e social na sociedade portuguesa.
LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR 

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II SIMPÓSIO INTERNACIONAL ECOSOFIA
Ecologias no Mundo Contemporâneo

24 e 25 de Outubro 2013
Auditório Multimédia do I. E. Universidade do Minho
Braga

Jacinto Rodrigues

Ecosofia: Uma reflexão sobre a crise do paradigma e soluções possíveis para um mundo melhor.










RESUMO
O objetivo desta comunicação é revelar a nova conceção paradigmática sobre a sociedade e o território tendo em conta a contribuição da Ecosofia.
Com efeito, é imprescindível mudar o modelo mecanicista (a máquina como "alma-mater" no conceito tecnocientífico eurocêntrico) para uma nova visão ecossistémica do território e do desenvolvimento (o ecodesenvolvimento como matriz ecotecnológica, sistémica e holística).
Isto equivale à substituição progressiva do modelo esgotante, contaminante e de exclusão social para uma proposta civilizacional futurante, baseada nas energias renováveis, reciclagem dos nutrientes e na cooperação social.
Trata-se assim de consolidar dispositivos sóciotopológicos (ecoterritórios, ecocidades, ecocentros, ecotransportes, ecotecnologias, etc.) que permitam mudar substantivamente do metabolismo linear das máquinas para o metabolismo circular dos ecossistemas.
Ao mesmo tempo é também necessário uma rutura epistemológica ao nível da filosofia e da antropologia, superando as formas de pensamento dualista e mecânico para uma ecosofia dialógica e transdisciplinar.
Daremos uma visão em aberto, possível e inacabada, da imagem futurante que já está prenhe da realidade dos nossos dias mas que terá de hegemonizar o processo civilizacional a curto, médio e longo prazo para que consigamos superar a crise ecológica, mãe principal de todas as crises da história contemporânea.

No PP que iremos apresentar, poderemos ver vários exemplos a nível de cidades, bairros, casas, transportes, agroecologia, ecotecnologias, etc. que expressam a nova inteligência verde, necessária para a sobrevivência do planeta e para a construção dum possível mundo melhor para todos





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Jornal O CHÁ, Número 4 - 2ª série | Ano 1 - Novembro/Dezembro 2012 | Director: Jacques Arlindo dos Santos


A Poesia de Francisco José Tenreiro revisitada


José Carlos Venâncio


No passado dia 10 de Novembro, a Associação Poética de Todas as Artes, Porta XIII, sedeada em Vila Nova de Cerveira, dinamizada nos últimos anos pelo escritor Luandino Vieira, celebrou a poesia do poeta santomense Francisco José Tenreiro. Coube-me a apresentação do mesmo, secundado por Luandino Vieira, que presidiu à sessão, e pelo amigo comum, Jacinto Rodrigues, também ele poeta e escritor angolano. Com a colaboração de uma assistência que, não sendo numerosa, estava seguramente interessada no tema, passámos uma agradável tarde em torno de uma das vozes mais originais da poesia em língua portuguesa; uma poesia de ressaibo pan-africanista, a fazer-nos lembrar, pelo verso estendido, um outro poeta, também insular, desta feita das Caraíbas e de língua francesa, Aimé Césaire, a quem se deve a invenção do termo negritude, para muitos, a dimensão cultural e francófona do pan-africanismo. O termo, em si, é um neologismo, empregue, pela primeira vez, por Césaire no poema Cahier d’un Retour au Pays Natal (1939).

Francisco José Tenreiro nasceu em São Tomé, em 1921, e morreu em Lisboa, em 1963, com apenas 42 anos de idade. Filho de Emílio Vasques Tenreiro, português, e de Carlota Maria Amélia, serviçal angolana, é, ainda menino, separado da mãe e enviado para Portugal, para junto de uma tia paterna, que o educa a ele e aos seus cinco irmãos. Aos 21 anos de idade, na altura estudante da Faculdade de Ciências de Lisboa, publica o livro de poesia Ilha de Nome Santo (Coimbra, 1942), inserido na colecção de matriz neo-realista Novo Cancioneiro. Nesse mesmo ano, edita, conjuntamente com Carlos Alberto Lança, dois volumes antológicos de poemas e contos portugueses, Modernos autores portugueses, sendo que o 2º. volume traz um poema seu intitulado “Nós voltaremos juntos”. 

Em 1945, a par da colaboração que mantém na revista Seara Nova, publica o ensaio Panorâmica da literatura norte-americana (Lisboa). Anos depois, em 1961, retoma a temática, publicando o artigo “Acerca da literatura negra”, no suplemento “Cultura e Arte” do Comércio do Porto (14.02.1961), texto que é posteriormente republicado no Boletim Geral do Ultramar (nº 431, Maio de 1961)1. Ao morrer, deixa ainda, no que à literatura se refere, prontos para publicação os livros Coração em África e Processo poesia (antologia de poesia africana). O primeiro é publicado em 1967 aquando da publicação completa da sua obra poética, Obra poética de Francisco José Tenreiro, e, em 1976, Manuel Ferreira não só o reedita, como intitula a antologia que organizou sobre a sua obra de Coração em África.

Contrariando as expectativas que a sua poesia e demais escritos literários foram anunciando ao longo dos anos, à revelia do empenho que terá depositado (cf. Mário Pinto de Andrade, in Nô Pintcha de 12.09.1976) na fundação, em Lisboa, em 1951, do Centro de Estudos Africanos, ao lado de nacionalistas como Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Noémia de Sousa e Mário Pinto de Andrade, Francisco José Tenreiro aceita, em 1958, ser deputado à Assembleia Nacional, pelo círculo de São Tomé, encontrando-se nessa condição, no exercício do segundo mandato, quando ocorre a sua morte.

A sua actividade literária e cívica em prol da cultura negra - que corria a par da sua carreira académica, dedicada á geografia humana, sob a protecção de Orlando Ribeiro - é marcada pela publicação, em 1953, em co-edição com Mário Pinto de Andrade, do caderno Poesia negra de expressão portuguesa. É no mesmo antologiado um poema seu, “Coração em África”, a par de poemas de poetas angolanos, como Agostinho Neto e António Jacinto, da moçambicana Noémia de Sousa e da são-tomense Alda Lara. 
A Introdução foi escrita por Mário Pinto de Andrade, cabendo a Francisco José Tenreiro a redacção da Nota final, na qual reforça os critérios que presidiram à organização da antologia, reivindicando, nomeadamente, a razão e o valor estético da cultura negra enquanto realidade complexa, que tanto (…)”repousa no coração de África”, como na diáspora e - deduzindo do contexto, diria ainda - nas “ilhas” de colonialização e modernidade, que, embora situadas em África, não deixam de ser menos alienatórias que aqueles outros destinos. E a sua argumentação prossegue, escrevendo que, ao afirmar-se que (…)”não há poesia negra, mas sim, poesia de pretos” (p. 81), desconhece-se (…) a realidade social complexa do mundo negro (…) e (…) que o negro foi obrigado a aprender línguas que estão longe de ser as veiculares do seu pensamento gregário” (ibidem), numa alusão clara aos efeitos perversos do colonialismo sobre o homem negro, despersonalizando-o, minimizando-o enquanto ser humano. E é contra essa retórica duplamente alienadora, que tanto rebaixava os negros como os brancos que a proferiam, que escreve, no poema “Negro de todo o mundo”, em Ilha de nome santo, que

Nos terrenos do fumo

Os negros estão cantado.

(…) e (…)

Nos arranha-céus de New-York

Os brancos estão macaqueando.

Utiliza um termo, o de “macaqueando”, frequentemente usado pelo discurso colonial - como bem observou Alfredo Margarido no prefácio que escreveu para a antologia Poetas de S. Tomé e Príncipe, editada pela Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, em 1963 - para desvalorizar o comportamento dos africanos semi-ocidentalizados em ambientes de modernidade, nos quais os brancos eram aparentemente senhores. Digo aparentemente porque, na verdade, os que utilizavam tal termo acabavam, também eles, por não serem devidamente livres. Parafraseando Amílcar Cabral2, ninguém é devidamente livre enquanto oprime o semelhante.

Independentemente do compromisso assumido com o Estado Novo, do facto de o considerarem pan-africanista, negritudinista ou “mulatudinista” (apreciação última devida a Russell Hamilton) ou ainda de o terem por são-tomense ou português (questão levantada por Gerhard Seibert) duas ou três características, deveras importantes, pesam incontestavelmente a seu favor: a coragem de se ter apresentado como mestiço e como alguém que valorizava e se identificava com o mundo negro numa sociedade dominada pelo estigma colonial e pela idiossincrasia do homem branco, exposta, ainda por cima, aos nefastos ventos que sopravam 
da Europa nazi e racista. Fê-lo na “Canção do mestiço”, poema inserto no volume Ilha de nome santo:

Mestiço!

Nasci do negro e do branco

e quem olhar para mim

é como que se olhasse

para um tabuleiro de xadrez:

a vista passando depressa

fica baralhando cor

no olho alumbrado de quem me vê.

(…)

Mestiço!

Quando amo a branca

 sou branco…

Quando amo a negra

 sou negro.

 Pois é…

Se a mestiçagem, era, na altura, um estigma negativo, palavras como estas, além de corajosas e solidárias, foram proféticas, adivinhando a hibridização do mundo. E neste particular reside precisamente a actualidade da sua obra literária. Será sempre recordado como um poeta que enfrentou o maniqueísmo de um mundo racializado. 



1) Mais tarde, este texto foi ainda incluído na antologia do suplemento “Cultura e Arte”, do Comércio do Porto, intitulada Estrada Larga , vol. 3, org. de Costa Barreto, Porto: Porto Editora.


2)O ensaio em causa é o d’ “O papel da cultura na luta pela independência”, em que escreve que a metrópole (…) “ ao aceitar a existência de uma identidade e de uma cultura do povo colonizado (…) leva a cabo um importante progresso de ordem cultural, já que se liberta de um elemento negativo da sua própria cultura:
o preconceito da supremacia (…) sobre a nação colonizada” (1974: 138).

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Pedagogia Iniciática na Escola Secundária Alcaides de Faria - Barcelos - Maio 2011

Palestra na Escola Secundária Alcaides de Faria - Barcelos, sobre a PEDAGOGIA PARA O SÉCULO XXI, inserida na semana cultural MArte.
Nessa semana cultural foram apresentadas duas exposições, "Vida e Obra do Padre Himalaya" e "Aprender com a Bauhaus" da autoria do Professor Jacinto Rodrigues, realizadas na Cooperativa Artística Árvore, com a colaboração dos designers Humberto Nelson (Padre Himalaya -2000) e Francisco Providência (Bauhaus-1987), respectivamente.




Palestra de Jacinto Rodrigues sobre Pedagogia.



Exposição da Bauhaus




Visita guiada à exposição


Para além da visita guiada à Exposição sobre a Bauhaus, o Professor Jacinto Rodrigues realizou uma conferência sobre a actualidade do ensino artístico da Bauhaus.


Seguiu-se também uma visita guiada à Exposição sobre a vida e obra do Padre Himalaya e a projecção do filme-documentário patrocinado pelo ICAM e pela RTP, "A Utopia do Padre Himalaya", com a realização de Jorge António e produção da LX Filmes, baseado na obra de Jacinto Rodrigues "A Conspiração Solar do Padre Himalaya".


O filme encontra-se disponível na LX Filmes.
As exposições, itinerantes, foram solicitadas à Cooperativa de Actividades Artísticas Arvore.
Nesta semana da Mostra de Artes da Escola Alcaides Faria, o Engenheiro Armando Herculano complementou a sessão sobre a energia solar com a demonstração do funcionamento de alguns fornos solares para fins domésticos. 


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Extracto da Oração de Sapiência proferida por Jacinto Rodrigues na Universidade Katyavala Bwila de Benguela12 Março de 2010





1. Copérnico, no século XVII, está na origem da revolução científica que iria consolidar-se, com Kepler e Galileu, naquilo que se definiu como paradigma da modernidade. Assim, a matematização do real através de Galileu e a concepção heliocêntrica de Copérnico, estabelecem os principais critérios da física moderna.

2. Porém, no início do século XX, com Einstein e Max Planck, aparecem as principais rupturas que põem em causa esse paradigma mecânico, dito moderno. Com efeito, a teoria quântica relativista, tornou necessária uma nova perspectiva emergente para compreender o universo, impondo uma avaliação crítica sobre a concepção da matéria.

3. Com o irromper da ecologia, a visão do cosmos dá lugar a uma outra interpretação. O cientista russo Vernadsky , defendeu em França, em 1923, na sua tese de doutoramento – a biosfera – uma nova maneira de pensar o planeta terra. O conceito de biosfera como ecosistema geral, em interacção com todos os ecosistemas, numa complexidade onde a teia da vida se articula com o biótopo, trouxe uma perspectiva de resiliência que se afasta da redutora concepção mecanicista.

4. Em 1956, Thomas Kuhn dá-nos conta da emergência do novo paradigma. A crítica epistemológica do conhecimento científico anterior é analisada no seu livro “Revolução Copernicana” que revela a insustentabilidade de um modelo continuista e cumulativo do conhecimento científico, tal como era anteriormente aceite. Em 1962, este físico, dotado duma grande preocupação pela epistemologia científica, elabora uma nova reflexão. “A estrutura das revoluções científicas” é uma obra transdisciplinar que mostra a complexidade da ciência e a sua relação com a história, a filosofia e a sociologia do conhecimento. Assim, Thomas Kuhn mostra que o “progresso” científico não é linear. Efectiva-se, antes, através de rupturas paradigmáticas, através de “saltos” que resultam de crises, lançando hipóteses novas. Essas hipóteses novas aparecem como “conversões” na apreensão da realidade. O alargamento da consciência faz-se durante esses saltos em que a própria linguagem e o novo olhar exigem perguntas novas. Em 1969, Kuhn alarga a sua tese da teoria do conhecimento científico à filosofia contemporânea. Abrange assim o conceito de “episteme” de Foucault, e o conceito de “desconstrução” defendido por Derrida. Supera-se simultaneamente o empirismo tecnocrático, o estruturalismo neopositivista e o logocentrismo idealista.

5. As contribuições da teoria geral dos sistemas de Ludwig von Bertalanffy assim como as achegas dos filósofos da complexidade, da sistémica e das preocupações transdisciplinares como Edgar Morin , Gregory Bateson e Joel de Rosnay , confluem numa reflexão crítica à tecnociência (modelo mecanicista, poluidor e destruidor). Com efeito, denuncia-se a esgotabilidade e a contaminação do planeta, como fez o agrónomo Renné Dummond , ao mesmo tempo que o filósofo Jacques Ellul defende a ecotecnologia como uma alternativa à tecnociência dominante, permitindo-se uma tecnologia apropriável, não poluente e baseada em energias renováveis.

6. Todo este debate sobre a técnica tem repercussões no conjunto dos pensadores que põem em causa o conceito eurocentrista de crescimento económico. Por isso, esta reflexão aprofundada leva-nos a uma noção globalizante de “bio-economia”, ou seja, a inserção da economia na problemática da biosfera, afastando-se da concepção reducionista da economia operativa e contabilística. Os trabalhos de Georgescu Roegen abrem assim perspectivas de relação entre sociedade e território, desenvolvimento e potencialidade da biosfera. Esta nova ecosofia alteromundialista é sustentada por sociólogos, economistas e filósofos de grande prestígio ético como René Passet , Serge Latouche e Pierre Rabhi , entre outros, que fazem a crítica ao modelo tecnocientífico e às propostas de crescimento que lhe estão subjacentes e que tantos estragos trouxeram e trazem à Humanidade: desertificação, desflorestação, mudanças climáticas e exclusão social.

7. Com o Relatório Brundtland, em 1987, divulga-se um princípio ético essencial na defesa do planeta e das gerações futuras. Ou seja, “um desenvolvimento ecologicamente sustentável, capaz de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”

8. A conferência do Rio, em 1989, vai ser crucial no alargamento de toda esta problemática ecológica que obriga a uma nova abordagem geoestratégica e faz surgir a perspectiva do ecodesenvolvimento. Assim, o paradigma mecanicista que considerava a cidade como mega-máquina ou a casa como máquina de habitar, dá lugar a um paradigma emergente em que a ecologia se torna essencial. A máquina, do paradigma anterior, baseia-se no metabolismo linear que produz lixo no seu funcionamento poluente e esgotável. O ecosistema, ao contrário, baseia-se no metabolismo circular que, aproveitando as energias renováveis da biosfera, restitui nutrientes recicláveis pelo próprio ecosistema.

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Desenvolvimento e Sustentabilidade Ecológica, Benguela, 16 de Junho 2010 PDF


Tenho vindo a afirmar, ao longo de vários anos e em vários congressos e publicações[1], o surgimento de um novo paradigma e o esgotamento do chamado paradigma newtoniano.
Este confronto de paradigmas, que se manifesta de diversas maneiras, nomeadamente conflito aberto, integração e coexistência reformista, não está ainda resolvido e a sua superação transparadigmática não se conhece ainda. Na relação entre as sociedades e civilizações não há, aprioristicamente, soluções antecipadas e as metamorfoses são um processo constante e inacabado, umas vezes adaptativas, outras vezes rupturais e outras vezes ainda em contínua transformação. Os avanços ou os retrocessos dependerão, em última instância, da vontade política, das inovações tecnológicas na relação com a biosfera e das novas atitudes sociais.
No entanto, um novo paradigma começa já a aparecer claramente, diante do falhanço do modelo tecnocientífico que, hegemonicamente, se traduz pelo esgotamento das energias fósseis, pela contaminação do planeta através de materiais tóxicos e não recicláveis e pela exclusão social que tem aumentado o fosso entre países ricos e países pobres e entre classes abastadas e classes desfavorecidas. Assim o esbanjamento, o desperdício e a poluição na biosfera, estão a colocar o planeta à beira de graves crises ecológicas e sociais: mudanças climáticas, desertificação, desflorestação, diminuição da biodiversidade, restrição da água potável e aumento devastador das pegadas ecológicas, interferem e revelam a grave crise social do capitalismo.
Um outro paradigma, em que a ecotecnologia substitua a tecnociência esgotante e em que a tecnosfera dê lugar a uma ecotecnosfera reciclável e renovável, é necessário para acompanhar a luta pela justiça e o bem-estar das populações. Caso contrário permanecerá a sociedade consumista, esgotante, manipulável e apenas reactiva.
Esta reflexão, levantada pelos altermundialistas, é cada vez mais clara para os investigadores, nas universidades, nos centros político-culturais e na sociedade civil onde, cada vez mais, se torna consciente a realidade destruidora do modelo urbano-industrial tecnocientífico, incapaz de responder aos novos desafios que se apresentam à Humanidade.
A ecologia, uma nova ciência com consciência, tem vindo desde o século XIX a tornar-se um factor decisivo para impedir o impulso suicidário, criado pelo antigo paradigma que antagonizou o “progresso” civilizacional à natureza.
Podemos lamentar a lentidão de alguns decisores face aos crimes ecológicos, podemos criticar as ilusões produzidas pela feérica alienação do antigo paradigma, consumista e produtivista, como uma atitude reactiva e pessimista. No entanto, para haver mudança tem que haver uma atitude proactiva: o novo conhecimento ecológico e as novas ecotecnologias, constituem um novo saber, uma nova competência, uma nova relação social e institucional e uma nova postura capaz de responder aos novos pressupostos que enfrentamos.
Sabemos hoje que a sucessão dos paradigmas, no processo da história, não resulta de um “progresso linear”. As etapas não se estabelecem segundo um finalismo mecânico ou providencialista. A consciência humana terá de participar nas escolhas do processo.
Sob o ponto de vista ecológico e contextualizando os acontecimentos históricos da humanidade na relação com a biosfera, tal como vemos em Edgar Morin[2], René Passet[3], Samir Amin[4], Majid Rahnema[5] e Joseph Ki-Zerbo[6], podemos considerar três grandes momentos:
1º Uma integração adaptativa do homem ao meio ambiente, em que o homem vive em simbiose com a natureza, quase sem impacto tecnosférico e em que a economia colectora, a caça e a pastorícia constituem os elementos essenciais da sobrevivência;
2º Um processo em que o homem rompe com a sua simbiose em relação aos ecosistemas e desenvolve uma civilização de manufactura mas ainda de impacto biosférico pouco acentuado;
3º Um processo de máquino-factura, processo industrial em que as máquinas alimentadas dominantemente por energias fósseis e poluitivas produzem lixos tóxicos, instaurarando uma civilização que rompe com os equilíbrios ecosistémicos, gerando uma tecnosfera impossível de ser sustentada pela biosfera.
Encontramo-nos nesta última etapa, produzindo um metabolismo linear que, por não ser reciclável, típico do processo mecanicista e contrário ao funcionamento sistémico dos ecosistemas, não permite a regeneração da biosfera.
Duma forma muito concisa apontarei, nesta minha comunicação apoiada por exemplos precisos, um desenvolvimento ecologicamente sustentado em que a sociedade e o território, a cultura e a civilização terão que, sistemicamente, interagir recriando um metabolismo circular que permita a actividade produtiva dos homens como uma actividade baseada nas energias renováveis, na reciclagem de materiais e na inclusão social.
Nesse metabolismo circular terão de desaparecer as noções de lixo orgânico e tecnológico para dar lugar a nutrientes orgânicos e ecotecnológicos, capazes de integrarem o novo ciclo, reprodutivo e regenerativo, da biosfera.
Pretendo apontar várias experiências práticas que existem em diversas partes do planeta e que, de algum modo, permitem visualizar um outro mundo possível.
Trata-se de estimular a visualização de factos concretos que nos mostram a possibilidade, aqui e agora, de intervir no território, nas cidades e nos campos.
A mudança somos nós próprios que a fazemos, como dizia Gandhi.
Começarei, em primeiro lugar, com a experiência de Wangari Muta Maathai[7] que iniciou o movimento do “Green Belt” (cintura verde) no Kénia e que hoje é um dos mais conhecidos movimentos internacionais. 

 

  

Wangari Muta Maathai defende que, com uma semente, planta ou pequena árvore, podemos iniciar a mudança. Com efeito, face ao perigo das mudanças climáticas, da desertificação e da fome no mundo, o simples gesto de plantar é o princípio duma regeneração essencial, urgente e decisiva para a mudança. Associando homens e mulheres numa tarefa comum e de interesse público, o Movimento de Wangari Muta já plantou mais de 35 milhões de árvores.
A mensagem essencial de Wangari é muito clara: “com o simples acto de plantar uma árvore tu podes melhorar o teu habitat. Deste modo, a população toma consciência de que pode influenciar o seu meio e isto é o primeiro passo para uma maior participação na vida da sociedade”. Ela também afirmou, neste mesmo discurso que fez ao receber o prémio Nobel da Paz que, se uma pessoa quiser salvar o ambiente, terá primeiro de proteger o povo.
Este exemplo de Wangari Muta Maathai revela uma forma de esperança no processo de mudança social e participada. Com efeito, qualquer cidadão com o mínimo de meios (uma semente ou uma planta) mas com a consciência de participar no bem público pode intervir na mudança. São muitas as possibilidades que Wangari abre para esta nova militância eco-social de múltiplos efeitos na comunidade local e no planeta. A escolha selectiva de sementes, a criação de viveiros, a busca de uma maior diversidade, a plantação de ervas medicinais e aromáticas, plantas depurativas e de plantas úteis para a alimentação e a saúde como a Moringa, o Neeme e a espirulina, constituem, quando plantadas de forma planeada, uma extraordinária intervenção contra a fome, a doença e a desertificação.

  


A segunda personagem que quero referir é o padre dominicano Goodfrey Nzamujo,[8] nigeriano de origem e americano de passaporte, que fundou no Benin, em Porto Novo, o Centro agroecológico de Songhai. Este centro é um modelo de escola de formação para o “combate à pobreza, tornando os pobres produtores”. É um modelo de formação baseado no conceito agroecológico da relação integrada dos ecosistemas e sua dependência entre agricultura, pecuária e piscicultura. 
O Centro de Songhai tornou-se, para a ONU, um “centro de excelência”. O seu objectivo é desenvolver um saber fazer, uma competência consciente dos seus objectivos que visa a autonomia utilizando ecotecnologias e uma agricultura biológica cujos nutrientes naturais promovem a sustentabilidade ecológica. Assim, o metabolismo circular, baseado no princípio de que na natureza nada se perde e tudo se transforma, tem duas vertentes interligadas:
1ª O ciclo orgânico, onde o vegetal vai nutrir o animal que, por sua vez, vai nutrir o vegetal através da regeneração dos dejectos metamorfoseados em composto nutritivo dos solos.
2ª O ciclo ecotecnológico do agricultor e do produtor ecológico que, usando uma ecotecnologia feita na base das energias renováveis e com materiais recicláveis, realiza uma agroecotecnoprodução à escala humana e fabrica as máquinas e os utensílios múltiplos, reutilizáveis ou recicláveis. Este ciclo ecotecnológico e social reproduz uma ecotecnosfera, sem esgotar nem poluir a biosfera.
No 1º ciclo, orgânico, as próprias águas usadas são recicladas, passando em sucessivas lagunagens de plantas biodepurativas (jacintos de água, fragmitas comunis, etc.). Essa água tornada limpa, pela assimilação dos nutrientes orgânicos feita pelos ecosistemas, permite a cultura de peixes e outros fins. As plantas biodepurativas são posteriormente misturadas com os dejectos dos animais e vão ser compostados, graças aos microrganismos, os decompositores, de modo a que os novos nutrientes orgânicos ajudem ao enriquecimento dos solos e à regeneração da biosfera.
Quanto ao 2º ciclo, ecotecnológico, o padre Nzamujo, Doutor em Microbiologia, Electrónica e Ciências do Desenvolvimento, concebeu utensílios e máquinas que são os meios de produção apropriáveis, simples de fabricar, utilizar e reciclar.


 



Este exemplo é um exemplo que é uma matriz para qualquer tentativa de se criar um centro de formação pois trata-se de uma escola que é uma escola de trabalho e de vida em que o aldeamento, a formação ecológica e a ecotecnologia constituem um processo integrado para o saber, o saber fazer, o relacionar-se com os outros e o alargamento da consciência.
A terceira personagem que aqui quero referir é o Arquitecto Mick Pearce[9].


  

                 Mick Pearce                                                            Janine Benius 



Mick Pearce nasceu em Harare no Zimbabwe. Organizou um grupo de arquitectos para a paz “Architects for Peace”. Construiu em Harare, no Zimbabwe, um edifício, “Eastgate”, de escritórios e comércio que é um símbolo no habitat que revela um sentido cívico e ecológico do maior interesse para África.
Baseando-se na filosofia do biomimetismo, “Biomimicry” desenvolvido por Janine Benius, em que se considera que a próxima revolução não será fundada no que se explora da natureza mas sobre o que se aprende dela. Trata-se essencialmente de nos inspirarmos no funcionamento dos ecosistemas naturais para resolver os desafios que se colocam à Humanidade e ao planeta. Duma forma integrada e participada, articula-se a energia, a construção e a bioclimatização duma forma mais natural.
Na Europa, metade da energia é gasta em sistemas de aquecimento, enquanto que em África essa metade é gasta em sistemas de arrefecimento.


  




Mick Pearce conseguiu, com o edifício Eastgate e baseando-se no estudo e investigação à volta das formigas termiteiras, estabelecer um sistema natural de bioclimatização que permite uma temperatura constante de 27 graus, mesmo que no exterior estejam 40 graus centígrados.
Com esta experiência exemplar, este arquitecto veio estabelecer duas novas importantes atitudes:
1ª Uma postura proactiva diante da natureza que, em vez de explorar, estabelece uma relação simbiótica que permite aprender com a natureza, aproveitando as potencialidades complementares para uma relação solidária do homem e da própria natureza.
2ª Mais do que investimentos tecnológicos, sofisticados, pesados e não apropriáveis, o importante são as soluções engenhosas que, partindo duma observação científica e rigorosa, permitem converter situações aparentemente antagónicas em complementaridades úteis. Com este edifício de Eastgate, Mick Pearce permite, através de aberturas e canais que imitam os sistemas de arejamento das termiteiras, utilizar a passagem do ar fresco para bioclimatizar e ao mesmo tempo, construindo um pátio com um pé direito alto no meio do edifício, gerou uma chaminé que retira de forma natural o ar quente. Os alvéolos existentes na zona inferior do edifício, permitem a entrada do ar fresco que, de forma natural, à medida que vai aquecendo vai subindo para a parte mais alta do edifício.







Com estes princípios de biomimetismo, que têm sido desenvolvidos em muitos edifícios actualmente construídos, grande parte deles com materiais naturais (terra e madeira), economiza-se 35% de energia, baixando assim também os alugueres em cerca de 20%. Este exemplo implica pensar sempre a habitação ligada à ecologia e à cidadania.
Estas inovações de Mick Pearce podem ainda ir mais longe, utilizando, como já se faz em muitos sítios, através de processos de ecoconstrução (uso de adobe, bambu, etc.) toiletes secas, vegetalização dos tectos, recuperação das águas pluviais, biodepuração de águas residuais e implantação de jardins bioclimáticos, úteis e agradáveis.
Para além dessas intervenções a nível dos dispositivos topológicos, há que desenvolver protótipos de energias renováveis, em especial fornos térmicos solares multifuncionais que, em África começam já a ser utilizados na produção de tijolos, cerâmica, siderurgia e panificação.
Concluindo:
Estes são alguns passos para o início do desenvolvimento ecologicamente sustentável.
Não há receitas. Há apenas caminhos experimentáveis e exigindo constantes balanços, que vão da responsabilidade do cidadão às decisões políticas das elites.
As intervenções poderão ser feitas pela sociedade civil, pelas empresas e pelo estado. O processo para o novo paradigma exige muita cooperação entre os homens e os povos nas comunidades, nos países e nos continentes.
Acções múltiplas, locais e globais, pressupõem uma nova solidariedade em busca da complementaridade e cooperação entre as civilizações, entre os grupos sociais, entre uma nova ecotecnologia para um planeta vivo.
Síntese Pedagógica
O desenvolvimento ecologicamente sustentável é um processo novo que se opõe às três grandes domesticações (submissão, exploração e consumismo) que os indivíduos e os povos sofreram ao longo dos anteriores paradigmas. Esses paradigmas geraram formas de poder assentes nas classes antagónicas. Em África, podemos encontrar formas exemplares alternativas, que apontam para o novo paradigma emergente.
1.      Contra a falta de auto-estima, a dependência e a passividade, Wangari Muta Maathai desenvolve uma militância eco-social “local e global”, no interesse individual, comunitário e planetário. A Associação “Green Belt” dirige-se para a criação do equilíbrio planetário através da paz social. Wangari Muta Maathai ensina-nos que se pode agir na mudança com meios mínimos a favor da biodiversidade, sementes, plantas e árvores, organizando o povo contra – a fome (uma agro-floresta e agricultura), a doença (plantas medicinais e biodepurativas) e a desertificação (reflorestamento para a mudança climática).
O Essencial:
Wangari Muta defende uma vontade participativa do indivíduo aos grupos, das pessoas às comunidades, com meio agro-ecológicos simples, em busca da biodiversidade, da saúde alimentar e do bem-estar.
O motor fundamental de mudança é a sociedade civil (cidadãos e associações).

2.      Goodfrey Nzamujo, educador e criador duma escola comunitária de trabalho e de vida – Centro Shongai – combate a pobreza tornando os pobres produtores. Utiliza a simbiose ecosistémica do metabolismo circular na natureza para os nutrientes orgânicos (águas residuais, detritos orgânicos) e para os nutrientes tecnológicos (instrumentos, utensílios, ferramentas e ecoconstruções).
Criar solidariedade aprendendo a aprender, através de teoria e prática. Assegurar, pela comunidade, a sustentabilidade e ajuda do próximo e ao mesmo tempo assegurar a continuidade dessa sustentabilidade alargada a outros vindouros. É uma ajuda da comunidade para que eu possa ajudar-me a mim mesmo. Ao mesmo tempo, tendo-me ajudado a mim próprio, com a ajuda dos outros, eu ajudo o outro, para que ele se possa ajudar a si mesmo. Assim, podemos perpetuar uma ajuda que permita a outrem ajudar-se a si mesmo, de modo a que, de uma forma saudável, o indivíduo possa ajudar a comunidade a ajudar-se.
Através da quinta, dos ateliers e das oficinas pode-se dar conhecimento, capacitar e produzir comércio justo. 
O Essencial: 
Articular a simbiose ecosistémica com uma cultura solidária de mútua ajuda social. 
O motor fundamental de mudança é a escola, as instituições de formação e animação sócio-cultural.
3.      Mick Pearce, através do Movimento Arquitectos para a Paz, no Zimbabwe, construiu um edifício baseado num sistema bioclimático e ecoconstrutivo, que se opõe à dependência consumista veiculada pelas tecnologias sofisticadas e pelos materiais e instrumentos contaminantes. Criou uma ecotecnologia inspirando-se nos ecosistemas da natureza e não em máquinas esgotantes, que poluem e são a expressão duma tecnociência, já ultrapassada, do paradigma anterior. Desenvolve assim dispositivos topológicos de ecoconstrução, com energias renováveis, procurando um pensamento ecológico e sistémico em que as polaridades convergem num território ecologicamente sustentável.
O Essencial:
Uma ecosofia para uma tecnosfera em equilíbrio ecológico com a biosfera, através de construções ecologicamente sustentáveis.
Os motores fundamentais da mudança são as empresas justas e o Estado-Providência.


[1] Rodrigues, António Jacinto
Arte, Natureza e Cidade, Ed. Árvore, 1993;
Ecodesenvolvimento, Arte, Urbanismo e Arquitectura, Ed. Horizonte das Artes, 1993;
“O Jardim Planetário ou a Eco-Utopia do Séc. XXI” in Revista Episteme, Ed. UTL, nº7-8-9, 2001
“O desenvolvimento ecologicamente sustentado – alternativa ao capitalismo na era da globalização” in Actas VI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, vol.2, Ed. FLUP, 2002;
“Reflexão Crítica do modelo de crescº económico eurocêntrico” in Lusofonia em África, Senegal, 2005;
Sociedade e Território, Profedições, Porto, 2006;
“África que desenvolvimento?” in Revista Africana Studia, nº 10, 2007;
”Para uma alternativa de desenvolvimento ecologicamente sustentável” in Revista Cabinda Universitária, nº1, 2007;
Crescimento, Decrescimento Sustentável e Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável, WP#3_2007, Ed. Universidade da Beira Interior – CES (Centro de Estudos Sociais).
[2] Morin, Edgar Terra-Pátria, Ed. Piaget, Lisboa, 1993  
[3] Passet, Renné L'Économique et le vivant, (nouvelle édition), Economica, 1996
[4] Amin, Samir El Eurocentrismo: crítica de una ideología, 1989; El fracaso del desarrollo en África y en el tercer mundo: un análisis político, 1994
[5] Rahnema, Majid Quand la Misère Chasse la Pauvreté, Ed. Babel, 2ª edition, 2006
[6] Ki-Zerbo, Joseph Para Quando África? Ed. Campo das Letras, Porto, 2006
[7] Muta, Wangari  Wangari Maathai Prix Nobel de la Paix 2004 – Celle qui plante les arbres - autobriographie, Ed. Heloise d’Ormesson, trad. Isabelle Taudière, 2007
[8] Nzamujo, Goodfrey  Quand l’Afrique releve la tête, Ed. CERF
[9] Pearce, Mick “Eastgate, Harare: a Living System in the City” conference paper  in The Intelligent Building Design Symposium, Stuttgart, 1997
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COLÓQUIO NA REITORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA SOBRE A BAUHAUS - MARÇO 2010




1º Extracto da palestra de Jacinto Rodrigues no colóquio sobre a Bauhaus

A minha relação com a Bauhaus é muito longa. Escrevi o primeiro livro sobre a Bauhaus, em 1973, em francês, quando era professor na École Supérieure d’Architecture em Rennes.
Nessa época, falar da Bauhaus era falar de uma escola subversiva. E em Portugal era ainda pior pois, no contexto fascista, a Bauhaus era considerada uma escola de bolcheviques e judeus.
Nessa altura eu estava exilado e influenciado por uma ideologia marxista redutora. Escrevi então esse livro, que foi, de certa maneira, um elogio à obra de Hannes Meyer, que era comunista e foi o 2º director da Bauhaus, com uma actividade muito importante no que respeita às questões públicas e sociais, mas que foi ostracizado.
Depois do 25 de Abril, já em Portugal, dediquei-me mais profundamente à Bauhaus como experiência de ensino que poderia ser útil na minha prática pedagógica na ESBAP (Escola Superior de Belas Artes do Porto). Fiz assim o doutoramento na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa com a tese “A Bauhaus e o Ensino Artístico nos Anos 20 – Teoria e Prática” sob a orientação do Professor Doutor José Augusto França. Publiquei, em 1987, esta tese, ligeiramente modificada, na Editorial Presença . Este livro, que se encontra esgotado, pretendia ser uma leitura plural e complementar das várias correntes da Bauhaus.

Agora, revisitar e aprender com a Bauhaus é querer actualizar a experiência da Bauhaus. Normalmente as pessoas têm “óculos” ideológicos. Ao observarem a realidade, não conseguem distanciar-se da hermenêutica contextual em que se situam. É por isso que várias paralaxes são possíveis diante dum mesmo objecto. Por outro lado, a Bauhaus teve também dentro dela, posições díspares. Por isso, não se pode hipostasiar uma única Bauhaus. Seria não ver uma realidade complexa, feita de metamorfoses e confundi-la com um cadáver do real.
Na segunda publicação que fiz da Bauhaus, tenho já uma atitude diferente da primeira postura ideológica. Olhei as coisas doutra maneira. Já tinha mais idade, mais experiência como professor e visitei várias vezes a Alemanha. Consultei os arquivos da Bauhaus e, como conheço a língua, tive ocasião de estudar os documentos originais. Ultrapassei a visão ideológica pela busca teórica e histórica do real. Não se trata apenas de busca de informação, mas da problemática do olhar epistemológico.
Por exemplo, a pós-modernidade tem uma postura completamente diferente dos historiadores da modernidade. Charles Jenks, ao escrever sobre a Bauhaus, lança uma série de suspeitas sobre o significado político da Bauhaus, contrariando Gideon, para quem a Bauhaus é o modelo ideal de uma escola de arte. A pós-modernidade desconstruiu mitos, como por exemplo a imagem do director Gropius, sempre igual a si próprio e sem inquietudes e perversões. A pós-modernidade revelou, com intensidade, uma Bauhaus ocultada onde o papel de Itten foi preponderante.
                                                              grupo de professores da Bauhaus

Contudo, também essa mesma pós-modernidade, caiu num relativismo de valores não reconhecendo o pioneirismo e as dificuldades de uma escola democrática, inserida num contexto de nazificação crescente.
Vou tentar explicar isto através de uma famosa história-ensino soufi, que utilizei várias vezes nas minhas aulas e que pode ajudar a compreender esta complexidade da Bauhaus.
Havia 7 cegos, na Turquia, que resolveram procurar a verdade. Então, dirigiram-se para o Oriente, onde nasce o sol e vem a luz. Como eram cegos, puseram-se a caminho, às apalpadelas. Um dia, já cansados e quase a desistir da longa viagem, embateram em algo que se encontrava no meio do caminho.
Perguntaram-se entre eles o que seria aquilo. Então, na tentativa de encontrar resposta, um dos cegos, Nass Redim, segurou qualquer coisa que estava à sua frente e disse: Já sei o que é. É uma mangueira.
O 2º cego, Avicenas, disse que não era nada uma mangueira, mas sim uma espada, pois tinha tocado em algo afiado.
O 3ºcego, Averróis, disse que não podia ser nada daquilo, pois ele tinha um abano à sua frente. O 4º cego, Aladino, disse que era um tronco duma árvore e o 5º cego, Hassan disse que era um muro, pois apalpava una superfície larga à sua frente.
O 6º cego, Arafat, disse que também tinha um tronco à sua frente.
E o 7º cego, Ibrahim, disse que tinha tropeçado numa corda.
Começaram todos a discutir sobre quem tinha razão. Estavam quase em pé de guerra, porque não se entendiam.
É assim a história das ideias expressa pelas ideologias dogmáticas. Só se vêem parcelas da realidade. Daí as antipatias a que nós assistimos nas lutas institucionais. Os nossos colegas, às vezes, são os nossos maiores inimigos. Esta visão parcelar impede a compreensão teórica, necessária para uma abordagem objectiva da história.
Nesta história-ensino, os cegos, como não se entendiam, pediram ajuda.
Um homem que por ali passava e que era um condutor de elefantes – cornaca - disse-lhes que tinham chocado contra um cadáver de elefante. Aquele que julgou encontrar uma mangueira estava a segurar a tromba, o que se picou no dente pensava ter encontrado uma espada, o abano era a orelha do elefante, o tronco era a pata do elefante, a barriga era o muro, a outra pata era o outro tronco e o que tropeçou na corda tinha tropeçado na cauda do elefante.
Então, os cegos disseram:
- Um elefante é uma mangueira, uma espada, abano, troncos, muro e corda.
- Não – disse o cornaca - O cadáver de um elefante não é um elefante. Um elefante é um animal grande, brinca com as crianças, tem sofrimento e alegria e interage com o mundo.
Também a Bauhaus não é uma realidade apenas dos livros que se escreveram sobre ela. É preciso distinguir os níveis da realidade. Há muitos livros, muitos investigadores, muitos documentos, como por exemplo os documentos originais publicados por Wingler que contém o essencial da informação sobre a Bauhaus.
Eu li muito sobre a Bauhaus, em artigos, livros, documentos, etc.
Visitei Weimar, Dessau e Berlim, onde vivi alguns meses, entrevistando professores e consultando arquivos. Mas nunca vou chegar a saber o que era o clima da Bauhaus, no seu tempo. Quando nasci, já a Bauhaus tinha sido encerrada pela Gestapo. Ao querer estudar esta realidade, tive que inseri-la no contexto histórico e implicar as minhas reflexões na episteme dessa época.
Voltando novamente à história-ensino, os cegos perguntaram ao cornaca para que servia o elefante e ele respondeu:
- Quando eu era pequeno, brincava com os elefantes. Os elefantes para mim são meigos, brincalhões, carinhosos e fantásticos. Mas o meu patrão, que é militar, usa os elefantes para a guerra porque o elefante pode ser também uma arma. Metem-lhe uma tocha acesa na orelha e ele avança para o inimigo levando tudo à frente.
Voltando à Bauhaus, podemos então descobrir a sua complexidade. Muita gente se iludiu sobre a Bauhaus. Viram só uma parte da sua realidade. Não tinham a agudeza de vista nem a vivência do cornaca. Com o fim da Bauhaus e a diáspora de muitos professores, houve várias tentativas de levar a experiência da Bauhaus para outros sítios. Assim, nos E.U.A., Gropius, Mies van der Rohe e Moholy Nagy, explicitaram de modo diferente a escola da Bauhaus. Muitos aproveitamentos conduziram a experiência da Bauhaus a formas contraditórias com a própria génese desta escola.

 


2º Extracto

Queria contar-vos, ainda, uma 2ª história que está no cerne da pedagogia da Bauhaus, e é, para mim, a contribuição essencial da Bauhaus no seu tempo.
É a história de Platão, o mito do carro alado, contado em Fedro. Nesse diálogo, Sócrates explica que o Homem é uma completude com muitas singularidades e muitos níveis de realidade: somos uma carroça, o corpo físico; somos animais, as nossas emoções; somos um cocheiro – que coordena os cavalos entre si e governa cavalos e carroça; e somos também (para que haja uma ligação entre vontade, emoção e inteligência) o rei (sinónimo simbólico de consciência) que está dentro da carroça, pois é o único que sabe para onde vai, é o que dá sentido à viagem.
Este sentido é, provavelmente, aquilo de que andamos todos à procura no sistema de educação para o séc. XXI.
A história da Bauhaus e a sua actualidade está aqui. Se nós entendermos a Bauhaus como uma grande complexidade sistémica, se entendermos que as contradições são fundamentais para aprender e que não há conceitos finais, então começamos a aprender a aprender. É necessário também que, quando nos aproximamos de qualquer coisa, tenhamos um cuidado hermenêutico, uma reflexão epistemológica com a sabedoria de que os paradigmas mudam.
Aprender é pois muito diferente de estar informado. É muito diferente de ler livros, de ouvir palestras. Aprender a aprender é vivenciar, dentro de nós, a experiência que recolhemos na interacção social.
A Bauhaus percebeu que a escola tinha de ensinar a fazer, ensinar a aprender a aprender e ensinar a relacionar-se, adquirindo uma consciência alargada.
Também Gertrud Grunow, Itten e Paul Klee tentaram, quase de forma iniciática, desenvolver este alargamento de consciência nos jovens. Grunow procurava reflectir sobre os acontecimentos dentro da Bauhaus no sentido de dar claridade e consciência a alunos e professores. Usou a expressão corporal, as relações cinestésicas (cor, som e dança) para criar auto-desenvolvimento, hetero-desenvolvimento e eco-formação.
A consciência alargada, a ética e a força intencional são o essencial da formação nos dias de hoje.
A Bauhaus representa, nos anos vinte, uma primeira tentativa transdisciplinar, relacionando vários saberes (téoricos, tecno-operativos e expressivos) graças a obras didácticas em que se criava a unidade temática em projectos e em realizações comuns.
São exemplo disso as peças de design (roupas, móveis, brinquedos), as propostas de edificações (casa de Sommerfeld, edifício de Am Horn e o próprio edifício da escola da Bauhaus, assim como o bairro social de Dessau ), o teatro de rua, a banda de jazz, as esculturas sociais etc. Foram experiências exemplares de grande notoriedade, expressão de luta democrática de estudantes e professores contra a nazificação da Alemanha que a encerrou e ostracizou como uma escola subversiva, blochevique e judaica.
Apesar do seu encerramento em 1933, a diáspora dos seus ideais pedagógicos e sociais, continua viva, após 90 anos decorridos desde a sua criação em 1919-1920.

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CONFERÊNCIA DE JACINTO RODRIGUES NA REITORIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO - JULHO 2009

No dia 1 de Julho o Professor Jacinto Rodrigues proferiu uma conferência integrada na "10th International Conference of the Utopian Studies Society/Europe: Far other Worlds and Other Seas" a decorrer no salão nobre da Reitoria da Universidade do Porto até 4 de Julho.
“Father Himalaya: A Man Ahead Of His Time” University of Porto , 1 July 2009 Jacinto Rodrigues, PhD ,Professor Catedrático History has revealed many extraordinary men and women who dared to dream of a better world. Among them, we should certainly count the Portuguese thinker Father Himalaya, a multifaceted man, a strong supporter of the civil rights movement, a bold scientist, a pioneer in what came to be termed ecologically-sustained development, and, above all, a man who forged and lived his own utopia.
I. The Man Born in 1868, in Cendufe, a small village in the North of Portugal, Manoel António Gomes soon adopted the nickname devised by his Seminar colleagues – Himalaya –, an enigmatic and meaningful name which combined perfectly with his great ideals and the important scientific breakthroughs in which he was to be the leading protagonist a few years later. Father Himalaya travelled the world. In addition to Portugal, he lived in Germany, France, England, the United States of America and Argentina. His journeys usually aimed at acquiring knowledge and financial support to work on his many projects. Before moving to Paris, in 1899, he lived in the city of Porto and worked as a teacher of Chemistry and Physics. This was an important time for Father Himalaya, who published numerous essays in scientific journals during this period. His interests, his lectures and his writings ranged from Religion to Science, Ecology, Philosophy, Education, and Economics. In 1908, in a Conference held in Viseu, Father Himalaya questioned the causes of the lack of productivity among the Portuguese, a chronically unsolved issue that still inspires many lively debates among our politicians today. In the beginning of the twentieth century, Father Himalaya saw a solution to this problem in Education: "The fundamental problem that the government has to solve in Portugal is to promote the instruction and education of the people under a practical and utilitarian base. Portuguese people must be taught how to work hard and fast in order to produce as much, as good and as cheap as their foreign brothers". (Himalaya 1908, my translation) Father Himalaya argued that it was absolutely necessary to surpass the abyss created between thinkers and workers in Portuguese society. He understood the need to invest in a wide range Education that should enable the new generations to better articulate all facets of life, thereby securing their future well being and happiness. As far as Religion is concerned, Father Himalaya was also a practical and a liberal thinker. In his letters to his brother Gaspar, he reveals much of his progressive thought: "If I was the Pope, I should consult all the Bishops and all the priests and if their answers were what I believe them to be, I should establish the “Libertaz” and allow marriage". (Himalaya 1929, my translation "Only the strike of the Catholic sons, running away from priesthood and deserting the Lord’s vineyard, could open the eyes of those who run the Church and make them see that it is a crime to impose, as a fundamental duty, something that the Lord has only advised as a greater mean to sanctification". (Himalaya 1930, my translation) Not only was Father Himalaya opposed to forced celibacy, but also against other Catholic imposed sacrifices, such as fast days, that, according to him, only drove people away from Catholicism. Furthermore, Father Himalaya always combined his Religious Faith with his belief in Science: "Though the Scriptures are a series of general rational laws according to which it is mandatory to distribute among the poor the excess of richness, it is up to Sociological Science to fulfill that humanitarian precept". (Himalaya 1916, my translation) Scientific knowledge and practice, together with Education, should increasingly lead to the democratisation of all natural resources and, consequently, to a fairest, ecologically sustained and happier world. A daring man, Father Himalaya never hesitated when new scientific challenges arose, and nothing could keep him from participating in his own experiments. Indeed, it was by testing some of his medicines on himself that he became seriously ill and eventually died, in 1933, without finishing his book on the Mechanics of the Universe.
II. The Scientist Father Himalaya was only seventeen when he built a machine that could transform nitrogen – a gas without colour, taste or smell that occurs in large quantities in the earth’s atmosphere –, and increase the fertility of the soil. He didn’t take out a patent for his invention, though, and, a few years later, a German citizen obtained it for a similar machine. Father Himalaya’s interest in plants and their medicinal properties led him to initiate a thorough research on the subject and to create various natural medicines. One of these – the Organic Salts – was successfully commercialised at the time. Father Himalaya was, furthermore, a strenuous critic of Traditional Medicine and the economic games that it fostered. In his annotations to Sebastian Kneipp’s book on water treatments, he observed: "Medicines used in traditional medical treatments (…) have no healing virtues. They are expensive and unknown to both patients and doctors. They are toxic or poisonous and sometimes they are approved by the academies due to the intervention of the money god. Finally, they are created by industrial enterprises ruled solely by the thirst of gold". (Himalaya 1896, my translation) Nonetheless, Father Himalaya’s greatest scientific achievements were yet to come. In 1900, he began his experiments on solar energy in Sorede, France. The Pyrheliophoro was a gigantic solar furnace with equally gigantic lens that received solar energy and transformed it into electricity. After a few failed attempts to keep the first prototypes working, a new machine was built and presented, in 1904, in St. Louis, at the World’s Great Exhibition, the highest exponent of technological sophistication. The enthusiasm of both the visitors and the press was overwhelming. The “New York Times”, the “Sunday Magazine” and the “Republic” all devoted their first pages to Father Himalaya’s engine. An amazed crowd stared at the enormous machine whichoccupied 80 squared meters and reached 3500 Celsius in temperature. When Father Himalaya placed the furnace closer to the refractory focal point, everything melted. Granite and basalt instantly liquefied. The Exhibition Jury awarded Father Himalaya the first prize and the Portuguese scientist forever inscribed his name in the history of renewable energies. Despite this enormous success, the Pyrheliophoro was never commercialised. It was too expensive to be used in Industry and, above all, its principles were contrary to the ruling Economy based on fuel. Still living in the United States, more precisely in Washington, Father Himalaya soon began to work on a new invention. This time, it was an innovative kind of non-polluting explosive that occupied his mind. He called it ‘Himalayite’. It was derived from products of vegetal and mineral origin which were cheap and easy to obtain. This explosive had no warlike purposes. It should be exclusively used in mines and other economic activities. Back in Portugal, Father Himalaya gathered enough support to create one enterprise – the Himalayite Company – which began the production of explosives in 1911. The himalayite cartridges were used in many campaigns of forestation endorsed by Father Himalaya. The explosive was used to make the holes where new trees were planted. In addition to the Pyrheliophoro and the himalayite explosive, Father Himalaya was also the inventor of a direct engine and a turbo-engine; a new type of flour derived from a mixture of small crustaceans and bran; and a recycling sewage system to produce fertilisers. In 1908, he publicly presented a National Plan to decentralise dams and irrigate the whole country through a system of canals. This plan also pointed out the many advantages of using renewable sources of energy. Thus, Father Himalaya inaugurated in Portugal a hundred years ago, the concept of ecologically-sustained development. III. The Visionary In spite of being a Catholic Priest, Father Himalaya didn’t endorse the belief that happiness was something to be achieved after death. Like most utopians, who “practice a politics of everyday life, placing a premium on inventing and describing social arrangements designed to create an environment in which latent capacities for individual happiness can be fulfilled” (Gordon 2005:363), Father Himalaya insisted that humanity possesses all resources to build a better society here and now. It only takes the courage, the energy and the imagination to do it. The time when Utopia was understood as an ideal to be conquered or a perfect place waiting to be found is far gone. Instead, Utopia came to be seen as a drive for continuous transformation. And there is nothing better than the life and work of pioneers like Father Himalaya to illustrate this inner desire to change the world through effective action. Father Himalaya was, indeed, a man of action who struggled to put his ideas, his inventions and his scientific breakthroughs at the service of others. He was also a visionary, who strove to decode Nature’s best hidden secrets, and a holistic thinker whose proposals, briefly summarised in the following lines, remain, almost one century later, undeniably up to date: - sustainable development and a prosperous future depend on the use of solar energy and other renewable forms of energy; - waste should be recycled and turned into agricultural fertiliser; - water should be a public utility, decentralised through irrigation and multiple reservoirs integrated in ecosystems. Biodiversity should be extended to rural and urban areas through forestation; - training and education should foster a closer link between human beings and nature, through farms, gardens, and forests that should increasingly become essential for autonomy and sustainability; - health should be promoted through disease prevention based on healthy food and a healthy life style. Healthy food should not include the eating of any animal. Father Himalaya’s views on this matter were quite clear: “Human beings are currently living on the leftovers of death, that is, on meat and fish; it’s no wonder that they walk steadfastly towards the sinister hand that feeds them” (Himalaya 1908, my translation). Thus, the legacy of Father Himalaya, though still unknown by many, should not be disregarded. It is, in fact, amazing how much of what he envisaged, one century ago, is yet to be done. In 1913, in an interview to the newspaper “O Século”, he identified this Portuguese paradox: an exceptional capacity to dream walking side by side with a provincial inertia. One thing more has to be said about Father Himalaya: his vision was not supported, at the time, because it was not viable, in financial terms. But I believe that we should remember Father Himalaya not because of the machines he invented, but because of the vision that he offered, based on the use of those machines. With his Pyrheliophoro, Father Himalaya hoped that energy would be offered without charge to all the population. This would be but the beginning of a happier time, partly forged by scientific discoveries, partly motivated by the kindness of men.
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Universidade Lusófona - Lisboa - Maio 2009
Towards a New Architectural Identity













A abordagem ao tema em foco neste seminário foi iniciada com a conferência do Professor Jacinto Rodrigues (FAUP) a partir de uma perspectiva globalizante que teve como pano de fundo a questão daEcologia Urbana e a sensibilização da assistência para a necessidade de reflectir sobre o imperativo de estabelecer uma nova ordem global fundamentada na sustentabilidade.

A perspectiva de Jacinto Rodrigues observou a incapacidade de progredir tendo como base o actual modelo social e cultural, Americano e Europeu, e a urgência de transformar as mentalidades no sentido de encontrar novos meios que permitam fazer face à situação de ruptura iminente - crise planetária - de que a actual crise económica é apenas uma primeira expressão.

























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Conferência sobre Património e Globalização proferida por 

Françoise Choay na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - Maio 2009


No mês de Maio, Françoise Choay esteve na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra a proferir uma conferência sobre património e globalização.
Tive a oportunidade de escutar uma comunicação interessantíssima e de recordar os finais dos anos 60 e princípios de 70 em que fui seu aluno na Université de Vincennes, Paris VIII.
Recordo com gratidão o privilégio de ter obtido, posteriormente, um prefácio de Françoise Choay no livro que publiquei em França, "Urbanisme et Revolution", 1973, resultado da dissertação de "Maitrise" em Urbanismo, realizada sob a sua direcção.





Jacinto Rodrigues e Françoise Choay na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
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1ª Conferência Internacional sobre Ensino, Investigação e Desenvolvimento em Angola - Universidade do Minho 15 a 17 de Maio 2008



O Professor Jacinto Rodrigues fez uma comunicação na 1ª Conferência Internacional sobre Ensino, Investigação e Desenvolvimento em Angola, na Universidade do Minho, Braga no dia 15 de Maio e cujo resumo se segue:

Jacques Delors, no Relatório apresentado à UNESCO, pela Comissão Internacional sobre Educação para o Séc. XXI , em 1999, refere os quatro pilares necessários para uma mudança de paradigma educativo:
a) aprender a conhecer;
b) aprender a fazer;
c) aprender a viver em conjunto;
d) aprender a ser;
Contudo, este modelo educativo terá que ser inserido num paradigma mais vasto. Um novo paradigma civilizacional. Nesse novo paradigma civilizacional teremos que rever a questão do modo de produção, dos tipos de energia e dos processos e meios tecnológicos.
Na actual situação ecológica de esgotamento da biosfera (energia, espécies e bens naturais) de contaminação poluitiva (poluições globais, secas, mudanças climáticas etc.) e exclusão social, terá que se impor uma mudança não apenas no modelo operativo mas, se queremos sobreviver e viver numa relação simbiótica com a natureza, no processo civilizacional.
A tecnosfera produzida pelo homem gerou pontos de ruptura com a biosfera que já não possui força regenerativa face ao referido esgotamento e contaminação. São claros também os sintomas de crise profunda na sociedade, alargando-se o fosso entre ricos e pobres, gerando-se conflitualidade e violência face às dissimetrias regionais e internacionais, até à fome, miséria e genocídio.
A concorrência desenfreada e a competitividade predatória estão a desarticular toda a eco-economia essencial da biosfera, gerando incontroláveis situações catastróficas: mudanças climáticas, catástrofes naturais, desertificação e perca de biodiversisdade nos ecosistemas.
Neste sentido, o paradigma pedagógico, tal como o pensamento e a cultura e o modo de vida em geral, terão de se ecologizar.
O que propomos para o paradigma pedagógico é ecologizá-lo. Assim, ecologizar a proposta de Jacques Delors é:
a)Eco-empreender , isto é fazer ecologicamente as actividades tecno-estruturais;
b)Eco-aprender a aprender, isto é, aprender a conhecer com o pensamento ecologizado;
c)Eco-aprender a viver em conjunto e em solidariedade para com a biosfera,
criando as simbioses necessárias entre natureza, ecotecnologia e eco-sociedade.
d)Aprender a ser ecologicamente, para se poder viver em harmonia com a
existência saudável duma biosfera.
Só a partir desta orientação estratégica, se podem elaborar os currículos de formação adequados ao ecodesenvolvimento. Esses currículos articulam-se ainda de forma tripartida, embora, sistemicamente em interacção:
a) Formação, no sentido das necessidades de autonomia alimentar, construtiva e
logística de base – Eco-emprender – fazer;
b) Formação criativa, relacional e ainda higiene e saúde – Eco-relacionar-se com os outros e com a biosfera;
c) Eco-apreender saberes para uma estratégia de eco-desenvolvimento.
Interessa compreender que toda essa triarticulação de currículos se relaciona com um trabalho de auto-desenvolvimento para uma consciência auto-reflexiva que tem a ver com a dimensão do ser, de que também fala Jacques Delors. Só com esse trabalho, de definição paradigmática e de estratégias curriculares adequadas, poderemos definir uma conveniente gestão da cultura e do ensino.
A problemática da cultura e do ensino tem a ver com o modelo de desenvolvimento que se discute actualmente na U.E. e no mundo e que assenta numa oscilação entre o neoliberalismo, cujo interesse se articula em torno do mercado e dos interesses lucrativos das multinacionais e o capitalismo de Estado, previdencialista, em que a regulação económica se faz através do “neokainesianismo” ou através do planeamento do Estado autocrático.
Porém, esta situação aparentemente dicotómica tem, afinal, três sujeitos. Aquilo a que se chama o triângulo de “Krohm”.
Com efeito, para além da polaridade Empresa/Estado, existe a expressão duma sociedade autónoma cuja expressão se traduz na auto-gestão participativa e cooperante.
Neste sentido, a questão não é mais Estado ou mais Empresa privada, mas mais sociedade civil auto-organizada.
Por isso, o ensino e a cultura, no desenvolvimento ecologicamente sustentado, terá cada vez mais a ver com a organização consciente e participativa da sociedade civil e menos a ver com formas de mercadoria lucrativa, na órbita das multinacionais ou das manipulações ideológicas do Estado autoritário.
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Conferência PEDAGOGIA PARA UMA SUSTENTABILIDADE - Universidade da Beira Interior - Covilhã 7 de Maio 2008








Integrada no IV Ciclo de Conferências em Arquitectura, da Universidade da Beira Interior, o Professor Jacinto Rodrigues realizou uma palestra sobre Pedagogia para uma Sustentabilidade.

”Hoje vive-se um paradigma filosófico diferente do vivido até há pouco tempo atrás. A realidade é mais complexa e sistémica.” É com estas frases do filósofo Thomas Kuhn, que o Professor Jacinto Rodrigues, iniciou a sua conferência, intitulada “Repensar o Território – da modernidade ao paradigma ecológico”, uma conferência que incide sobre o paradigma dominante e o paradigma emergente e sobre as grandes questões que assolam a sociedade actual, analisando-as sempre segundo uma perspectiva sistémica e ecológica.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=WcmWHmvHSdM#!
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Srbkk7R-1-8
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=CfWUE36hmdg
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=JFzYLjZ4cyI
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Seminário "O Metabolismo Circular e o Eco-Urbanismo" Escola Universitária Vasco da Gama - 23 de Abril de 2008
O Professor Jacinto Rodrigues realizou, no dia 23 de Abril de 2008, a convite da Escola Universitária Vasco da Gama, em Coimbra, um Seminário sobre o Metabolismo circular e o eco-urbanismo.














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Conferência na Universidade de Trás os Montes e Alto Douro (UTAD) - Março 2007

A UTAD gravou um vídeo, desta conferência, em 4 partes que se encontra no YouTube (clicar no título deste post)












































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Palestra na Universidade Agostinho Neto sobre Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado - 2007



O Professor Jacinto Rodrigues foi convidado pela Universidade Agostinho Neto para realizar algumas conferências em Luanda. Na Faculdade de Arquitectura da Universidade Agostinho Neto fez uma conferência sobre A Arquitectura e o Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável.Aí constatou também que estava em vias de legalização a Associação "KWATerra, que tem como finalidade a educação e o desenvolvimento e integração sociais e vem dar corpo institucional a uma obra social já começada com a colaboração do arquitecto Maurício Ganduglia.Os seus objectivos:- A sensibilização para os sistemas e valores da construção tradicional,- A formação integral das pessoas intervenientes nos processos de construção- O respeito pelo meio ambinte e espaço urbano,- A planificação construtiva urbana e territorial e- A comunicação e difusão de técnicas, actores e projectosTrata-se de uma organização não governamental de direito angolano, sem fins lucrativos.A sua actividade de aproveitamento de técnicas de construção com materiais locais e o recurso ao BTC (Blocos de Terra Compactada) tem já cerca de 10 anos com obras nas seguintes localidades angolanas:- Gabela (1ª experiência), Uige, Luanda, Benguela, Dondo, Huambo, Lwena e Menongue.Desta associação, ora formada, fazem parte técnicos, artesãos, artistas plásticos, educadores, engenheiros e arquitectos, entre outros que se interessem pela integração social, educação, construção ecológica e pelas questões ambientais". Jacinto Rodrigues participou também no IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro em Ciências Sociais, em Luanda. Aí, no quadro do painel que orientou, criou-se um blog: http://ecologiaambiente.blogspot.com/ - Esteira do Ambiente. Trata-se de uma plataforma entre pessoas sensíveis às questões ecológicas e interessadas numa perspectiva de desenvolvimento ecologicamente sustentável. Nesse blog encontram-se algumas propostas para a luta contra a fome, epidemias e pobreza.

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Conferência na Universidade da Beira Interior - 2006"Repensar o Território - da modernidade ao paradigma ecológico"


 ”Hoje vive-se um paradigma filosófico diferente do vivido até há pouco tempo atrás. A realidade é mais complexa e sistémica.” É com estas frases do filósofo Thomas Kuhn, que o Professor Jacinto Rodrigues, iniciou a sua conferência, intitulada “Repensar o Território – da modernidade ao paradigma ecológico”, uma conferência que incide sobre o paradigma dominante e o paradigma emergente e sobre as grandes questões que assolam a sociedade actual, analisando-as sempre segundo uma perspectiva sistémica e ecológica.




Parte 1 de 4

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=WcmWHmvHSdM

Parte 2 de 4

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Srbkk7R-1-8

Parte 3 de 4

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=CfWUE36hmdg

Parte 4 de 4

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=JFzYLjZ4cyI






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ECOLOGIA PEDAGÓGICA - ESTRATÉGIA PARA A CADEIRA DE ECOLOGIA URBANA 2006-2007

1. Formação Holística
Muitos dos métodos de autodesenvolvimento apontam no sentido de estimular a consciência sensorial e articular o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito para uma educação artística que ligue actividade motora com actividade intelectiva. A arte, em geral, (movimento rítmico, pintura, modelagem e desenho) ajuda à nova abordagem criativa que é relacional e convivial, opondo-se à separação entre emoção e inteligência. Vejam-se os trabalhos de Johan van Lengen[1] no TIBÁ, Brasil, onde uma formação sistemática tem vindo a ser feita dentro desta metodologia pedagógica. Veja-se ainda na Alemanha, na Universidade Allanus e na Suécia, em Jarna, bem assim como na Suíça, em Dornach, como sob o impulso da pedagogia de R. Steiner[2] se promove a formação transdisciplinar e uma metodologia artística veiculada pela prática de euritmia, pintura, música, teatro e arte da palavra. Muitas destas experiências pedagógicas ou outras similares, tinham vindo a ser experimentadas desde os anos dez-vinte em várias escolas:
  1. No Instituto Dalcroze, na Alemanha, na cidade-jardim de Hellerau, construída pelo arquitecto H. Tessenow, Emile Jacques-Dalcroze pôs em prática um ensino em que música, luz e dança rítmica funcionavam como uma formação preliminar à “gesamtkunstwerk” (obra de arte total);
  2. Nos vários institutos pedagógicos, ligados ao movimento da vanguarda soviética[3], Vkhutemas entre outros, promoveu cursos para arquitectos, designers e artistas em que pintores, homens de teatro e sociólogos se preocuparam com uma didáctica global nessa formação. Alexandre Rodchenko, Melmikov, Lissisnsky, M. Guinzburg no design e na teoria das cores e as ideias de teatro e exercícios de biomecânica ligadas aos trabalhos de Mayer Hold.
  3. Na Bauhaus[4], Alemanha, fundada por W. Gropius, o “workurs”, sob a orientação de J. Itten, baseava-se numa formação polivalente e artística. Este curso propedêutico foi evoluindo ao longo da vida da Bauhaus e nele se inseriram M. Naguy, Albers, etc.
  4. Em Taliesin, E.U.A., Frank Lloyd Wright e Olgivanna, sob o impulso dos “trabalhos” de Gurdjieff, promoveram também uma formação deste tipo. O teatro, o trabalho agrícola e a construção manual de protótipos eram algumas das tarefas de formação.
As investigações de Damásio, Goleman e David S. Schreiber[5] retomam investigações científicas sobre outras práticas já antigas e intuitivamente ensaiadas por muitos pedagogos e correntes espirituais. A inteligência emocional está a dar passos para essa génese de um pensamento orgânico.

2. Biomimetismo
Por outro lado muitos trabalhos têm sido feitos no sentido de se investigarem “modelos” úteis à humanidade a partir de modelos naturais. A biónica ou o biomimetismo são assim metodologias cada vez mais utilizadas por investigadores e designers. Observando as soluções encontradas pela natureza, podemos também aprender a lógica interna das formas. Essa atitude encontra-se em Leonardo da Vinci quando procurou no voo dos pássaros a solução para as máquinas de voar. Também em Goethe encontramos a tentativa de descobrir a lógica interna da natureza com o estudo da metamorfose das plantas.

3. Prospectiva e Visualização
Outra metodologia em que se procura ter uma atitude futuroscópica é a prospectiva. Apresenta riscos quando é uma pura transposição mecânica de etapas do passado no futuro. É que muitas vezes o futuro não advém duma evolução linear e gradualista. As rupturas, as multiplicidades de cenários e sobretudo uma interpretação viva e orgânica do presente permite decifrar os sinais do futuro, que já estão presentes.
O estudo atento desses sinais engendra utopias concretas e permite a visualização aproximada do devir futurante.
Dieter Magnus[6] realizou um método de abordagem sensível para o urbanismo e o paisagismo tornando visível, dma forma imagética, cenários possíveis de um lugar real. Através de fotomontagens ou de pinturas criam-se outras realidades possíveis dos sítios, antevêem-se outras imagens possíveis dum devir desejável, uma metodologia que pode tornar-se participada pois graças a este procedimento criativo, podem-se comparar múltiplas “imagens-desejo”.
Com esta metodologia, além de se visualizar o objectivo final que se pretende, podem-se visualizar ainda as etapas para a sua concretização, mostrando o faseamento, no tempo, da obra a executar.

A) Orientação

A orientação estratégica desta disciplina baseia-se essencialmente na pedagogia conhecida como “trabalho de projecto” que assenta na auto-formação e no auto-desenvolvimento através dum processo auto-pilotado.
Vamos tentar referir algumas linhas de força baseadas na auto-organização e autonomização dos alunos:
1.      O trabalho de projecto é mais um processo criativo e menos um objectivo final previamente definido;
2.      O trabalho de projecto é construção permanente, constantemente avaliada e pilotada;
3.      Realiza-se através duma estratégia planeada e não resulta dum plano-modelo rigidamente definido apriori;
4.      É no entanto, uma realização de prioridades dentro duma prospectiva aberta e em busca de sentido prático onde a inovação é criação. Opõe-se a qualquer futurologia mecânica e pré-determinada;
5.      Desenvolve-se entre o desejo estratégico e a prática realizada apontando conscientemente as dificuldades e relançando as potencialidades ;
6.      Possui assim uma linha de acção mas susceptível de ser testada e modificada pelo processo de avaliação dessa acção concreta;
7.      É um processo consciente, livre e assente numa estrutura flexível e dinâmica. Trata-se mais de fazer funcionar do que de explicar a partir de definições apriorísticas. É uma procura, um processo de compreender.

B) Tempos Previstos de Auto-Aprendizagem

1. A música, o trabalho gestual, os trabalhos plásticos e os desenhos de forma realizados no workshop, ajudam a compreender a complementaridade entre hemisfério direito e hemisfério esquerdo, revelando a especificidade da actividade criadora.

       

2. O resumo das aulas, as fichas de leitura críticas, contribuem para o desenvolvimento do espírito crítico.



3. As intervenções teóricas ligadas a esta actividade prática de exercícios e jogos pedagógicos ajudam a reformar o pensamento através das noções veiculadas nomeadamente por Edgar Morin sobre a complexidade, a sistémica e a transdisciplinariedade. Esta metodologia visa uma praxiologia ou seja, a criação de meios conscientes, para a resolução dos problemas.

    
                                                                                                      
4. Os filmes, exemplos de explicitação da problemática tratada ao longo das aulas,  permitem a visualização mais concreta, dos temas tratados.


C) Condições de Aprendizagem

1. O aluno tem que estar no projecto, participar, agir comunicativamente. Para isso        tem que se engajar responsavelmente na actividade pedagógica e na formação dos outros que é também a sua própria formação. Mutualizar a informação, tendo em vista a formação duma inteligência colectiva, ajuda a criar uma interajuda formativa, visando uma resolução participada dos problemas.
O educador é apenas co-construtor do processo de aprendizagem que  desbloqueia as situações que impedem a participação, a comunicação e a responsabilização.
2. O balanço dos prazos e a reflexão sobre as faltas ou ausências de participação, constituem um elemento decisivo para se testar o grau de participação e responsabilidade no trabalho que se assumiu intencionalmente com as escolhas feitas: o conceito e o autor investigado, o estudo de caso escolhido e o livro seleccionado. Essas são as regras de jogo essenciais para o correcto funcionamento da experiência pedagógica. Salvaguardar as regras de jogo é o que permite a flexibilidade criativa na apresndizagem.
O papel do professor é o de assumir a construção dum projecto, através duma permanente actividade de regulação e sobretudo de exigência para que os alunos realizem a aprendizagem de auto-formação e auto-desenvolvimento. Estimular aprendizagem contínua é o papel essencial do educador (a avaliação resulta como um processo de espelho do aluno para se rever no processo de aprendizagem).


D) Aprender a Aprender

Metodologia prática e organizativa
a)      O “conhecimento de si” e o “conhecimento do outro”. O conhecimento pessoal faz parte do percurso pedagógico. O aluno apresenta-se e é apresentado. Mas vai aprofundando o auto-conhecimento por exercícios  e provas que lhe fornecem um olhar reflectido sobre si e sobre os outros. A ficha com uma série de exercícios permite um processo de auto-análise, um retrato subjectivo e objectivo.

b)      Os exercícios de expressão: os desenhos de forma, o estudo da cor, os trabalhos em barro e a expressão gestual constituem elementos de criação, comparação e auto-observação. Expressam a descoberta de linguagens primordiais, símbolos e referentes da cultura em que nos inserimos. Estes exercícios possibilitam nomeadamente a abordagem psico-social do meio envolvente (Umwelt) revelando as questões da proxémia (Eduard Hall), as questões do panóptico e os dispositivos topológicos de dominação e controle estudados nomeadamente por Foucault e ainda problemáticas ligadas às relações entre as pessoas e os lugares e sobretudo a relação produzida pelas formas de arquitectura e do urbanismo – espaços agarofobos, claustrofobos e sociofobos.
c)      A distribuição da informação:
A importância atribuída à pesquisa e à construção duma rede distributiva dos saberes do grupo, através do uso da informática, constituem o fio condutor da racionalidade pedagógica e da distribuição democratizada da informação.

Bibliografia:
A Bauhaus e o Ensino Artístico, Jacinto Rodrigues, Ed. Presença, Lisboa, 1989
Antropologia do Projecto, Jean Pierre Boutinet, Ed. Instituto Piaget;
Área de projecto-Percursos com sentido, Ariana Cosme; Rui Trindade, Ed. Asa, 2001;
Ensinar e Aprender por projectos, Marília Mendonça, Ed. Asa, Julho 2002;
Frente Cultural, Jacinto Rodrigues, Ed. Afrontamento, Porto, 1976
La Resolution des Problèmes, M. Fustier, Ed. ESF, Paris, 1987
Les Microsociologies, G. Lapassade, Ed. Anthropos, Paris, 1996;
Teoria de la Acción Comunicativa, J. Habermas, Ed. Taurus, Madrid, 1987;
Trabalho de Projecto – um manual para professores e formadores, L. B. Castro, M. M.
C. Ricardo, Texto Editora, Lisboa, 1993     


ANEXOS
Avaliação das experiências pedagógicas dos anos anteriores
Ficha Individual
Dossier de investigação
Resumo de um livro
Ficha de pesquisa de um autor
Ficha de estudo de caso


[1] Johan van Lengen, “Manual do Arquitecto Descalço”, Ed. Tibá e Papéis e Cópias, Brasil, 1996
[2] Jacinto Rodrigues, “Arte e Arquitectura em R. Steiner”, Ed. Civilização, Porto, 1990
[3] Jacinto Rodrigues, “Urbanismo e Rebolução”, Ed. Afrontamento, Porto, 1976
[4] Jacinto Rodrigues, “A Bauhaus e o Ensino Artístico”, Ed. Presença, Lisboa, 1989
[5] David Servan-Schreiber, “Curar”, Ed. D. Quixote, Lisboa, 2004
[6] Dieter Magnus, “Kunst & Natur Landschaften”, Ed. Goethe Institut e Unesco, 1992
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Comunicação em Maputo na Universidade Eduardo Mondelane Maio 2005 PDF

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Programa Congresso Internacional sobre o Rio Minho, Melgaço, Maio 2004 PDF




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VI COLÓQUIO INTERNACIONAL - ISLÃO NA ÁFRICA SUBSAARIANA - 8 a 10 de Maio 2003. PDF


A corrente espiritual sufi no Islão como forma de compreensão em torno da universalidade e do diálogo com as restantes religiões em África - - o exemplo de Amadou Hampâte Bâ

Jacinto Rodrigues 
Professor Catedrático
Universidade do Porto



Ao informar o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto sobre a minha comunicação para este VI Colóquio Internacional - O Islão na África Subsaariana, dei como subtítulo ao tema do sufismo, o exemplo de Amadou Hampâte Bâ. Gostaria de relembrar em que condições me lancei nesta demanda em torno do sufismo e particularmente o interesse que ao longo de vários anos dediquei à obra de Amadou Hampâte Bâ. Foi em 1960, quando me encontrava ainda em Luanda, no final do liceu, que o meu primo, o poeta António Jacinto me ofereceu o livro “Nassredine O Vagabundo”[1] de Leonidas Soloviov e traduzido, curiosamente, pelo poeta S. Tomense, Francisco Tenreiro. Foi a primeira vez que tive conhecimento de Nassredine, um “herói” simultaneamente anti-herói, sábio e estulto, romântico e manhoso, personagem mítica de muitas histórias sufis. O livro de Leonidas Soloviov era uma das muitas leituras possíveis do famoso “Nasrudin Hodja” ou “Mulla” conforme as terras por onde é conhecido este personagem que serve de exemplo educativo entre os sufis. Nas suas aventuras, cheias de humor e finura, revela-se constantemente a solidariedade por gente pobre ao longo de aventuras intermináveis entre Istambul, Bagdade, Teerão e Damasco. Nesse mesmo ano de 1960, jovens intelectuais angolanos liam e faziam ler textos de Amadou Hampâte Bâ, escritor sufi do Mali. E era frequente citarem esta sua afirmação que ressoava profundamente por entre esses jovens – “Em África, quando um velho morre é uma biblioteca que arde!” Este apelo aos valores culturais da oralidade do povo negro africano, despertara também em Angola com o movimento anti-colonialista na busca das raízes do povo angolano. Felizmente que este anseio perdurou até hoje, nomeadamente, entre outros, em Ruy Duarte de Carvalho, na defesa da tradição oral africana. Quando cheguei a Portugal, à Universidade, dei-me conta que o islamismo estava ausente do estudo da filosofia. Na cultura portuguesa, a presença cultural do Islão fora irradicada da memória. Nessa altura, quando se falava no Islão era para referir o “perigo árabe” contra o chamado “ultramar português”... Surgiu mesmo um livro, publicado em 1962, da autoria de José Júlio Gonçalves, [2] que fora premiado pelo governo salazarista. O livro pretendia estudar a penetração islâmica e “averiguar o seu grau de virulência política” (pág. 349) e tudo isto se escrevia para “a salvaguarda da soberania nacional (...) que possa ser posta em causa pela marcha do islão” (pág. 349). É estranho esta islamofobia na cultura em Portugal pois todos sabemos o quanto foi importante a presença árabe na cultura portuguesa. Parece que no ocidente só ocorre falar-se do Islão quando se empolgam os ventos das cruzadas ou quando surgem fantasmas dos nossos próprios erros de incompreensão, exploração e dominação em relação a outras culturas e outros povos. Espero que este congresso esteja imbuído de um outro espírito. E se torne numa ponte para um entendimento e compreensão entre os povos e as religiões, particularmente diante da dramática situação contextual que vivemos hoje e onde não faltam os promotores dos “choques de civilização”. Começarei pois esta intervenção com um “conto iniciático” muito antigo, talvez originário da Turquia, onde o famoso filósofo Djalal Rumi viveu. Hampâte Bâ, esse eminente filósofo sufi contemporâneo e insígne escritor do Mali, que foi também membro do Conselho Executivo da UNESCO entre 1962 e 1970, costumava ilustrar algumas das suas intervenções referindo-se a “histórias de sabedoria”. A “história ensino”, sendo uma obra aberta, depende muito do modo interpretativo como é apreendida. Há dentro do sufismo, talvez por graça, quem refira 21 formas de entendimento do texto e dezenas de interpretações dos símbolos!... Por isso, o ensino sufi caracteriza-se por ser uma perpétua construção de complexidade que se vai elucidando por decifrações sucessivas, por empenhamento e comprovação constante, feito de experiência íntima em contacto com a realidade exterior. Iniciada então a “busca de verdade” é necessário desenvolver processos e não impor objectivos finais à partida. O «chercheur de verité » apresenta-se pois como um participante numa “acção comunicativa”, tal como diria Habermas, num diálogo esclarecedor com os outros. A verdade não existe como um dado prévio, como um dogma. Vai-se construindo. Assim também os contos sufis são instrumentos de trabalho num caminho semeado de contradições, de pontos de vista diferentes e de opiniões diversas. Esta história que vou agora contar encontra-se escrita em vários livros e de vários modos. O conhecido filósofo contemporâneo, sufi, do Afeganistão, Hidrias Shah, tem uma versão diferente desta que aqui vou narrar, embora não se afaste estruturalmente desta versão, contada pelo meu amigo, Dr. Sanou, do Burkina Fasso e que me assegurou tê-la ouvido directamente da boca de Amadou Hampatê Bâ. “Era uma vez num país longínquo um cego que pretendia conhecer a verdade. Juntou então mais uns amigos cegos e lançaram-se à estrada. Eram sete os cegos interessados no caminho. Apoiavam-se uns aos outros e às apalpadelas procuravam fazer o caminho, caminhando. Caminharam por entre vales e montes. Atravessaram florestas, rios e lagos. Depois de muito andarem e de terem passado muitas provações, embateram contra um enorme objecto que jazia atravessado no caminho. Então o 1º cego que se chamava Ali declarou: “Tropecei numa mangueira! Sindbad, o 2º cego, apalpou a superfície pontiaguda que lhe espetava o peito e disse confuso: “Eu tenho uma espada apontada contra mim”. Em seguida, Maomé, o 3º cego, espantado com o que ouvira explicou por sua vez: “Eu seguro nas minhas mãos um grande abano!”. Depois foi a vez do 4º cego, Molah, falar: “Pois eu tenho diante de mim um tronco duma árvore!”. Entretanto o 5º cego, Hussein, tacteando com as mãos exclamou: “Eu choquei contra uma parede!”. Por sua vez o 6º cego, Amin, afirmou persuasivamente: “Eu seguro um tronco, tal como o meu amigo Molah”. Chegou então a vez do 7º cego, Bokar, que disse humildemente ter tropeçado numa corda que detinha nas suas mãos!. O grupo engalfinhou-se numa discussão acesa. Inflamaram-se opiniões e acenderam-se raivas e acusações. Não faltaram pontos de vista sobre maiorias e minorias, sobre objectividade e subjectividade. Por exemplo, Molah e Amin consideraram deter a verdade porque eram pelo menos dois a apalpar a mesma coisa. E, quando a zanga estalou por entre aquele grupo que parecia tão amigo, ouviram-se passos de alguém que se aproximava. Então, um dos cegos resolveu pedir ajuda: “Poderás tu, que nos encontraste nesta discórdia, dizer-nos o que está no nosso caminho?”. Então, o homem condoído pelo desespero daqueles pobres cegos disse: “No vosso caminho encontraram um elefante morto”. E explicou: “Aquele que tropeçou na mangueira foi de encontro à tromba do elefante. O que se picou no peito chocou com um dente de elefante. Aquele que julgou agarrar num abano segurou a orelha do elefante. Os que pegaram num tronco duma árvore seguraram afinal as patas do elefante. Aquele que chocou contra um muro bateu na barriga do elefante. E aquele que julgou ter tropeçado numa corda, tropeçou na cauda do elefante”. Agora imaginem a dramática situação daqueles cegos. Vinham de longe. Vinham de uma região onde não existiam elefantes. Por isso não sabiam o que era um elefante. Tentaram reconstruir uma imagem de elefante com as partes que tinham tacteado. Julgaram então que o homem lhes falara duma escultura gigante, constituída por uma mangueira, uma espada, uma espécie de abano, dois troncos, um muro e uma corda. Mas o homem esclareceu aqueles pobres cegos: Tinham chocado contra o” cadáver” de um animal. Os cegos espantados, souberam então que aquilo que jazia no solo, um elefante, tinha sido um animal vivo, enorme e poderoso. Quiseram saber ainda como vivia e para que servia. Então o homem explicou como uma pequena cria se transformava ao longo dos anos no maior colosso de todos os animais da selva e contou como em criança brincara junto do rio com esse manso animal corpulento. O homem teve uma longa hesitação, um momento de reflexão quando respondeu à questão “para que serve um elefante?”. “Para os meus pais que são agricultores, o elefante é um amigo que ajuda a transportar pessoas, mercadorias, troncos de árvores e até cuida das crianças. Para o meu chefe que é um militar, o elefante é uma arma. Quando vai para a guerra mete uma tocha de fogo numa das orelhas do elefante. Então, este animal manso e pacífico, torna-se furioso de raiva e dor. Por isso, espezinha as palhotas e os homens na sua correria louca até à morte. Foi isso que aconteceu a este pobre elefante.” Como em muitas destas histórias-ensino, o caminho iniciático revela-se através de várias etapas interligadas: · A etapa em que se pretende libertar o conhecimento da ilusão dos sentidos; · A etapa em que se pretende desenvolver uma libertação da persona forjada pela religião, sociedade, escola e família; · A etapa da libertação graças à intuição duma consciência alargada; · A etapa onde se pretende ascender a um processo que se abre à espiritualidade. Esta história-ensino, como disse, contada de vários modos e interpretada de muitas maneiras, tem, quanto a mim que também aqui manifesto a minha visão parcelar, (visão académica e de intelectual preocupado pela filosofia abstracta) quatro aspectos que gostaria de levantar para a compreensão do sufismo: 1. Em primeiro lugar o carácter metafórico e sensível desta história. Com efeito, o sufi não pode comunicar nem pode conhecer sem uma implicação da pessoa humana nos aspectos cognitivos e afectivos dado que não existe diferença mas sim complementaridade entre querer, sentir e pensar. O sufismo implica pois uma forma dialógica entre o logos e o mito. Implica pensar conjuntamente o uno e o múltiplo. Apreender o mundo é implicar-se subjectivamente e objectivamente sobre a realidade interior e exterior. O pensamento digital reifica e o pensamento analógico conjuga e metamorfoseia o abstracto em concreto. E essas duas formas de pensar são necessárias 2. Esta história mostra-nos como a realidade é complexa e sistémica, como diria Edgar Morin [3].
Com efeito, num primeiro nível de abordagem é preciso um trabalho gnoseológico sobre as sensações, sobre o posicionamento ou o ponto de vista entre o sujeito e o objecto, entre o local e o global. Ao nível da compreensão ontológica, como diria Heidegger, há que distinguir entre a morte e a vida, o cadáver físico e a vida do elefante. 3. Ao nível hermenêutico, este conto sufi revela-nos as preocupações levantadas por Piaget, Gadamer e Habermas sobre a historicidade das interpretações e a influência do ponto de vista dos quadros sociais sobre o modo de apreender a realidade. 4. Finalmente, este “conto iniciático” mostra-nos a necessidade duma múltipla abordagem psicológica, filosófica, histórica e social. O sufismo apresenta-se sempre nesta complexidade, rejeitando dogmas, exigindo a dimensão interior e exterior das culturas, tentando ultrapassar suposições ou convicções. Por isso, o sufismo foi muitas vezes, nas épocas do obscurantismo, estigmatizado como uma heresia, por ser um caminho crítico da consciência. Donde vem então o sufismo? A sua própria génese matricial tem sido discutida: a) Para Assin Palácios,[4] o sufismo é atravessado na sua própria origem pelo budismo, pela gnose e pelo cristianismo. Por sua vez o sufismo veio a influenciar outras correntes espirituais, nomeadamente o próprio cristianismo. Os exemplos mais conhecidos seriam Francisco de Assis, Teresa de Ávila, João da Cruz e Raimundo Lullio. b) Para Louis Massignon, [5] o sufismo é pertença exclusiva do Islão. Com efeito, as várias correntes sufis referem constantemente os grandes mestres clássicos do Islão: 1) All Hallaj no séc. X, que foi assassinado como herege. Foi acusado de ser panteísta e de romper com a disciplina secreta assim como de não aceitar dogmas. 2) All Ghazali que desenvolveu no séc. XII a unicidade espiritual assim como a dialógica do uno e do múltiplo. 3) Djallal Rumi, que também no séc. XII afirmou que conhecer não é apenas apanágio do intelecto mas da intuição e da sensibilidade. Por isso, a arte, a música e a dança constituem elementos essenciais da iniciação ao conhecimento. 4) Ibne Arrabi, que ainda no séc. XII e XIII escreveu que ninguém conhece Deus a não ser Deus. 5) Sant Kabir, poeta indiano do séc. XV, que rejeitou o sistema de castas e desenvolveu uma via sincrética para uma religião universal. Também muitos filósofos e homens da cultura contemporânea afirmam ter recebido a influência do sufismo: Henri Corbin, Burckardt, Schuon, Roger Garaudy, etc. Por outro lado, o sufismo, além de referências clássicas e contemporâneas de grandes homens da cultura erudita, contém um repositório de ensinamento popular de que as histórias sufis constituem uma forma exemplar. As aventuras de Nassredin, de que já falamos e algumas das histórias das Mil e Uma Noites são exemplos dessa forma de aprender a aprender e aprender a conhecer, como dizia Idrias Shah.[6]
Sufis eruditos referem grandes orientações das correntes do sufismo: 1) A corrente do norte (Bósnia, Irão, Turquestão, Azerbeijão e Afeganistão) com o centro principal em Boukara. 2) A corrente do sul (Síria, Egipto, Iraque, Turquia e Marrocos) cujos centros mais conhecidos são Konia, Memphis e Fez. Existem pois diferentes orientações no sufismo, uma vez que a filosofia aberta desta escola de “sabedoria” implica a aceitação da diferença como um factor inerente à unidade. Assim, é provável também que o sufismo em África tenha uma especificidade devido ao encontro de culturas singulares. O chamado “marabutismo africano” tem seguramente a marca das culturas locais da África negra. Amadou Hampâte Bâ, na obra “Vida e Ensino de Tierno Bokar”[7] conta-nos a sua aprendizagem com o sábio de Bandiagára. O mestre de Hampâte Bâ, Tierno Bokar, tem um saber próprio dum homem do povo enriquecido pelos ensinamentos dos sufistas Tidjaniya com quem aprendeu, ao longo de vários anos, a ser autónomo. Mas aprender a ser autónomo é desfazer as formas de condicionamento que apenas criam falsas personas. Daí a necessidade de exercícios espirituais para se ascender ao auto-desenvolvimento. Por exemplo: · Dikre, ou seja, o exercício que consiste no “lembrar-se de si”. · O desapego, que é especialmente o viver a vida presente recusando submeter-se aos interesses objectais do consumismo, como diríamos hoje. · O altruísmo, a tolerância e a autonomia, desenvolvidos através do trabalho artístico, música e dança, da actividade artesanal, da manualidade criativa e da vida comunitária. Estes elementos básicos, que Amadou Hampâte Bâ vai retirar de Tierno Bokara, permitem-lhe encontrar os fundamentos duma pedagogia aberta, duma antropologia participante em que não existem apenas conceitos abstractos mas o sabor das coisas vividas. Descrever o mel não é a mesma coisa que saborear o mel, como ele nos diz. Em 1975, Hampâte Bâ fez uma conferência diante da Comissão Episcopal – Jesus visto por um muçulmano.[8]
Neste texto, explicita-se o sufismo como uma gnose esotérica cuja abertura espiritual atravessa todas as religiões. Hampâte Bâ escreve então: “Cada vez que encontro um irmão crente, qualquer que seja a sua religião, tento colocar-me à sua escuta.” Esta postura levará Hampâte Bâ, em 1961, na companhia de um padre cristão e de um rabino, a ler textos da Tora, do Evangelho e do Corão, no Monte Sion, por altura duma viagem a Jerusalém e já em pleno período de guerra. Desta sua abertura às religiões, receberia, posteriormente o prémio do “ecumenismo” com que foi agraciado pela Fundação Demenile. Em relação às várias crenças africanas, o seu interesse era tão grande que nos seus contos iniciáticos surgem constantemente elementos simbólicos da chamada tradição oral negro-africana. Poesia e panteísmo revelam-se fontes de inspiração. Kaidara é assim um conto simbólico, pleno de imagens e de histórias africanas. Trata-se de uma fábula cheia de encontros misteriosos onde o simbolismo tem significados espirituais específicos, que fazem lembrar um outro clássico sufi, do poeta místico Farid Ud-Din Attar, do séc. XII, “A conferência dos pássaros”, peregrinação da alma humana em busca de Simurghe, ou seja, a sabedoria. Esta obra foi notavelmente posta em teatro por Peter Brook. Amkoller-a criança Peul e o “Estranho destino de Wangrin” são histórias reais que consolidam uma sabedoria primordial, comum a toda a humanidade e em que o mito e o logos se metamorfoseiam em dialógica complementarização do universal e da singularidade. A obra de Amadou Hampâte Bâ continua a ser fonte de reflexão em vários domínios. Veja-se o texto de Cristophe Eberhard e Sidi Ndongo na Revue Interdisciplinaire d’Etudes Juridiques.[9]
Na organização comunitária, a noção de hierarquia diferencia-se da pirâmide normativa do sistema jurídico ocidental. Como referem estes autores, Eberhard e Ndongo, “nas sociedades tradicionais africanas estamos em presença de cosmogonias onde o mundo não é criado do exterior, por Deus todo poderoso e que assegura em seguida a ordem da sua criação através de decretos aos quais as suas criaturas se devem submeter, mas sim a cosmogonias onde o indiferenciado se diferencia progressivamente em forças específicas e complementares, e cuja harmonia cósmica e social repousa no pluralismo (...). É nesta visão do mundo em que (...) os processos de hierarquização são abordados não como opostos às lógicas de rede mas como uma articulação destas duas realidades, que somos obrigados a mudar de lógica, a pensar diferentemente.” Da reflexão de Hampâte Bâ infere-se ainda a necessidade de reflectir sobre o crescimento económico ocidental que foi instaurado por toda a parte em África através do Estado moderno copiado da potência colonialista. Foi talvez na base deste tipo de problemática que Thomas Sankara tentou uma experiência original em Burkina Fasso. No dizer do meu amigo Dr. Sanou, havia em Sankara uma preferência da análise crítica feita por investigadores ocidentais como René Dumont que foram capazes de se oporem (por dentro) ao modelo colonizador. E ao mesmo tempo Sankara distinguia motivações superficiais de imitação colonialista, das motivações profundas do povo africano, reveladas por Hampâte Bâ. Interessará também lembrar os trabalhos de Jacques Elul, Ivan Illitch e Paulo Freire como matriz auto-crítica do modelo ocidental de desenvolvimento na procura dum modelo ecologicamente sustentado, duma eco-técnica apropriável e duma pedagogia alternativa que, respeitando as singularidades culturais, abra caminho a uma visão planetária desejável, como uma forma de harmonização da sociedade com a natureza. Esta abordagem crítica e criativa, opõe-se claramente ao eurocentrismo ou ocidentalocentrismo, (como denomina Samir Amin,[10]) eurocentrismo que se expressa hoje, hegemonicamente, através da ideologia da modernidade capitalista neo-liberal. Esta perversão assenta no convencimento dos 3 preconceitos da modernidade ideológica: 1º- Uma epistemologia do pan-objectivismo que se tornou num reducionismo mecanicista da razão hipostasiada e que perdeu assim a sua capacidade de auto-crítica, ou seja, a transformação do sujeito em objecto; 2º- A ideologia do progresso linear que forneceu “argumentos” à pretensa superioridade cultural e étnica do Ocidente, justificando ainda hoje a opressão e dominação do império, como a lei do mais forte sobre os povos oprimidos. 3º- Um sistema de tecnociência que se arvorou como panaceia universal mas cuja aparente neutralidade gera esgotamento e contaminação planetária e exclusão social entre ricos e pobres. Felizmente que esta forma perversa do processo de modernidade, não corresponde às preocupações profundas que presidiram à reflexão filosófica da própria teoria da modernidade. Piaget, Bachelard e Habermas prosseguem uma racionalidade capaz de ultrapassar o racionalismo hipostasiado que apenas expressa a esclerose dum positivismo abstracto, alheio às esperanças da própria racionalidade aberta. Com o propósito de alertar para os perigos potenciais na zona do Médio-Oriente vou terminar esta minha comunicação com uma tradução abreviada do conto “A querela de duas lagartixas”[11] de Hampâte Bâ, que a leu em 1969, no Conselho Executivo da Unesco com o propósito de alertar para os perigos potenciais que se começavam a entrever na zona do Médio-Oriente e que expressava o conflito entre o Islão e o Ocidente tendo já como palco a questão Israelo-Palestiniana. (...) “Num vasto pátio familiar, rodeado de várias casas dos diferentes membros da aldeia, deambulavam em liberdade, vários animais entre os quais um cão, um galo, um bode, um boi e um cavalo”. Numa das casas, uma senhora já muito velha estava sozinha porque o filho viajara até uma aldeia situada a cerca de dois dias de distância. O filho, antes de partir, deu ordens muito precisas ao cão para guardar o quarto da sua mãe que estava doente. Se algum incidente surgisse, que o galo, o carneiro, o boi e o cavalo se ocupassem de impor a ordem. “Compreendeste bem? – Sim, Mestre! E ligando o gesto à palavra saracoteou lentamente a sua cauda e presenteou-lhe a sua cabeça para ser acariciada. O dono afagou-lhe carinhosamente o focinho e depois de confortado pela fidelidade do animal lançou-se à estrada. Dois dias depois da sua partida, de madrugada, quando os primeiros raios de sol começavam a dourar as casas, o cão apercebeu-se de um ruído estranho que parecia vir do quarto da velha mãe. Ela dormia ainda envolta por um mosquiteiro. Uma lamparina de óleo iluminava docemente as paredes do quarto.” O galo estava por ali perto depenicando alguns grãos de milho e o cão, para não abandonar o seu posto de guarda, chamou-o. “- Galo, galo! Vai ver o que é aquele barulho que vem do quarto da mãe do nosso dono. - São duas largartixas que andam á bulha. Andam pegadas por causa duma mosca morta.” O cão disse então ao galo para as separar. - A mãe do nosso galo está doente e o barulho incomoda-a. Recebi ordens para não sair deste lugar. “Como é que eu, disse o galo com a crista tremelicante, que sou o rei da capoeira e que estou encarregado de anunciar a aparição do sol, posso agora rebaixar-me a ponto de me ocupar duma querela ridícula de duas lagartixas?” E o cão foi pedindo sucessivamente ao cavalo, ao bode e ao boi que fossem separar as lagartixas. O cavalo fez-se caro, pois era um puro sangue. O bode recusou-se pois era o único garanhão de todas as cabras da aldeia. E o boi, ostentando os seus enormes cornos e sendo o animal mais antigo da casa, não estava para se preocupar com uma mísera briga entre lagartixas!... O cão bem lhes dizia que não existem pequenas rixas, tal como não existem pequenos incêndios. Os outros animais não ligaram e continuaram a pavonear-se no terreiro. “Mas à força de se engalfinharem, as lagartixas caíram sobre a lamparina. A mecha inflamada saiu do recipiente e propagou-se ao mosquiteiro. O mosquiteiro incendiou-se e logo a seguir pegou fogo à cama. A velha mãe gritou, gritou, gritou... E os gritos de socorro chegaram a toda a parte. As pessoas acudiram e levaram a pobre senhora ao colo. Mas ela ficou gravemente queimada. Respirava ainda mas a sua vida estava por um fio... Chega o curandeiro à pressa. Examina a doente abanando a cabeça de preocupação e tristeza.” E manda então fazer um caldo de galo para dar à velha senhora. Um homem agarra o galo e trá-lo preso pelas patas. Com o pescoço esganado o galo ainda consegue dizer: “- Oh cão, se eu ao menos me tivesse ocupado desta bulha de lagartixas!...”. Fizeram o caldo. Porém, a velha mãe não o chegou a provar. Tão profundamente queimada acabou por dar o último suspiro. Ao cão foram dados os restos do caldo. Então as pessoas da aldeia mandaram um jovem no cavalo puro sangue, em busca do filho que estava ainda na outra povoação distante. O jovem, vaidoso por montar um puro sangue, lançou-se numa correria louca e esfalfou o cavalo logo na primeira viagem. Anunciou a morte da mãe ao filho, que quis voltar para casa o mais depressa possível. Não havendo montada para substituir, o filho tomou o mesmo cavalo, já cansado e esfalfou-o ainda mais na correria de regresso a casa. Chegados à aldeia, o pobre puro sangue deitava os bofes pela boca, coberto de espuma e com os olhos fora das órbitas. Disse ao cão, antes mesmo de expirar: “- Oh cão, se ao menos eu te tivesse ouvido, não teria dado cabo da vida por causa destas duas míseras lagartixas.” Depois chegou a vez do bode. Segundo o costume da aldeia, antes de se enterrarem os mortos faz-se um ritual com o sacrifício do animal. E com a carne do bode fez-se uma refeição para os visitantes que vieram apresentar as condolências. Assim, no momento em que cortavam o pescoço ao bode este ainda pôde dizer: “- Oh cão, se ao menos eu me tivesse ocupado das lagartixas...” Depois do almoço do bode, deram os ossos ao cão. “Quarenta dias após a morte, no momento em que a alma da defunta se livra dos antigos laços que a retinham ainda ao mundo terrestre, fez-se a cerimónia do 40º dia e para isso matou-se o boi. Antes da sua morte, o boi disse ao cão: - Oh cão, se ao menos eu me tivesse ocupado daquela querela de lagartixas, ainda estaria vivo. (...)E assim, por causa de duas pequenas lagartixas e uma mosca morta, esta pequena bulha, de quem ninguém se quis ocupar, não só foi fatal para os orgulhosos amigos, o galo, o bode, o boi e o cavalo como resultou ainda num incêndio e numa morte que enlutou toda a aldeia. Só o cão, fiel ao seu dever, saiu incólume desta tormenta e encontrou uma recompensa inesperada.”

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[1] Edições Estudios Cor, Lisboa, 1953
[2] “O Mundo Árabo-Islâmico e o Ultramar Português” Publicações Junta de Investigação do Ultramar
[3] “La Méthode”, Ed. du Seuil, Paris, 1977
[4] “Ibn Massara – Su escuela, origenes de la filosofia hispano-muçulmana”, Madrid, 2ª Ed., 1946
[5] “La Passion de Hallaj”, Ed. Gallimard, 1975
[6] “Apprendre à apprendre”, Ed. Courrier du Livre, 1998 e « Apprendre à connaître », Ed. Courrier du Livre, 2001
[7] “Vie et enseignement de Tierno Bokar”, Ed. Seuil, Paris, 1980
[8] “Jésus vu par un musulman”, Ed. Stock, Paris, 1993
[9] RIEJ, nº 47, 2001
[10] “O eurocentrismo, crítica de uma ideologia”, Ed. Dinossauro, Lisboa, 1999
[11] “Il n’y a pas de petite querelle”, Ed. Stock, 1999


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O Priscilianismo Mitos e Factos numa Peregrinação entre a Luz e as Trevas, 2002, PDF

Conferência em Santiago de Compostela na Caja General de Ahorros

Jacinto Rodrigues 
Professor da Universidade do Porto


O Priscilianismo, que se desenvolve a partir dos finais do séc. IV, foi um movimento no seio do Cristianismo. Considerado heterodoxo, por se relacionar com as heresias, nomeadamente com a gnose, o maniqueísmo, o donatismo, o montanismo e o druidísmo, contém uma série de princípios que contrariavam a tendência hegemónica da submissão do Cristianismo ao poder político. Esta submissão concretizou-se com a oficialização do catolicismo, primeiramente pelo impulso de Constantino, em 325, no Concílio de Niceia e mais tarde com Teodósio, em 380. Esta “heresia” Priscilianista desenvolveu-se especialmente no Noroeste da Iberia e no Sul da Gália.
Pensa-se que Prisciliano terá nascido no ano de 345, mas nada se sabe sobre o local do seu nascimento. Contudo, a maioria dos historiadores inclina-se para que tenha nascido na região da Gallaecia – em Lugo ou Iria Flávia - muito embora também se possa admitir ter nascido na Lusitania, em Mérida ou ainda na Baetica, em Córdova.
É, no entanto, na região do Noroeste da Península Ibérica que se encontra a maior presença de adeptos que, mesmo após a morte de Prisciliano, em 385 resistiram até ao séc. VIII, mau grado as inúmeras perseguições movidas, nomeadamente pelos Concílios de Braga em 561, novamente Braga em 572, Toledo em 633 e outra vez Braga em 713.
Segundo alguns dos detractores, seus contemporâneos, Prisciliano teria sido iniciado à “gnose” cristã por Marco Egípcio, Elpideo e ainda pela matrona Agape.
Segundo Sulpício Severo, Prisciliano era culto mas tinha “uma enorme vaidade da sua falsa e profana ciência”.
Muitas das ideias atribuídas ao Prisciliano eram pois conhecidas através de autores que o criticaram como Itácio, Sulpício Severo, Orósio, Toríbio, Agostinho, Jerónimo e Leão Magno. Itácio de Ossonoba, o inimigo de Prisciliano, manifesta um feroz anti-maniqueísmo, justificando assim a sua perseguição. Acusa-o de feitiçaria e de praticar orgias sexuais.
Sulpício Severo tem um olhar marcado pela defesa política de Roma.
Orósio tem uma postura de sujeição à hierarquia.
Agostinho baseia-se em Orósio e as suas informações são portanto indirectas.
E, temos ainda um “retrato” pela negativa, (que só muito cuidadosamente pode ser considerado) que se deve às múltiplas condenações conciliares que denegriram a pessoa e o movimento de Prisciliano.
É interessante contudo realçar que muitos bispos seus contemporâneos o apoiaram. Nomeadamente Instantius e Salvianus consagraram-no Bispo d’Ávila, tal era o fervor que lhe dedicavam. Depois da morte de Prisciliano, muitos foram os que o defenderam. Pacatos Drepanius trata-o como se fora um santo, vítima de delatores corruptos. E mesmo Ambrósio, talvez arrependido do seu silencio anterior, acusa de assassinos os algozes de Prisciliano, iguais aos que mataram Jesus. Dictinius, filho de Simposio de Astorga, defende as posições teológicas de Prisciliano. Ao longo de um largo período, a querela vai-se portanto desenvolvendo com avanços e recuos, até que o Priscilianismo volta a ser perseguido e ostracizado.
De Prisciliano são poucas as palavras da sua autoria. No entanto, em 1885, Georg Schepss (1) encontrou na Biblioteca de Wurzburg um “codex” do séc. V que é um conjunto de opúsculos que testemunham a doutrina do Priscilianismo, segundo esse autor. Embora nem todos os historiadores aceitem a autoria total dos textos, os vários “liber” expressam uma crítica aos ataques apresentados por Itácio, em Zaragoza e defendem os pontos de vista atribuíveis ao Priscilianismo. A defesa dos livros considerados apócrifos pela Igreja (Apóstolos Tomás e André), o livre exame de consciência, um panteísmo gnosticista que conciliava o Maniqueísmo, as correntes das heresias cristãs da África romanizada e o Celtismo, são alguns dos pontos mais visíveis. Alguns historiadores consideram que além da destruição sistemática dos textos atribuíveis a Prisciliano, há que considerar que o ensino era essencialmente oral e estava reservado à liturgia com música e dança. “Hinos” e “abraxas” constituíam uma forte componente para a vida litúrgica em comunidade. Durante a sua vida, Prisciliano desenvolve uma actividade religiosa, predominantemente em zonas rurais, procurando uma doutrinação eclética e, sobretudo, avessa a qualquer forma de autoritarismo.
Pouco antes de ser degolado, os seus mais fiéis discípulos fizeram-no Bispo de Ávila. Acusado de heresia dirigiu-se a Ambrósio de Milão que não quis ouvi-lo. Dirigiu-se então a Roma, ao Papa Damaso que não quis recebê-lo.
Condenado na Aquitania, juntamente com alguns dos seus principais seguidores, foi degolado em Tréveris no ano de 385.
A morte, ordenada por César Maximo foi também decidida pela hierarquia da Igreja Católica, tornando-se assim Prisciliano vítima e mártir no seio da sua própria Igreja. Martinho de Tour foi um dos raros homens da hierarquia da Igreja daquele tempo, que se opôs veementemente à condenação de Prisciliano. Alguns dos seus discípulos trouxeram os despojos mortais de Prisciliano e vieram para o Noroeste da Península Ibérica onde criaram sociedades secretas no intuito de manterem vivo o testemunho. Todo este movimento, insere-se num contexto especial de “tensões” religiosas do séc. IV, já estudadas, nomeadamente por Margarida Simões(2).
Revela-se assim a contradição entre um Cristianismo Evangélico com uma marca dominantemente gnóstica (Padres da Igreja e Apologetas - movimento anterior à religião de Estado) e o Catolicismo que se consolida através da hierarquia política e institucionalização romana. O Concílio de Zaragoza, em 380, representa a vitória do Catolicismo oficial, de Teodósio e da hierarquia da Igreja acomodada ao poder político. E, do outro lado, o Pricilianismo representa um processo radical de transformação baseado na mensagem do Cristianismo primitivo.
O ascetismo defendido por Prisciliano, tem que ser lido à luz de uma recusa em submeter a espiritualidade aos interesses materiais de dominação e exploração do Império Romano, tal como o donatismo na África se opusera a Constantino, nomeadamente através da luta dos “circuncélios” contra o poder e a Igreja. Representa ainda a defesa da singularidade cultural da Ibéria face à imposição do poder imperial romano.
Para se compreender este processo de conflitualidade e adaptação, é necessário perceber a desigualdade de crescimento económico, as disparidades sociais entre o império Romano e a periferia colonizada. Assim, as rivalidades teológicas expressam as clivagens da sociedade. O Cristianismo emerge na charneira de diferentes culturas e diversas mundividências: a cultura greco-latina, o judaísmo, a africanidade de influência egípcia e o orientalismo da Mesopotâmia até à China. E dentro de cada uma dessas realidades civilizacionais, existem ainda as miscigenações e polaridades com elementos doutras culturas. O Cristianismo não aparece, assim, como um único surto homogéneo. Surge como um “continuum” de doutrinas e vai-se estratificando com sensibilidades diversas. Os textos escritos são precedidos de tradições orais entre as quais, em primeiro lugar, o judaísmo ortodoxo onde o cristianismo tem as suas raízes. A resistência política a Herodes e em seguida a luta contra a romanização na Palestina, geram movimentos específicos. O Farisaísmo, os Zelotas e Sicários, e sobretudo os Essénios, constituem os germens essenciais desse cristianismo nascente. O “mestre de justiça” da comunidade essénica de Cumram é uma figura arquetipal de Cristo. O documento de Damasco encontrado entre os manuscritos do Mar Morto, assinala formas de organização com expressões comuns ao cristianismo e ao essenismo. Mas há também na génese do cristianismo sensibilidades diferentes. Para os ebionitas Jesus era considerado um homem, filho de José e Maria. Porém, para o Evangelho de S. João, Jesus é o “Logos”. Em torno destas linhas teológicas, vão-se desenvolver formas específicas de Evangelhos que serão mais tarde “joeirados” pelo Concílio de Laodiceia, no ano de 345, classificando-os em verdadeiros – canónicos e falsos – apócrifos. O período de transição entre os sécs. I e II, revela-se num texto descoberto em 1873 – doutrina dos 12 apóstolos ou didakhé (escrito entre 70 a 110 d.C.). Aí se discutem as questões relacionadas com a disciplina e a hierarquização, bem assim como a definição dos rituais. Assim se pressentem as adaptações às culturas singulares e aos vários momentos de transição entre a religião e o poder político. Na Ásia Menor, em Coríntio, Filipus e Tessalónica, existiam numerosos grupos judeo-cristãos especialmente ebionitas. No norte da Mesopotâmia desenvolveram-se numerosas comunidades donde surgiram os nomes de Justino e Ereneu. No Egipto, o cristianismo desenvolve-se junto de Alexandria onde vão surgir Clemente e Orígenes. Ainda no alto Egipto desenvolvem-se grupos gnósticos cuja escrita é expressa em língua copta. No ocidente, exceptuando o caso de Roma, o cristianismo desenvolve-se com mais lentidão. Em síntese, pode-se dizer que o cristianismo se vai constituir numa morfogénese caleidoscópica de culturas e vertentes filosóficas que produzem complexas e miméticas sensibilidades. Apologetas e gnósticos, isto é, defensores da fé (pistis) ou defensores da iluminação (gnosis) constituem matéria filosófica e teológica que se diversifica por entre o Maniqueísmo, Montanismo, Donatismo, Nesturianismo, Gnose e o Priscilianismo, que mais não são do que diversas faces da metamorfose do cristianismo. O catolicismo é a consolidação ortodoxa feita através duma igreja que se dogmatizou para se unificar e submeter ao poder político do império romano. Esta forma de pensamento único vai regular e disciplinar as várias singularidades. Do séc. IV até quase ao séc. VIII a perseguição da Igreja Católica esmagou o movimento Priscilianista, acusado de desvio doutrinal, aceitação da magia e astrologia, defesa de igualdade das mulheres na participação e gestão do culto, não submissão hierárquica e práticas cultuais inaceitáveis pela hierarquia católica (como rezar e cantar descalços no cimo do monte)de anti-esclavagismo, vida comunitária e partilha de bens, livre exame de consciência e ligação do eu pessoal a Deus, sem ser por intermédio dos sacerdotes impostos por Roma.
No séc. VII, a repressão e a recuperação da heresia na região da Galiza é assumida, em especial, por Martinho de Braga e Frutuoso. Assim, onde se encontra a presença dessas duas importantes figuras do Catolicismo, encontrar-se-iam também os movimentos Priscilianistas do último período. É provável que sobre os lugares do culto Priscilianista (Cubícula, Montes, Villae Alienae e Domus) tivessem vindo a ser construídos os templos da Igreja Católica oficial. É eventualmente nesses lugares que se poderão explicitar a ruptura e transição dos paradigmas religiosos e culturais. A importância das escavações em lugares estratégicos podem vir a revelar novos dados sobre o movimento Priscilianista. Já se verificaram alguns achados interessantes. As escavações efectivadas a partir dos alicerces da catedral de Santiago de Compostela, que teve sucessivas reconstruções mesmo antes da actual igreja românica, começada em 1075, vieram mostrar os antecedentes arqueológicos, tardo-romanos. Revelaram-se construções anteriores cuja datação remonta à época de Prisciliano. Entre 1944 e 1959 realizaram-se escavações na catedral que revelaram uma necrópole cristã cuja construção se estende entre os sécs. III e VII. Este facto poderá contribuir para acentuar a suspeita de que antes da actual catedral já existia um foco importante do Cristianismo e até talvez mesmo espólio de cultos anteriores ao próprio Cristianismo que se tornaram, como é frequente, matrizes sagradas onde se enxertou o Cristianismo. É aqui que vai assentar também a hipótese de se descriptarem eventuais sinais do movimento prisciliano, subterrados sob algumas das construções românicas do séc. XII e que vieram instaurar uma ruptura ou uma metamorfose epistémica nas ideias religiosas. Os lugares de culto tornam-se assim os signos mutantes dum palimpsesto feito de incisões deixadas ao longo do tempo. Esta hipótese, retomada já por muitos investigadores, mostra-nos a questão de um “continuum”, nos lugares sagrados, que permite uma leitura fascinante da História feita também como “livro de pedras”. Em História de Arte não há ideias sem lugares nem lugares sem ideias. Mas há ainda que estudar o folclore e as lendas para se religarem conhecimentos antropológicos, capazes de suprirem a insuficiência de documentos escritos. Há que inserir textos em contextos teológicos e também nas próprias manifestações do folclore. Esta posição é naturalmente arriscada para a habitual investigação histórica. Os estudos de Moisés Espírito Santo (3) constituem, apesar do “risco”, uma lufada de ar no objectivismo fisicalista documental. Assim, há que ver no folclore e nas lendas, possíveis indícios que abram novas hipóteses. A exemplo disso será interessante estudar traços de um gnosticismo no cristianismo popular. Paulo Orósio, em 414, no “Commonitorium” denuncia os erros priscilianistas. E Santo Agostinho, a quem o texto de Osório é dirigido, reitera a argumentação no “Liber ad Orosium” contra priscilianistas e origenistas, acusando o priscilianismo de maniqueísmo. Em 440 o Papa Leão Magno que ataca o maniqueísmo, não deixa também de referir as relações entre o priscilianismo e o maniqueísmo.
Referimos este facto porque interessa assinalar o maniqueísmo como uma corrente gnóstica e de iniciação aos “Mistérios”. O movimento de Manés é também um sincretismo de Cristianismo e Budismo com uma vocação de se tornar numa pregação errática em busca da universalidade. Interpretado de forma grosseira – os conceitos de luz e trevas – o Maniqueísmo foi tido como uma doutrina da dualidade. Porém, como Mircea Eliade referiu (4) este sincretismo judaico-cristão, gnóstico e indiano, é sobretudo uma revelação pela aceitação do “Mysterium Tremendum”. A morte de Mani, ocorrida em 277 em Gundishapur (Belapat), capital das Sassanidas, no Império Persa, revela-se como uma poderosa recordação dramática no imaginário popular: esfolado vivo em atrozes torturas. Como acontece muitas vezes no decorrer da História, incorporam-se mitos e realidades e sobretudo acumulam-se memórias recorrentes e variadas. Bartolomeu, o santo do catolicismo, é também um Orago esfolado pelos bárbaros. O seu culto popular, em Portugal, é talvez mais uma recorrência desta incidência maniqueísta. Assim, no Noroeste do País, S. Bartolomeu do Mar e Foz do Douro, encontramos um culto com ressonâncias maniqueístas. Coincidência com o facto de na mesma área se propalar o Priscilianismo? Em 1900, diante duma já vasta investigação em que se comprovava a recorrente tradição feita de histórias e lendas populares, um estudioso da história da Igreja, o Bispo Louis Duchesne, (5) escreveu um livro, que veio a ser excomungado pela hierarquia Católica, em que identificava o mito de Santiago de Compostela e sua estadia na Península Ibérica com a figura histórica de Prisciliano e o seu martírio – a decapitação – factor comum aos dois personagens. As peregrinações populares àquele lugar, desde o séc. IV, poderiam ser peregrinações ao sepulcro onde os amigos de Prisciliano o haviam enterrado. Esse movimento espiritual de peregrinação, tornara-se num forte apoio à heresia implantada na Península Ibérica até ao sul da França. Muitos intelectuais, do fim do séc. XIX e princípio do séc. XX, apoiando a originalidade desta corrente herética do Cristianismo primitivo, mostravam uma verdadeira simpatia por este movimento Priscilianista (Castelao, Teixeira de Pascoaes, Unamuno, Otero de Pedrayo). Mas foram os historiadores que vieram dar importância a este movimento, desde Menendez Y Pelayo, Paret e Babut, até aos mais recentes trabalhos de Vollmanns, Puech, Chadwick, Fontaine e Loscertales etc., alertados por esses sinais persistentes da tradição. Para esses investigadores, esta heresia consistiria numa forma de cristianismo primitivo, marcadamente social, contra todas as formas de autoritarismo. Recorde-se o contexto insurreccional dos “Bougardas” ou “miseráveis da Gáulia” que assolaram as províncias ocupadas pelos romanos. Embora existam, entre os autores, opiniões diversas sobre o tipo de influências dominantes, pode-se concluir por uma espiritualidade com fortes características de profecia social e ligada ao panteísmo. Relacionavam-se as tradições do cristianismo herético nas “províncias africanas” com Manés (ligação do cristianismo com o budismo) e ainda com uma espiritualidade “druída”, resultante da presença dos celtas na Península Ibérica.
O Priscilianismo pode ser assim uma síntese entre várias correntes. Da África romanizada chegou a gnose, o donatismo e o maniqueísmo cuja proveniência directa e incidência no Priscilianismo se encontra em Marcion, o Africano. Do Druidísmo provém a influência do ensino oral, o canto, a dança, os hinos dos Bardos, as mulheres sacerdotisas, a magia astrológica e chamánica e o panteísmo em que ressaltam os elementos naturais, a lua, o sol, o carvalho e ainda a crença na transmigração ou metempsicose das almas. Assim o Priscilianismo não resulta apenas de dissidências pessoais e políticas no seio da Igreja. Esta heresia não mostra apenas uma caluniosa acusação de Itácio de Ossónoba e de Idácio de Mérida. É um embate de culturas cujos referentes se devem encontrar nas profundas mudanças sócio-económicas que ocorreram neste período de transição. Em Portugal, estas análises têm sido feitas de uma forma bastante exaustiva por muitos historiadores, nomeadamente no trabalho de Justino Maciel (6). Esse levantamento de factos históricos permite-nos, hoje, conhecer melhor a situação embora continue difícil a rigorosa interpretação do significado político, cultural e espiritual deste movimento. Herética ou apenas inovadora, tudo aponta para uma originalidade da corrente Prisciliana dentro do Cristianismo. O movimento buscava a espiritualidade, não necessitando de instituições ou igrejas mas procurando através do contacto com a natureza, estabelecer um elo com a divindade. As mulheres tinham iguais condições sacerdotais. Procurava-se através de uma vida de partilha e pobreza voluntária, organizar um quotidiano em que o contacto com a natureza e a arte possibilitasse a intuição do futuro ou a iluminação do Espírito Santo – o “paráclito”. O que a história deste processo sinuoso nos mostra é que o catolicismo dominante foi dilacerado por duas atitudes constantes: uma repressão feroz que levou, como vimos, à morte de Prisciliano, mas também uma atitude de recuperação de antigas mitologias ou tradições. Esta metamorfose, aparentemente contraditória, mostra comportamentos diversos face à dita “heresia” priscilianista. Assim , em torno do Priscilianismo, a própria Igreja dividiu-se. Enquanto Sínodos Episcopais e personalidades da igreja condenavam o Priscilianismo, outras atitudes contrárias se manifestavam. Diante do rigor excessivo da condenação, Martinho de Tours opôs-se à sentença de morte ordenada por Máximo contra Prisciliano, como já referimos. Simpósio de Astorga celebrou ofícios em honra do mártir. E o “déspota” romano, Máximo, responsável formal pela condenação de Prisciliano, veio a morrer na Batalha de Aquileia, no ano de 388, vencido pelo próprio imperador romano Teodósio, que o acusara de corrupção. Também os instigadores da “calúnia” ou os acusadores da “heresia Prisciliana” – Idácio de Mérida e Itácio de Ossónoba – acabaram destituídos e até excomungados, pelos vistos devido ao excesso de zelo na campanha persecutória às heresias. Pacato, um poeta da Galia, acabaria mesmo por revelar uma trama de roubalheira e crime por parte dos perversos acusadores de Prisciliano. A Igreja manifestou assim essa ambiguidade que a caracteriza: repressão ortodoxa e recuperação modernizante. É este o fenómeno a que assistimos na consolidação da igreja bracarense. É provável que esta “transição” não se apresente linearmente. Assim como a liturgia e a teologia têm manifestado sobressaltos vários, avanços e recuos doutrinais, também as próprias pedras dos templos podem destruir ou reutilizar linguagens. O novo e o velho coexistem numa dança de significantes diferentes sobre o mesmo signo. O Priscilianismo teve uma forte incidência na área geográfica que veio a ser o Norte de Portugal. Além duma relação com o território da Galiza, o Priscilianismo anda associado, em Portugal, à zona onde vieram a implantar-se nomeadamente as igrejas de Rates e Rio Mau, o Mosteiro de S. João de Arga e ainda outros sítios do Noroeste de Portugal. Que o movimento era sólido nesta área, não há dúvida. Atestam-no as acusações contra a “heresia” priscilianista, feitas no Sínodo Episcopal de Saragoça em 380. E, em seguida o julgamento e decisão de condenação à morte de Prisciliano, no Sínodo Episcopal de Bordéus, em 384. Não esmoreceu, porém, este movimento, com a decapitação do martirizado Prisciliano. Muito pelo contrário, a “heresia” parece ter-se distendido e consolidado. Em 561 e depois em 572, na cidade de Braga, no 1º e 2º Concílio, condenam-se outra vez os herejes priscilianistas. Em Toledo, no ano de 633, surge uma nova acusação. E outra vez em Braga, em 713, as novas acusações mostram a importância deste movimento, mesmo ainda no séc. VIII. Porém, no sentido de recuperação da “heresia”, assistimos também à comprovação de que alguns Bispos – Turíbio, de Palência e Profuturo, de Braga – durante o séc. VI, não conseguiam ver heresia no priscilianismo. E assistimos, por parte de S. Martinho de Dume, a partir de 555, a uma flexibilidade e tolerância que parecem querer integrar e digerir as especificidades do movimento priscilianista. Neste contexto sincrético de invasões de suevos e visigodos, em que se operam confrontos e compromissos sociais e culturais e em que o cristianismo continha ainda tendências várias (maniqueísmo, gnosticismo, donatismo e arianismo), nesta viragem - fim de Império Romano - onde populações rurais e urbanas se misturavam e nascia uma outra economia e um outro poder político, é possível a gestação de um longo período de novas mitologias, de emergência de recorrências etno-culturais antigas. Ao mesmo tempo assiste-se às imposições e montagens de discursos dominantes. A investigação histórica permitiu revelar que a peregrinação a Santiago de Compostela é uma construção do séc. IX. Esta construção aparece assim narrada: um tal Pelágio descortinara um túmulo, na escuridão da noite cerrada, num velho castro entre Padron e Monte Sacro. Aí desceram línguas de fogo e ouviram-se vozes que assinalavam a tumba de Santiago. Esta lenda serviu à Igreja Católica para decapitar o culto Priscilianista que arrastava àquelas paragens peregrinos adeptos da “seita”. Assim se rebaptiza, sob o nome de Santiago, discípulo de Jesus, a atracção dos peregrinos àquele local. Também se criava um forte pólo aglutinador da fé católica contra a ameaça do Islão que crescia nesses tempos. É demonstrável a metamorfose a que foi sujeita a imagem do primitivo “pobre” Santiago do séc. X até ao Santiago “mata-mouros”, que se consolida nos sécs. XII e XIII, por via desse contexto anti-muçulmano na Península Ibérica. A história é de facto um palimpsesto. Mas um palimpsesto onde as múltiplas escritas sobrepostas com as sucessivas rasuras introduzidas, interagem. Assim, as lendas e os mitos vão integrando novos dados. Mas também as antigas histórias permanecem adulteradas, travestidas, recontadas por quem acrescenta um ponto e “esquece” um outro. Amnésia e efabulação constituem algumas características da trama evolutiva das epistemes mentais face às mudanças paradigmáticas da sociedade. Assim, é aceitável a tese do Bispo Duchesne de que a peregrinação em honra de Santiago de Compostela é uma mutação formal, feita pela ortodoxia católica, da antiga peregrinação em honra de Prisciliano, graças a uma recuperação lenta e progressiva da Igreja face aos movimentos convergentes ou divergentes da ideologia que veio a impor-se através de ostracismos, repressões, compromissos e oficializações. Vejamos um outro momento. No 3º quartel do séc. XIX, a memória da comuna de Paris e as ideias anarquistas e anticlericais estavam presentes em toda a Europa, tendo também o seu reflexo na Galiza. A Catedral de Santiago, outrora com uma avalanche contínua de peregrinos e milagres de Santiago, perdera agora o seu esplendor. A crítica à Igreja grassava em todos os meios culturais onde dominava o positivismo, a crítica exegética dos textos religiosos e o desejo de fundamentar com provas históricas as crenças. A Igreja submergida também por este sobressalto, é obrigada a ter em conta todo este contexto racionalista. Conta-nos o investigador galego Xosé Leyra Dominguez (7) como em Santiago de Compostela ressurgiu também o fervor de fundamentar a crença de Santiago que começava a ser abalada pelas críticas de Castelao que, em vez do Orago de Santiago, propunha Prisciliano como o histórico fundador do culto e das peregrinações. Assim, em 1879, o Cardeal de Santiago de Compostela, D. Miguel Paya Pico, organiza uma comissão de escavações para descobrir as provas irrefutáveis da ortodoxia católica. E, nessa necessidade premente de encontrar as fontes comprovativas da presença de Santiago, puseram-se em busca do túmulo do Santo. Os cónegos Labim e Lopez Ferreiro dirigiram a equipa de escavações com dois operacionais: o mestre de obras Manuel Larramendi e o operário Xoan Nartallo, ambos grandes devotos do Santo e assíduos frequentadores da missa. As escavações demoraram 4 noites. Eram 2 da madrugada de 31 de Janeiro de 1879 quando se deu a descoberta à luz de candelabros, no revolvido lajedo da Catedral. O operário que fizera deslocar uma lápide caiu “esmorecido” em sinal de prodígio, vindo só a recuperar da vista meia hora depois. Os Cónegos levam a relíquia de ossadas para a sacristia. Arranja-se uma equipa de três médicos: os Drs. Timoteo Sanchez Freire, Francisco Freire e Antonio Casares, que elaboram um relatório. No entanto, o texto é parco em informações – as ossadas pertenciam a 3 esqueletos, “poderiam ser do Séc.I” e “não tinham sinais especiais”. Tal facto, contudo, constituía sobeja prova para a igreja identificar o santo discípulo de Jesus, o Santiago patrono da catedral. Veio então o “Promotor de Fé”, Monsenhor Augustin Caprara, notário da Curia Papal, para “provar” que a dita descoberta arqueológica confirmava a prodigiosa presença de Santiago nas terras da Galiza. O Cónego das escavações, António Lopez Ferreiro, com a sua “descoberta arqueológica”, podia agora atacar o Priscilianismo dizendo que Prisiciliano “ocultava um coração depravado e aberto a toda a espécie de libertinagens...Tinha uma paixão satánica tendo como objectivo parecer-se igual a Deus” (8). E o Papa Leão XIII, em 1884, encerrava a questão. Fazia confirmar na Encíclica Deus Omnipotens, o antigo sortilégio miraculoso do séc. IX, onde o referido Pelágio encontra a tumba de Santiago, juntando ainda a essa lenda a recente e inaudita descoberta arqueológica na catedral, na noite de 31 de Janeiro de 1879.
Assim, por essa data, se construiu a capela que está por baixo do altar-mor onde se puseram os ossos atribuídos ao apóstolo Santiago que repousam numa urna de prata e que constituem o relicário da catedral. Em 25 de Julho de 1885, organizaram-se festas entusiásticas em volta do Orago. Esta morfogénese cultural que analisamos, da passagem do Priscilianismo ao Santiaguismo, da recuperação e compromisso que representa a “nova peregrinação” a Santiago de Compostela não conseguiu, no entanto, apagar as suspeitas de que uma “ortodoxa” concepção da Igreja Católica se apropriava de uma forte corrente heterodoxa que resistia noutras provas, noutras convicções mais fundas, da tradição popular. As lendas e tradições da Galiza atestam a existência de um culto ao sepulcro, situado no lugar da actual catedral, muito anterior às peregrinações conhecidas durante o catolicismo. Há mesmo quem queira ver na lenda duma embarcação chegada a Finisterra, um celtismo panteísta de cultos ainda anteriores à cristianização, ligados à “Estella”, lugar importante por onde passam as peregrinações e que determinariam o uso da “vieira” ou seja a concha simbólica do nascimento sagrado. A tese do referido Bispo francês Louis Olivier Duchesne, excomungada pela hierarquia católica, é peremptória e expressa os mesmos dados de outros historiadores. Com efeito não existem nos textos da Igreja Católica, ao longo de vários séculos, referências a Santiago na Península Ibérica. Orósio, que escreveu no séc. V, não refere o culto de Santiago na Gallaecia. No entanto, Orósio sendo originário da região não poderia ter deixado de referir tal facto. Antes pelo contrário, Orósio refere a heresia priscilianista que grassava nesse território. Martinho de Tours e Isidoro de Sevilha nada dizem acerca de Santiago como Orago da Galiza. E no Martiriológico de Jerónimo, que descreve os inúmeros mártires do Cristianismo, não existe nenhuma referência ao martírio de Santiago em terras de Compostela. Gregório de Tours e João de Toledo também nada dizem sobre Santiago na Península. Ao contrário, toda a tradição da Igreja refere o martírio de Santiago no séc. I, no tempo de Herodes Agripa que o fez degolar em Jerusalém. Pode pois inferir-se que sobre a história do mártir degolado e herético, Prisciliano, vai-se sedimentando e consolidando o mito dum outro mártir, também degolado, transmutado agora, mas noutro contexto - noutra época e noutro lugar - todavia com referentes ortodoxos. Isto quer dizer que a hierarquia da Igreja Católica foi buscar o Santo e discípulo de Jesus do séc. I para apagar a tradição enraízada no povo, do hereje Prisciliano. O trabalho do Bispo Duchesne demonstrava assim que um investigador culto, por mais católico que seja, não pode admitir que na Catedral de Compostela se encontrem despojos do apóstolo de Jesus, Santiago, que outros textos da Igreja Católica, com maior verosimilhança, afirmam ter sido degolado por Herodes Agripa no séc.I, em terras da Judeia. Só no séc. IX, em 860, aparece pela primeira vez referência às festas de Santiago, no Martiriológico de Adon. Torna-se assim evidente que entre o séc. IV e o séc. IX não existe o culto de Santiago no Noroeste da Península e é apenas a partir do séc. IX, em 813, que se “descobrem” os restos do apóstolo Santiago Maior, começando-se a chamar então às antigas e tradicionais peregrinações aquele local, as peregrinações dos romeiros “Xacobitas”. A mitificação da Santiago Maior no Noroeste da Península foi assim construída num contexto especial em que a Igreja quer apagar todas as sequelas anteriores e reforçar a luta contra os muçulmanos, como já referimos. Mas é evidente que esta história de pregação apostólica de Santiago, contradiz os factos históricos em que não há notícia de cristianização alguma, antes do ano 200, como nos diz o historiador Diaz y Diaz (9) . Os historiadores afirmam que provavelmente o cristianismo penetra, inicialmente na Península Ibérica, através das Igrejas Africanas, no início do séc. III. Como já dissemos, não há ideias sem lugares nem lugares sem ideias. Vamos por isso tentar uma observação desta corrente filosófica e social no lugar onde decorreu, detendo-nos na paisagem e nesses locais enigmáticos. Vamos tentar decifrar nas pedras dos templos, os indícios indeléveis da história. O uso de siglas gravadas na pedra, linguagens criptográficas irradiando de Noya na Galiza até Póvoa de Varzim/Vila do Conde, na Lusitania, são um enigma já bastante estudado sem se ter chegado a um resultado conclusivo. Essa linguagem criptográfica poderá ser entendida como forma de comunicação iniciática entre “companheiros” de um mesmo culto que criou as suas próprias codificações, face à repressão circundante. Esta tese não impede, como é evidente, muitas outras hipóteses que já foram colocadas mas que não contrariam esta eventual coexistência de múltiplas razões, na adopção da referida criptografia. Existe um conjunto de várias ”villae” nessa região do Noroeste da Península Ibérica. Seriam, algumas delas, conventículos priscilianistas? Esta tese, defendida por António Blanco Freijeiro (10) põe a hipótese de ser uma “villa” deste tipo, os achados arqueológicos encontrados na Póvoa, e hoje completamente destruídos pela construção de um edifício, no lugar do Alto de Martim Vaz. Também Rigaud de Sousa, (11) no estudo da estação arqueológica da Falperra assinala a enigmática presença dum convento, eventualmente ligado a uma heresia. Em conversa pessoal, Rigaud de Sousa admitiu poder tratar-se dum eventual local de implantação Prisciliana. Com efeito, pode tratar-se de uma basílica paleocristã dos sécs. IV a VI ou de um mosteiro que serviu de refúgio aos movimentos religiosos da época. Por esse mosteiro ter sido considerado lugar “endemoniado” pelas gerações vindouras, indiciam-se elementos susceptíveis de ser um local de heresia. Há ainda a considerar que nesse lugar da Falperra se fazem todos os anos grandes romarias com a especificidade dos romeiros esperarem alcançar miraculosas curas para as suas deformidades físicas e mazelas mentais, geralmente escondidas do público. A busca enigmática do Priscilianismo na Lusitania leva-nos até à região da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, mais concretamente a S. Pedro de Rates e a S. Pedro de Rio Mau. Nos complexos medievais de Rates e Rio Mau podem assinalar-se algumas características especiais que deixam, pelo menos, entrever leituras múltiplas e abertas sobre aqueles edifícios. José Hermano Saraiva (12) refere, sem que se possa, no entanto, fundamentar com rigor documental, uma trama de acontecimentos enigmáticos à volta de S. Pedro de Rates. Com efeito, pode-se assim intuir uma realidade Priscilianista em torno do culto de S. Pedro, uma vez que não consta que tenha havido algum Bispo Pedro de Rates. Tratar-se-ia de Prisciliano, feito Bispo d’Ávila pouco antes da sua morte? Lugar de passagem de peregrinos de Santiago, estes complexos contêm, logo à partida, este enigma: estes dois templos andam ligados àquele que teria sido o primeiro Bispo de Rates.
Ora, a verdade é que não existe, na genealogia dos Bispos de Braga, nenhum S. Pedro de Rates. No entanto, há, nos dois templos, elementos referentes ao Bispo. Os báculos do Bispo esculpidos no pórtico de S. Pedro de Rates e a imagem do Bispo no tímpano da igreja de Rio Mau. Trata-se de rebaptizar alguém cujo nome era necessário fazer esquecer? É possível colocar a hipótese de que o orago de S. Pedro de Rates – mistério da historiografia dos bispos oficiais – possa ser uma referência a Prisciliano. Este facto ganha maior relevo se levarmos em conta factores antropológicos como sejam a especificidade das romarias e as lendas em torno da vida de S. Pedro de Rates. A tradição fala das ligações deste santo com duas mulheres, uma viúva e a sua filha, tal como a história de Eucrácia e sua filha Prócula, curadas pelo mestre e seguidoras fiéis da doutrina priscilianista. Também as perseguições de S. Pedro de Rates e a fraternal solidariedade de S. Félix, podem referir a relação de amizade de Prisciliano a Felicissimus. Ou então, uma outra hipótese, como pretende Luis Racionero Grau, (13) S. Félix de Urgel, que se oporá a Carlos Magno no séc. VIII, será “um isomorfismo de Prisciliano”. Com efeito a história de Prisciliano repetia-se, 4 séculos depois, na pessoa de Félix que morria encarcerado enquanto Carlos Magno era coroado Imperador pelo próprio Papa!. O restauro da Igreja de Rio Mau e do complexo religioso de S. Pedro de Rates, efectivado pela D.G.E. dos Monumentos Nacionais, entre 1930 e 1940, sob a direcção de Rogério de Azevedo, foi desastroso pois várias pedras encontram-se hoje mal colocadas e pertencentes a templos de origem temporal diversa. Destruíram-se os traços que não assinalavam a pureza românica, perfil a mostrar nessa visão estreita do património. Mas, tanto a Igreja de Rates como a de Rio Mau, pertencentes ao séc. XII, foram erigidas sobre templos de épocas anteriores, tal como o demonstram as escavações arqueológicas realizadas nos adros das referidas igrejas românicas. Nas duas Igrejas, o Bispo S. Pedro de Rates está presente e o báculo várias vezes repetido na cantaria. Também se encontram, nas duas igrejas, pedras esculpidas em tempos desfasados, o que revela o uso de antigas ruínas reutilizadas posteriormente. Assim, há pedras com motivos visigóticos seguramente pertencentes a edificações anteriores. A padieira e o modilhão da porta sul da igreja de Rates, com serpentes entrelaçadas explicitam uma influência copta tal como refere G. M. Graff. Lembremos a importância de Mani ou Manés na igreja copta, que tem indubitáveis similitudes com o Priscilianismo. E os atlantes dessa mesma porta mostram simbologias e linguagens anteriores ao românico. Por outro lado, o tímpano, ainda desta igreja, tem características simbólicas cuja leitura tem motivado múltiplas interpretações. Para uns, Cristo espezinha Judas e Arios, mas podem bem ser ressonâncias de um Cristo gnóstico entre trevas e luz. Também os pormenores do arco do 2º tramo, ainda desta igreja, têm referências zodiacais que nos indiciam cultos à astrologia. Em Rio Mau, o tímpano tem uma feitura bastante diferente da construção erudita no interior da igreja, nomeadamente nos capitéis da colunata. Esse tímpano, com S. Pedro de Rates como figura central, tem referências simbólicas enigmáticas: o Sol e a Lua, por exemplo.
Também as esculturas encontradas na igreja de Rates, de um Bispo e de um Rei, frequentemente referidas como sendo D. Afonso Henriques e o Bispo João Peculiar, podem ser anteriores e explicitarem ainda referências mais próximas do Priscilianismo. Nada impede a hipótese daquelas estátuas representarem Carlos Magno e S. Félix. Tal referência terá muito mais a ver com uma recorrência isomórfica ao tirano Máximo e a Prisciliano. Como assinala Luís Grau (14) em relação à constante ligação dos 2 personagens de épocas diferentes mas com similitudes de vida na luta do Cristianismo Evangélico contra a Igreja do poder. Também o Mosteiro de S. João de Arga, constitui mais um enigma, à espera de se poder descriptar, nas entranhas do lugar e nas raízes antropológicas do folclore e das lendas daquela zona serrana. Revestido por capas sucessivas de renovações, o Mosteiro foi reconstruído, segundo o Padre António Carvalho da Costa, por Frutuoso, perseguidor das heresias. A sua implantação num lugar retirado tornara-o, quiçá, num reduto secreto do Priscilianismo. A sua romaria, importantíssima ainda hoje, revela os resquícios duma gnose cristã onde os homens e as mulheres devem levar em conta uma liturgia do bem e do mal. Por isso, nas festas de Agosto, os romeiros devem dar esmola a Deus e ao Diabo. Destes exemplos que referimos, temos consciência da fragilidade das “provas”. Porém, o que se pretende aqui é abrir esta demanda em torno do Priscilianismo que mal começou ainda em Portugal. Muitas vezes a historiografia nacional dominante, excessivamente positivista, é redutora, baseando-se apenas na acumulação material. Lutando contra a abertura de horizontes, cai numa forma de superstição pela negativa, recusando hipóteses e eventuais indícios para uma outra narrativa histórica, menos redutora e aberta a religar conhecimentos transdisciplinares. A hipótese que aqui trazemos pode-se resumir no seguinte: a Igreja, como habitualmente, tentou criar reinterpretações dos factos que pudessem adequar a ortodoxia aos acontecimentos heterodoxos que lhe escapavam. E, nos locais do culto a Prisciliano edificou novos templos até à sumptuosa catedral de Santiago de Compostela. E aí se “enxertou” sobre a história do Priscilianismo a devoção do apóstolo de Jesus, Santiago, também ele degolado mas em terras da Palestina. E sobre as rotas dos adeptos de Prisciliano, concebeu peregrinações a Santiago. Uma metamorfose voluntariamente conduzida pretendeu ocultar a motivação profunda desses antigos encontros espirituais. Prisciliano foi sucessivamente transmutado num santo peregrino até ao poderoso Santiago Mata Mouros. O contexto histórico foi imprimindo essa mudança ideológica e permitiu à Igreja os meios de impor uma tentativa para apagar da memória uma corrente espiritual considerada herética porque, alheia às formas de poder, procurava lançar as sementes duma autonomização individual e social.
Esta demanda nasceu em mim há cerca de 10 anos. Em 1992, quando fizemos o caminho francês dos peregrinos, a Santiago de Compostela, com alguns amigos franceses, ficamos uma noite em Vila Franca del Berzo. Recorremos ao refúgio tradicional dos peregrinos. Num longo e inesquecível encontro, ouvi o nosso anfitrião, o senhor Jesus Aria (Jato), falar-me da tradição da sua família. Este robusto camponês, herdara da família conhecimentos da “magia terapêutica” com que curava entorses e recompunha as forças dos peregrinos. Falou-me de como a sua avó, priscilianista, recebera do seu bisavô a responsabilidade de continuar a manter o fogo da peregrinação prisciliana. Ele ali estava, revelando-nos os “segredos” das pedras da igreja e mostrando sobretudo o caminho de Xacobeo como caminho de Prisciliano, caminho de auto-conhecimento, solidariedade e desenvolvimento social. Foi por essa altura que se me aguçou o espírito. E mesmo sem certezas e sobretudo com muitas dúvidas, nunca mais deixei de pôr a hipótese de uma outra “peregrinação”. Caminhar entre luz e trevas tornou-se assim neste caminho de mistério... caminho de demanda.

CRONOLOGIA RELACIONADA COM O PRISCILIANISMO 

302-331 – Perseguição dos cristãos por Diocleciano;
313- Constantino promove a Igreja (Edito de Milão-Edito da tolerância);
325- Constantino é Papa Imperial (poder temporal e poder espiritual);
345- Presumível data de nascimento de Prisciliano; Concílio de Laodiceia: selecção dos evangelhos canónicos e repúdio dos evangelhos apócrifos;
356- Morte de Antão, fundador do Monaquismo;
361-363- Tentativa de restabelecimento dos cultos pagãos pelo Imperador Julião – o apóstata;
380- Teodósio estabeleceu o Cristianismo como religião oficial; Zaragoza (Sínodo Episcopal); Idácio acusa Prisciliano de heresia;
384- Bordéus (Sínodo Episcopal); Tribunal de Bordéus - condenação de Prisciliano à morte;
385- Morte de Prisciliano em Tréveris;
392- Édito de Teodósio (proibição do paganismo);
447- Toledo (Sínodo Episcopal);
469- Idácio de Chaves redige uma crónica sobre factos ocorridos entre 379 e 469;
529- O Imperador Justiniano fecha a Academia neo-platónica e pune com a morte quem não for cristão; Fundação da Ordem Beneditina;
550- Martinho de Dume começa a reestruturação da Igreja Católica;
561- 1º Concílio de Braga;
572- 2º Concílio de Braga;
633- Concílio de Toledo;
713- 3º Concílio de Braga;




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(1) Georg Schepss, “Priscilliani quae supersunt maximann partum nuper detexit adiectisque commentaris...” (2) Margarida Simões, “Prisciliano e as tensões religiosas no séc. IV”, tese de doutoramento da Universidade Nova de Lisboa. 

(3) Moisés Espírito Santo, “Origens do Cristianismo Português”, Instituto Sociologia e Etnologia das Religiões,U.N.L.1996
(4) Mircea Eliade, “História das Crenças e das Ideias Religiosas”, Ed. Zaahar, Rio Janeiro, 1978 
(5) Louis Duchesne, Histoire ancienne de l’Église, Paris, 1910 
(6) Justino Maciel, Antiguidade tardia e paleocristianismo em Portugal, Ed.Autor, Lisboa, 1996
(7) Xosé Leyra Dominguez, “Xacob e Prisciliano”, Ed. Ir Indo, Vigo, 1997 
(8) José Chao Rego, Prisciliano-profeta contra o poder, Ed. A Nosa Terra, 1999 
(9) Diaz y Diaz, Romanizacion de Galicia, A Coruna, 1976, pág.109. 
(10) Antonio Blanco Freijeiro, La villa romana en Galecia, Coloquio em Espanha 
(11) Rigaud de Sousa, A Estação Arqueológica de Falperra, Separata do Arquivo de Beja, 1968 
(12) José Hermano Saraiva, História de Portugal, Ed. Europa-América, 1993, pág.42 Braga, S. Pedro de Rates.
(13) Luis Racionero Grau, Felix de Urgel-Isomorfismo Prisciliano, Colóquio em Espanha
(14) Idem Opus cit. 
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A Madeira como elemento construtivo – Palestra do Professor Jacinto Rodrigues a propósito do 1.º Seminário Técnico Ibérico da construção em madeira

A Madeira como Elemento Construtivo - Seminário Técnico Ibérico-1996
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=nYeDMBIITE0


O vídeo agora disponibilizado é apenas um dos vários que fazem parte da compilação de documentos das Conferências e Workshops do “I Seminário Técnico Ibérico - A Madeira Como Elemento Construtivo”, realizado no Europarque de Santa Maria da Feira em Novembro de 1996. A compilação criada a propósito deste seminário inclui mais de 600 páginas, mais de 400 imagens e cerca de 1h30m de clips vídeo, em vários idiomas, de alguns dos maiores arquitectos e engenheiros especialistas em construção de madeira, da Finlândia, França, Hungria, Espanha, Portugal e Estados Unidos, que se reuniram num debate pioneiro em Portugal neste domínio. De salientar a participação neste seminário para além do Professor Jacinto Rodrigues de Alpo Ranta-Maunus, Angel Barreiro Garcia, Carlos Oliveira e Sousa, Francisco Arriaga Martitegui, Guglielmo Giordano, Imre Makovecz, Jacques Overhoff, Jan Sôderlund, José Romeiras, Juhani Pallasmaa, Jukka Hiltunen, Loïc de Saint-Quentin, Lynn Gastineau, Miguel nevado, Nunes Marques, Pedro Pontifice de Sousa.