CURSO DOUTORAMENTO ESTUDOS AFRICANOS (CDEA)

Curso de Doutoramento em Estudos Africanos 
Universidade do Porto 2009-2010

Estes são alguns dos meus textos que  foram propostos para o projeto do Curso de Doutoramento em Estudos Africanos.

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REFLEXÃO CRÍTICA DO MODELO DE CRESCIMENTO ECONÓMICO EUROCÊNTRICO - PROPOSTAS PARA UM DESENVOLVIMENTO ECOLOGICAMENTE SUSTENTADO
(in Revista CODESRIA - Lusofonia em África - História, Democracia e Integração Africana, 2005)


Introdução
Esta comunicação procura entender o processo da humanidade numa inserção dinâmica e eco-sistémica de
paradigmas. Entre o paradigma “tradicional” e o paradigma “moderno” procura-se explicitar um paradigma
emergente possível. Este novo paradigma poderia superar os impasses do “progresso tecno-científico” e do modelo retrógado, estático e tradicionalista.
A emergência do novo paradigma que aqui defendemos aponta para dispositivos ecotecnológicos e ecoenergéticos assim como eco-sócio-culturais.
Estes novos dispositivos são simultaneamente uma alternativa ao modelo civilizacional eurocêntrico e ao modelo fechado, das sociedades tradicionais.
Rompe-se assim com o modelo civilizacional assente numa tecnosfera de energias fósseis e num metabolismo linear, próprio da máquina termodinâmica dissipadora, modelo esse que é gerador de esgotamento de bens naturais, contaminação poluitiva e de exclusão social. Esta alternativa,. que aqui defendemos, supera também o conservadorismo retrógado das sociedades fechadas que vivendo em autarcia rejeitam as interacções culturais e se opõem ao desenvolvimento e à criação.
Na nossa análise, entendemos os paradigmas como referências dinâmicas, polaridades cujas fronteiras são
mutáveis e sistémicas.
A interacção de todos esses paradigmas vai criando metamorfoses que se fazem no tempo, com saltos mutáveis e/ou evoluções contínuas.
Só por razões didácticas tivemos que caracterizar essas balizas. Contudo, o que caracteriza esta tentativa de
exposição é o carácter processual e a complexidade que subsiste a estas combinações sistémicas que são, na maior parte dos casos, sujeitas a turbulências imponderáveis, apenas aceitando uma racionalidade capaz de se flexibilizar diante do inesperado ou do inevitável.


1. Caracterização do paradigma dominante
A etapa actual do capitalismo tem vindo a impor adaptações ao sistema económico-social. Nos anos 70/80 novos mecanismos de regulação como o GATT, o FMI e o Banco Mundial, manifestavam já uma tendência para a reorganização geral das grandes empresas.
Esta tendência tornou-se mais marcante e visível na última década. Hoje, são já evidentes os resultados de uma sociedade informacional com sucessivas deslocações do capital financeiro, gerando uma maior internacionalização do processo produtivo.
As consequências dessa orientação do capital financeiro, aparecem claramente na gestão em rede das empresas, que veio substituir a antiga gestão “fordista”.
Actualmente, a flexibilidade e a multifuncionalidade são apanágio das novas empresas em que os accionistas
anónimos emprestam ao capital financeiro uma estratégia mundialista neo-liberal que desfaz as veleidades autonómicas das burguesias dos estados-nação.
Nesta nova etapa da mundialização económico-social há também uma necessária reorganização territorial que se expressa nas propostas de metropolização urbanística e nas morfologias supra-modernistas e tecnicistas da arquitectura como símbolo de poder.
A globalização neo-liberal, ou seja, a nova etapa da mundialização capitalista dirigida pela nova coordenação internacionalista dos grandes monopólios que subalternizam a política ao interesse mercantil, pretende uma igualização massificadora de modos de vida, de “cultura” global e outros consumismos materiais. Nas grandes superfícies comerciais e nas grandes produções mediáticas de “enterteinment” passam modelos homogeneizadores desses modos de vida que pressupõem um pensamento único manipulador.
Contudo, à homogeneização mundialista das grandes empresas cada vez mais concentradas na mão de minorias, contrapõe-se a fragmentação do mundo cada vez mais desigual. Esse mundo desigual existe tanto no interior dos países de economia dominante como nos países de economia dominada por interesses externos.
Enquanto se concentram as riquezas em fracções cada vez mais restritas da população, aumentam os
marginalizados na sociedade. E, enquanto zonas geopolíticas esbanjam e ostentam cada vez mais riqueza,
aumenta o fosso da pobreza e destruição noutras áreas do globo, ainda que em cada uma dessas zonas se observem os mesmos antagonismos resultantes do conflito de interesses entre oprimido e opressor.
Os antagonismos essenciais da natureza injusta do capitalismo mantêm-se e agravam-se até, muito embora os mecanismos de regulação aparentem “resolver” os sintomas da crise larvar e estrutural da sociedade baseada na exploração e no lucro. Desloca-se a intensidade das crises mas não se resolvem os problemas que geram as crises.
A globalização neo-liberal não corresponde pois a uma solução estrutural da sociedade.
Apresenta-se como uma reformulação na gestão desses antagonismos estruturais. E, se em certos locais essessintomas de crise parecem estabilizar-se é porque noutros domínios a brecha está a agravar-se.
Uma das rupturas que mais se manifesta hoje, é gerada pelo antagonismo entre este modelo produtivo do
capitalismo (civilização baseada na exploração de energias fósseis e numa tecno-ciência poluitiva e destruidora de bens naturais) e a biosfera cujos recursos são limitados e cuja capacidade de reciclagem não se coaduna com a velocidade e a forma destruidora desse modelo urbano-tecnológico. Isto quer dizer que a tecnosfera esbanjadora e poluitiva está a deteriorar e a destruir a biosfera.
Face a esta tecnosfera imposta pela globalização neo-liberal surgem também oposições sociais que procuram globalmente uma alternativa.
Chamaremos “planetarização” à consciência ecológica cada vez mais alargada das populações face ao ritmo
destruidor dos ecosistemas, produzido pelo modelo civilizacional actual.
Esta planetarização constitui uma força cada vez mais presente nas aspirações das populações e será um factor de mobilização crescente contra o processo da globalização neo-liberal, transportando as aspirações mais significativas de mudança civilizacional.
Interessa porém que a sociedade consiga gerar alternativas ecotécnicas e ecotópicas que, articuladas e inseridas nas lutas cívicas dos que são explorados e dominados, revelem a vontade de realizar novas alternativas no território, criando-se, pela positiva, projectos credíveis e que apontem para um mundo melhor.
Para isso, é preciso cada vez mais que as lutas cívicas se traduzam em dispositivos topológicos alternativos às morfologias carcerais e alienantes do território actual.
É preciso que as escolas de arquitectura e urbanismo ultrapassem o ensino de propostas de carácter formalista.
São necessários projectos urbanísticos e arquitectónicos que não sejam apenas a expressão duma oratória formal ao discurso do poder.
É necessário que os técnicos e cientistas estabeleçam rupturas na tecno-ciência revelando alternativas ecotécnicas: protótipos de produção de energias alternativas, motores de energias renováveis, biotecnologias de reciclagem de lixos, etc.
É cada vez mais necessário que experiências exemplares irrompam, não como “guetos” utópicos mas como
experiências dinâmicas que ganhem, cada vez mais, largos sectores da população e exprimam experiências
exemplares de um outro modelo ecológico e solidário.
As eco-polis, as eco-aldeias, as cidades educadoras, são propostas já existentes que contêm ideias, realizações e estímulos para um processo-estratégia, que dê expressão a novas aspirações e que acabe com a resignação reinante da submissão à globalização neo-liberal que anda por aí à solta.
É uma evidência constatar a evolução do capitalismo e reconhecer a especificidade desta etapa.
Porém, a questão essencial é saber se é possível mudar a natureza do sistema:
a) Será que é possível desaparecer a exploração, dominação e as injustiças sociais que advêm desse modelo social?
b) Encontrou este modelo um processo de superação dos seus antagonismos, inerentes ao seu processo de funcionamento?
c) Qual é a capacidade de resposta dos grupos sociais explorados e dominados, em relação aos novos processos de economia transnacionalizada, na sua nova fase do capitalismo financeiro?
Resumindo, diremos que no estado actual, a etapa da globalização alargou a economia de mercado para uma fase cada vez mais gravosa em relação ao equilíbrio da biosfera. O valor de uso dos produtos tornou-se presa de interesses financeiros dominantes. O oligopolismo, ou seja, o capital financeiro sobrepôs-se à lógica de investimentos produtivos. A geopolítica do capital transnacionalizado impôs modelos sociais/militares e tecnológicos mundializados.
E a generalização da tecnologia produziu um antagonismo crescente em relação à biosfera.
Esse antagonismo crescente revela-se essencialmente pelo facto de que este modelo tecnológico funciona como uma predacção exterminadora dos bens planetários criando simultaneamente resíduos superiores à reciclagem de que dispõe a biosfera.
Os eco-sistemas são violentados pelo alargamento duma tecnologia produtora de esgotamento energético e
matérias -primas, ao mesmo tempo que gera lixos tóxicos.
A generalização desse antagonismo capitalismo versus natureza, acompanha e agrava outros antagonismos
essenciais. Cresce o fosso ente os grupos cada vez mais reduzidos, detentores do meios de dominação, produção e alienação e o resto da sociedade que, por sua vez, se decompõe em grupos sociais, uns integrados e outros excluídos.
Cresce o fosso entre regiões onde o crescimentos se realizou à custa da periferia despojada dos seus próprios meios naturais de subsistência.
Por outro lado, ocorrem antagonismos também entre os próprios detentores do capital porque a concentração e a concorrência inerente ao modelo acentua rivalidades em torno da conquista do poder dominante. A concentração faz-se através do aniquilamento dos mais fracos que têm de se sujeitar a essa geo-estratégia de concentração e de darwinismo social.
O modelo tecnológico, concentrado e baseado em energias fósseis, aparece com uma lógica de produtivismo quantitativo. Essa tecno-ciência mecanicista/positivista, constitui a trama essencial da produção dominante. Com efeito, dos transportes à agro-indústria, o modelo tecno-científico hegemoniza o tipo de crescimento da economia capitalista.
O sistema de ensino do Estado, privado ou empresarial, constitui um pilar de reprodução do próprio sistema. A socialização cultural é substituída pela institucionalização escolar manipulatória. Esses referentes paradigmáticos interferiram na estrutura cognitiva, criando e reflectindo uma concepção de ciência e de cultura. “Epistemes” são produzidas e reproduzidas nesta “grelha de interpretação” (1) que interessam à manutenção social.
A organização territorial consolida a integração social de maiorias e exclusão de minorias não adaptativas.
A concentração urbana caracteriza esse habitat alheado do eco-sistema. Mas a organização territorial desta fase de globalização tem gerado dispositivos topológicos (2) que constituem formas de integração e de dominação cada vez mais sofisticadas. A maquilhagem formal, a espectacularidade das edificações, escondem adestramentos comportamentais das populações e marcam com geo-estratégias complexas, a reprodução alargada da força de trabalho, o domínio manipulatório e/ou compulsivo de hábitos (3) de formas de vida e de consumo.


2. As sociedades tradicionais
Durante o processo da mundialização da economia capitalista, através das formas coloniais ou neo-coloniais, as sociedades tradicionais de economia de subsistência apresentaram, e apresentam ainda hoje, resistências à imposição desse modelo capitalista, social, tecnológico, territorial e educativo.
Essas sociedades tradicionais não têm actividades puramente económicas. A caça e a agricultura são actividadesfamiliares e comunitárias. Como refere Polanyi (4), os princípios dessas sociedades vernaculares são formas de reciprocidade que estabelecem um tecido de obrigações mútuas estreitando os laços entre os membros da comunidade.
A tecnologia e o habitat das sociedades vernaculares constituem as formas de estar duma sociedade em busca da auto-suficiência, que obedece às imposições do nicho ecológico em que a comunidade se insere
O processo colonial e neo-colonial instaurou-se pelo sistema tecnológico e pelos novos dispositivos territoriais. São estes elementos fortes que facilitam a “pilhagem” e produzem a catástrofe das populações nativas.
O habitat e a tecnologia tradicionais, não produziam esgotamento dos bens naturais. Os detritos eram reciclados pelo ecosistema local.
A transmissão de doenças era menos fatal nas comunidades isoladas do que em populações concentradas e em situações degradadas das aglomerações urbanas.
As relações de economia de mercado vieram acelerar a desintegração dos ecosistemas pois os valor de uso ao ser substituído por valor de troca, provocou a delapidação das florestas, aumentou a desertificação e intensificou processos de concorrência que levaram a conflitos étnicos e às guerras.
Ao estabelecermos estas constatações sobre as sociedades vernaculares não queremos, contudo, considerá-las isentas de limitações e portanto não é nosso ensejo apresentá-las como o paradigma alternativo ao modelo técnicocientífico do capitalismo.
As ideologias colonial e neo-colonial esforçaram-se em tecer juízos de valor sobre as sociedades vernaculares, querendo demonstrar a supremacia do modelo cultural e civilizacional dos países de economia dominante. Foi o pretexto para legitimarem a colonização. Foi e é o discurso ideológico dominante neo-colonial.
Quisemos caracterizar a situação das sociedades vernaculares mostrando como as sociedades colonizadoras, contribuíram para o desequilíbrio entre o homem e a biosfera.
O que se pretende nesta comunicação é formular uma decifração ecológica dos paradigmas entre essas
sociedades, que ultrapasse a mera análise “económica”. Por isso formular uma alternativa significa ultrapassar os quadros referenciais do paradigma científico e moderno. Significa também ultrapassar antigos paradigmas em que a sujeição da humanidade ao envolvimento ecosistémico era quase total.
Ultrapassar a atitude destruidora do modelo capitalista e ultrapassar a atitude adaptativa do modelo de sociedade tradicional é o desafio que se põe para a formulação dum paradigma futurante.


3. Um paradigma emergente
Entre destruição e sujeição existe a possibilidade de uma sociedade capaz de integrar os ecosistemas de um
modo activo, de maneira a tornar mais conscientes as relações dos homens com os seres vivos e com o biótopo.
O alargamento da consciência planetária, o aparecimento de propostas ecotécnicas (energias renováveis e uma produção com resíduos recicláveis) e ainda o surgimento das novas formas de organização territorial
ecologicamente sustentada, permitem apontar como possível, esta “utopia” social, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado. Mas só uma mudança estrutural e participada pode conduzir a uma alternativa substantiva.
Com o advento da teoria ecológica, reformulam-se os quadros da ciência positivista e das ideologias sociais.
Reencontramos proximidades entre a geocosmogonia mágica nativista e as revelações duma complexidade
holística da teoria ecológica. Mas há diferenças qualitativas no alargamento da consciência planetária e na
capacidade de controlo da humanidade para o equilíbrio ou desequilíbrio entre a organização social e a biosfera.
Se, através da tecnociência se conseguiram autênticos massacres na biosfera, criando a poluição generalizada, a devastação das florestas, a desertificação dos solos, a contaminação das águas, a partir da investigação ecotécnica é possível a produção de protótipos de energias renováveis que não esgotem os bens naturais nem poluam o planeta.
A evolução do conhecimento nas ciências do território, permite a implantação de novos habitats integrados no ecosistema.
O habitat, território, desenvolvimento, agro-ecologia, ecotécnica, produção e reciclagem, são corolários sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado.
É nesta configuração territorial e com estes novos dispositivos eco-tecnológicos que se podem propiciar novos comportamentos e atitudes solidárias mais consentâneas com as aspirações de justiça social.
Estes lugares matriciais podem assim, facilitar uma socialização solidária, uma eco-territorialização e uma ecotécnica imprescindíveis para a concretização desta utopia realizável.
Esta utopia não é um “modelo”. É um processo de mudança alternativa à sociedade tradicional de subsistência e à sociedade de globalização do capitalismo neo-liberal.
No terreno prático, o que se pretende, neste artigo, é defender o eco-desenvolvimento (6) como alternativa para qualquer das sociedades. Trata-se duma opção tecnológica e territorial ecologicamente sustentável que possa auferir da experiência prática, teórica e científica da humanidade.


4. Génese e alargamento da consciência ecológica e das propostas de ecodesenvolvimento – impasses e esperanças
Dos anos 60 aos anos 90 abriram-se numerosas críticas ao modelo civilizacional pois surgiram numerosas lutas ecológicas contra as poluições globais do crescimento económico-capitalista que cada vez mais tornava esta sociedade numa “sociedade de risco”.
1. Os acidentes com as indústrias químicas de Seveso até Chernobyl, trouxeram com clareza o carácter predador das opções técnicas;
2. O relatório do Clube de Roma mostrou os limites do planeta face aos gastos exponenciais dos bens
naturais por um sistema baseado nas energias fósseis e uso de materiais contaminantes;
3. O agrónomo René Dumont revelou os efeitos destruidores da agro-indústria sobre os solos. A
desertificação e o ataque contra a biodiversidade constituíram novas preocupações do movimento ecologista cada vez mais interveniente;
4. Lewis Mumford e Jacques Elul denunciaram a ilusão sobre as técnicas neutras e apelaram para uma ecotécnica em oposição a uma tecnociência, ideologismo cientifista da insustentabilidade social, do capitalismo neo-liberal com o seu industrialismo e produtivismo predatório.
Muitos foram os ecologistas que contribuíram para a crítica da megapolis energetívora e poluidora, consolidando assim, ao longo de vários anos, os fundamentos essenciais para uma ecosofia que revelava um pensamento novo que já nada tinha a ver com o “cartesianismo”.
Edgar Morin em “La Méthode” apresentava, durante a década de 80/90 os prolegómenos duma nova maneira de pensar em que o analitismo, o causalismo linear e mecanicista e o universalismo hipostasiado davam lugar a uma teoria da complexidade, da sistémica e da dialógica. A partir desses enunciados era possível pensar-se no “metabolismo circular dos ecosistemas”, que tornava muito mais fecundo o estudo da natureza e da sociedade.
Nicolas Georges Roegen, René Passet e Ignaz Sachs revelavam a necessidade de pensar a economia global como ecologia. Isto é um salto epistemológico que a maior parte dos economistas ainda não conseguiu ultrapassar. A concepção corporativa e excessivamente disciplinar da economia académica, impede a compreensão holística da biosfera e dificulta o entendimento sobre a complexidade dos fenómenos sócio-ecológicos e a sistémica necessáriapara o tratamento interdisciplinar do conhecimento.
A biosfera deverá tornar-se assim o centro das preocupações sociais transformando a concepção mecanicista do saber numa concepção ecosistémica.
Esta nova filosofia política, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado, mostra a gravidade da noção de crescimento produtivista.
Face ao crescimento dissipador, centrado no esgotamento das energias fósseis e na contaminação dos bens
naturais e na exclusão social, surgem agora autores que, como Serge Latouche, (7) Pierre Rabhi (8) e Pierre Jacquard, defendem o decrescimento sustentável.
Com efeito, o crescimento deu origem a excessos de destruição tão gravosos que exigem para a preservação da biosfera, acções imediatas que evitem o seu esbanjamento mortífero.
Em algumas das cimeiras mundiais surgiram mudanças significativas no paradigma filosófico e técnico-científico dos últimos anos, face aos problemas suscitados pelas guerras, pela segregação social, pela pobreza agravada nas sociedades periféricas e pelo aumento das poluições globais e esgotamento dos bens do planeta.
Perante estes fenómenos foi criado, desde 1972 pela conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, um programa para o desenvolvimento e o ambiente.
O passo decisivo na estratégia desse desenvolvimento social em relação à biosfera foi a publicação do conhecido relatório de Brundtland. (1987) (9)
Aí se defendem com clareza, os princípios do “desenvolvimento durável” ou seja “um desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”.
Esta declaração consagrou assim a consciência ecológica como fundamental na nova forma essencial de pensar a economia. Com efeito, o desenvolvimento ecologicamente sustentável substituiu-se ao conceito de crescimento quantitativo, baseado numa visão causal e mecanicista de factores duma realidade fragmentária, sem levar em conta os eco-sistemas em que se inserem as sociedades.
A partir do desenvolvimento ecologicamente sustentado, ou seja da concepção de desenvolvimento durável,
implícito no relatório Brundtland, o desenvolvimento implica:
a) fim do esgotamento energético e dos bens naturais essenciais, graças a uma estratégia de substituição
pelas energias renováveis e materiais recicláveis;
b) fim da contaminação do planeta pela eliminação dos resíduos tóxicos e radioactivos, graças a uma
mudança de produção não poluitiva e também reduzindo e reciclando os lixos biodegradáveis, factores
regenerativos da vida e necessários ao próprio desenvolvimento.
Esta concepção introduziu assim uma nova maneira de pensar em que a complexidade eco-sistémica impõe uma relação circular entre sociedade e território e uma organização dum desenvolvimento integrado e auto-regenerativo ultrapassando a rigidez mecânica duma lógica de causalismo linear.
Isto implica relações antrópicas conscientes com o meio, em que o homem e a natureza são a mesma realidade essencial. Assim, dadas as suas relações simbióticas, qualquer ecocídio é também suicídio.
Surge portanto uma concepção emergente onde o ecosistema aparece como matricial a qualquer abordagem. A economia e o desenvolvimento pressupõem a biosfera como processo global intrínseco a qualquer reflexão teórica.
Por isso, a realidade geo-bio-social impede disciplinas fragmentárias e impõe cada vez mais aproximações
transdisciplinares.(10)
A poluição e o esgotamento não são disfunções ou inevitabilidades. Nesta nova atitude, a economia identifica-se com ecologia pois os objectivos da gestão nas relações humanas se identificam com os objectivos da preservação da biosfera. (11)
Estes pontos de vista começaram a ser explicitados na conferência do Rio em 1992, que adoptou uma série de medidas que constituem a Agenda 21.
Esse relatório levou também à criação da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
Cinco anos mais tarde, na 2ª Cimeira do Rio, houve uma reavaliação que veio insistir sobre a necessidade de levar à prática as decisões anunciadas.
Mau grado alguns insucessos como a não aceitação por parte dos E.U.A. do protocolo sobre as alterações
climáticas em Kioto, em 1999, as ideias do ecodesenvolvimento têm vindo a encontrar cada vez mais apoios.
Esta filosofia constitui o ponto de vista decisivo nas contestações dos movimentos sociais contra a globalização
hegemónica, em que “globalizar” afinal se restringe a privatizar os interesses lucrativos duma minoria financeira.
A Cimeira de Joanesburgo revelou o impasse entre os discursos e as práticas políticas. As aspirações que se foram consolidando nessas cimeiras mundiais, sobre o desenvolvimento e o ambiente, defendidas por uma cada vez maior frente de cidadãos, poderiam fazer surgir novas alternativas face ao esgotamento e à contaminação planetária. Este é o grande desafio que se coloca, em especial, em África.
A África é o continente mais vitimizado pelo tipo de crescimento que, na sua forma colonial e capitalista, levou a uma maior exploração e dominação que provocou esgotamento e contaminação.
Com efeito, a escravatura e o saque a que os povos africanos foram submetidos, continuam hoje através de outras formas desumanas como as guerras, a desertificação, a destruição das biodiversidades, a corrupção e as ditaduras militares.
Os povos do Continente Africano têm, na sua experiência de vida, a prova de que o tipo de crescimento praticado até agora, só agravou o fosso entre os países do centro e os países periféricos.
- A importação político-económica de modelos ocidentais ou europeus, agravou o desenvolvimento
desigual.(12)
- A generalização da tecno-ciência hegemónica criou dependências e em muitos casos destruiu o ecosistema
agro-pecuário, desertificando e desflorestando.(13)
- Miséria, exclusão e doença das populações deslocadas e depois concentradas em peri-urbanizações infrahumanas forçadas, são o retrato dramático de largas camadas sociais do Continente Africano.
- Destruição da identidade e valores culturais que causou deslocações massivas de populações e o
genocídio de milhões de seres humanos.
Nestes últimos 40 anos, a África experimentou várias propostas de “desenvolvimento”, dentro dum mesmo modelo de crescimento. Exemplos:
- Em 1979 a proposta estratégica de Monrovia;
- Em 1980 o plano de acção de Lagos;
- Em 1988 a declaração de Khartoum;
- Em 1990 a Carta Africana para a participação popular africana;
Mas os resultados dessas experiências são nulos porque são variantes dum modelo esgotado.
Contudo, recentemente alguns teóricos africanos (14) defendem a necessidade de mudar de paradigma e não
prosseguir com experiências baseadas nos pressupostos anteriores, que resultam duma ideologia em que se
pretende alcançar o nível de crescimento dos países de economia dominante e usufruindo do modo de vida e tipo de consumos da civilização ocidental.
Porém, para Samir Amin e Dembélé, o essencial é romper com esses modelos de bens de consumo, com padrões sócio-culturais, com processos tecno-científicos duma tecnologia sofisticada e não apropriável, próprias ao capitalismo e ao modelo urbano-industrial ocidental.
Trata-se de romper com modelos de organização territorial que criam dispositivos estratégicos de reprodução desses modelos sociais.
Nesta perspectiva, a estratégia de desenvolvimento seria a de:
. promover um esforço de formação em que o ecodesenvolvimento em diálogo com a mundividência cultural
africana, fossem uma sequência científica à cosmovisão panteísta endógena, das sociedades tradicionais, o
chamado “parentesco cósmico”.
. promover um desenvolvimento de consumos que fossem resultantes dos próprios recursos africanos, ou seja a defesa da autonomia e cooperação solidária.
. promover a generalização de tecnologias apropriáveis numa concepção eco-técnica que “modernizasse” as
tecnologias endógenas e se adoptassem as energias renováveis.
Todo o processo de ecodesenvolvimento consistiria pois numa reconversão através de etapas de transição de modo a que a mais breve prazo, a estratégia do modelo imposto pela colonização e continuado pelas sucessivas etapas duma mundialização de referência ao modelo ocidental, fosse substituído pela descentralização de ecoindústrias, de micro-empresas instaladas em eco-aldeias onde se promovesse uma gestão democrática assente na prioridade dos recursos naturais e locais, em busca de uma autonomia colectiva da África, assente nas suas próprias forças.
Esta perspectiva, que já teve algumas expressões em contextos políticos específicos e através de formas diversas, como por exemplo as tentativas de Sankara, em Burkina Fasso, as realizações de Nyerera, na Tanzânia e algumas experiências pontuais, existentes em vários países africanos, constituem ainda motivo de reflexão e balanço.
Estas experiências de desenvolvimento ecologicamente sustentado e que implicavam uma participação massiva das populações, não pode ser lida como auto-penalização face a uma pretensa e necessária industrialização.
Trata-se de experiências pioneiras duma opção política alternativa ao paradigma ocidentalizado.
O desenvolvimento ecologicamente sustentado pode, agora, face ao novo contexto mundial, contribuir para um desenvolvimento social em busca de uma nova alternativa civilizacional.
A África tem, nesse campo, enormes potencialidades:
- Uma cultura de um pensamento filosófico, próxima de uma cosmovisão ecológica;
- Uma riqueza de bens naturais e fontes de energias renováveis, capazes de auto-suficiência;
- Uma menor “poluição” material e cultural do modelo urbano-industrial nas populações.
Contudo, tem também acentuadas fragilidades:
a) Será que a geopolítica da globalização hegemónica permitirá uma opção política aos países africanos, no
sentido duma mudança de paradigma?
b) Será que os dirigentes políticos africanos são capazes de abandonar os modelos interiorizados, do crescimento e dos consumos da sociedade ocidental?
c) Será que a sociedade civil africana é mobilizável para a criação de uma alternativa contra a globalização
neo-liberal através do desenvolvimento ecologicamente sustentável?
É importante constatar que muitas populações, no continente africano, face ao falhanço do modelo agro-industrial e de crescimento económico neo-liberal, estão procurando a sua sobrevivência em formas de retradicionalismo ou da chamada economia informal. Estas expressões reactivas da população são manifestações do impasse gerado pelas políticas erradas de muitos governos africanos, que reproduzem modelos comprovadamente inadequados.
Seria interessante estudar até que ponto é que estas expressões reactivas, ligadas à sobrevivência das
populações, poderiam transformar-se em modelos alternativos, gerando assim uma estratégia de desenvolvimento ecologicamente sustentado, baseado na produção local, na troca directa, nas energias renováveis e em ecotecnologias apropriáveis.
O altero mundialismo pode entender-se como uma proposta, como um movimento a várias vozes, plataforma dum processo complexo que pretenda expressar uma tendência de esperança de que um mundo melhor é possível.
É uma utopia de esperança que se opõe a uma utopia de morte, expressa pelo capitalismo neo-liberal com os mecanismos predadores e simultaneamente autofágicos pois é cada vez mais evidente que o ecocídio deste modelo hegemónico ao esgotar e contaminar a natureza é suicidário.
Esta civilização da insustentabilidade tem três pilares de base:
1. A energia do petróleo – centro da opção do modelo mecanicista;
2. A máquina empresarial – modelo do metabolismo linear, esgotável e contaminador;
3. O militarismo resultante do desenvolvimento social;
Este tipo de civilização levou-nos à seguinte constatação descrita por Ervin Laszlo(15):
· O grupo social dos ricos, que são 20% da população, vive com 84% dos bens disponíveis;
· O grupo social dos pobres, que são 80% da população, vive apenas com 16% dos bens disponíveis.
Para mostrar o fim das ilusões provenientes desta “distopia” Laszlo diz-nos ainda:
“Se os consumos médios americanos ou até mesmo europeus fossem generalizados ao resto das populações do mundo, seriam necessários 2 planetas Terra, em 2020, para fornecer bens necessários para todo o consumo exponencial”.
Em todo o caso é cada vez mais claro que um movimento planetário é necessário. E que os pressupostos para a salvação do planeta e da humanidade são imprescindíveis em todos os lugares.
O movimento altero mundialista é um processo estratégico pilotando a experiência de práticas sociais e reflexões teóricas na acção comunicativa dos sujeitos activos que lutam contra a utopia de morte que descrevemos e das tendências letais que a caracterizam:
1. pensamento único;
2. máquina empresarial esgotante e contaminadora;
3. sociedade de consumo;
4. darwinismo social;
5. crescimento em vez de desenvolvimento
O altero mundialismo não é uma ideologia escatológica com “modelos feitos”. É um processo dinâmico que faz apelo à “insurreição das consciências” para que possa surgir uma utopia de esperança baseada numa outra forma de pensar, o pensamento ecologizado ou eco-sofia, o desenvolvimento durável para o planeta possa subsistir e permitir bens naturais capazes de satisfazer com justiça a necessidade desta e das gerações vindouras.
O altero mundialismo é um apelo e pressupõe múltiplas frentes de luta, vários modos de acção que vão do autodesenvolvimento ao desenvolvimento social na perspectiva de ecodesenvolvimento.
A defesa do bem público passa por inúmeras experiências exemplares:
1. formas de ensino;
2. práticas escolares inovadoras nas instituições existentes ou em escolas alternativas;
3. associações urbanas ou rurais;
4. formas solidárias de bioconstrução em eco-aldeias ou eco-bairros;
5. utilização de energias renováveis com ecotecnologias apropriáveis
6. dispositivos ecotécnicos e de reciclagem;
Não existem “modelos” acabados, existem experiências dinâmicas que permitem demonstrar, informar e formar de modo a que na multiplicidade cultural e numa acção comunicativa, se desenvolvam processos criativos e alternativos ao paradigma dominante.
Da crítica teórica à praxis crítica um conjunto de acções exemplares poderá florescer. São inúmeras as propostas de realização, as experiências exemplares em múltiplas tácticas que evoluem, se esgotam ou se metamorfoseiam dando lugar a um paradigma emergente cada vez mais capaz de mudanças e até rupturas de modo a que entre a dialógica e o antagonismo, o mundo da paz, a esperança e solidariedade se sobreponham à distopia de morte /exploração e dominação.
Nesta marcha alargada de cidadãos não existem catecismos de verdades feitas. Porém este movimento, que
avança com as diferenças como factor de criação, deve reforçar-se com métodos pacíficos, desobediência civil e apelo à inssureição da consciência, tal como defenderam Gandhi, Martin Luther King, Lanza del Vasto e Pierre Rabhi, visando um processo implosivo, uma metamorfose anímico-espiritual para que o caminho seja a paz. Pois como diz Thiech Nath Hahn, “Não há caminho para a Paz. A Paz é o caminho”


Bibliografia 
1 Wallace, A.F.C. “Culture and Personality”, 1963, Ed. Rondon House, N.Y.
2 Foucault, Michel, « Surveiller et Punir », 1976, Ed. Gallimard, Paris
3 Bourdieu-Passeron, “Les Heretiers”, 1964, Ed. Minuit, Paris
4 Polanyi, K. “The Great Transformation”, 1980, N.Y.
5 Goldsmith, Edouard “Desafio ecológico”, 1995, Ed. Inst. Piaget
6 Sachs, Ignacy, “Norte-Sul: Confronto ou Cooperação?” in “Estado do Ambiente no Mundo”,
   1995, Ed. Inst. Piaget
7 Latouche, Serge «Survivre au Développement», Ed. Mille et une nuits, Paris, 2004
8 Rabhi, Pierre “Un Oasis en tous les lieux”, Ed. Terre Humanisme
9 Brundtland – Our common future, United Nations, 1987
10 Morin, Edgar – La Méthode, Seuil, 1980; Introduction à la pensée complexe, ESF,1990
11 Passet, René – L’ilusion neo-liberal, Ed. Fayard, Paris, 2000 ; eloge du Mondialisme,
     Ed. Fayard, Paris, 2001
12 Amin, Samir – L’Eurocentrisme, critique d’une ideologie, 1999
     “Imperialismo e Desenvolvimento Desigual”, 1998, Ed. Ulmeiro
     “Eurocentrismo”, 1999, Ed. Dinossauro
     “Desafios da Mundialização”, 2001, Ed. Dinossauro
13 Dumont, René – Pour l’Afrique, j’accuse, Lib.Plon, 1986
14 Dembéle, Demba Moussa – Le financement du développement et ses alternatives, in
     Et si l’Afrique refusait le marché ?, Ed. Harmattam, Paris 2001
15 Laszlo, Ervin “Tú puedes cambiar el mundo”, Col. Club de Budapest, Ed. Nowtilus
     saber, 2004
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ECOLOGIA E CONSTRUÇÃO
(in Revista Pedra & Cal, nº25, 2005)


No actual modelo civilizacional, que tem o petróleo como principal fonte de energia, a construção de edifícios é a maior indústria responsável pelo esgotamento do planeta e é também a que provoca uma maior contaminação.
O esgotamento e a poluição resultantes do uso da água, a poluição resultante do uso do petróleo, a poluição de todos os resíduos resultantes da construção são responsáveis por muitas das poluições globais (efeito de estufa, mudança climática, chuvas ácidas, etc).
O relatório “Handbook of Sustainable Building”, 1996, Ed. James & James, London, refere que 40% dos gastos de energia são utilizados na construção e 40% da poluição resulta da indústria de construção.
O consumo mundial da energia aparece assim distribuído: metade da energia é gasta na construção, ¼ nos transportes e ¼ na indústria.
A consciência ecológica parece ter acordado mais depressa no que diz respeito ao esgotamento e poluição resultantes da opção feita pelos transportes e pela indústria. Só raramente se colocam problemas ecológicos sobre a opção adoptada no tipo de construção. Assim, só muito recentemente surgiram programas europeus que apelam para uma mudança nos materiais, nos processos construtivos e no método de funcionamento (bioclima, gestão controlada e uso de energias renováveis).
O programa francês HQE (Haute Qualité Ambientale - Alta Qualidade Ambiental) está essencialmente a ser usado nas construções públicas especialmente ligadas ao sector educacional.
Na Europa, é na Holanda que se verifica uma maior aplicação dum “método de preferência ambiental” e só apenas agora se avança com o projecto de lançar o programa Thermic, a desenvolver por toda a comunidade europeia no que diz respeito aos métodos de construção, aos materiais utilizados, às opções energéticas na manutenção climática dos edifícios.
As opções construtivas em Portugal e sobretudo a política energética defendida, colocam o nosso país numa situação calamitosa quando em muitos aspectos, Portugal tem as melhores condições para uma outra política energética, baseada em energias renováveis (vento, sol, hídrica, biomassa, etc.). Era de todo o interesse o uso de materiais naturais e saudáveis, biodegradáveis, através de novas tecnologias de construção e processos ecológicos de funcionamento energético e de gestão bioclimática.
Começa agora a falar-se na necessidade de se empreenderem grandes mudanças na produção energética. O Ministério do Ambiente refere uma meta: 40% de produção de energias renováveis no consumo para 2010.
Mas há ainda que analisar a questão do esbanjamento energético e a problemática da utilização de materiais poluentes nas construções em Portugal.
É assim urgente uma mudança no ensino da arquitectura e na formação profissional dos quadros ligados à construção civil e às indústrias dos materiais de construção assim como uma renovação das estruturas empresariais.
Em grandes linhas de força vamos definir um programa estratégico essencial:
1- As faculdades de arquitectura terão de iniciar um debate estratégico de desenvolvimento elegendo outros “modelos” de arquitectura que não serão necessariamente os modelos hegemónicos. A crítica da crítica da arquitectura não se pode desenvolver a partir de aspectos formais. Interessam conceitos que permitam mostrar outras arquitecturas e outras cidades centradas numa perspectiva de desenvolvimento ecologicamente sustentado. Em vez do debate ficar centrado nos gestos estéticos formais, é preciso articular estética e ética e revelar uma forma de habitar diferente, i.e. mais integrada na renovabilidade energética e na biodegradabilidade.
No fundo, a questão central do ensino da arquitectura e do urbanismo é substituir o modelo-máquina pelo modelo-ecosistema.
2- Pontos de urbanização assentes numa malha policêntrica de pólos urbanos e de sistemas de produção energética descentralizados e renováveis: Biodepuradoras; mini-centrais multi-energéticas (aplicação simultânea de eólicas, colectores solares, biogás, etc)
3- Renaturalização da actual paisagem urbana para que a bioclimatização seja realizável. Através de jardins biodepuradores, corredores verdes, bosques, hortas e agricultura biológica urbana articulados com a bioconstrução, desenvolver-se-ão os traços fundamentais do eco-urbanismo. A escolha dos materiais de construção é importante. Em vez de betão ou cimento, em exclusividade, pode apostar-se na construção em madeira, cânhamo, aglomerados de bambú, etc
4- É também necessário complementar esta eco-pólis com eco-transportes;
5- Estas inovações na arquitectura têm que se inserir numa óptica geral de paisagem como bem público. Daí que os planos para um território devam ser pensados em termos de ecosistemas, para uma melhor distribuição e utilização das águas e das fontes de energias renováveis. O policentrismo urbano impõe-se ao desenvolvimento.
Através de um religar de conhecimentos, as universidades deveriam trabalhar no sentido de explicitar uma realidade eco-territorial articulada com os conteúdos sociais e políticos do ecodesenvolvimento que impõe uma nova forma de pensar.
Essa forma de pensar e a eco-filosofia ou eco-sofia, exigem novos comportamentos.


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ÁFRICA E O DESENVOLVIMENTO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL
(in Cadernos de Economia, nº 60, 2002)


Realiza-se na África do Sul, em Joanesburgo, de 26 de Agosto a 4 de Setembro de 2002, mais uma cimeira sobre ambiente e desenvolvimento.
Trata-se de mais um momento histórico para a comunidade mundial discutir sobre “o nosso futuro comum”.
Será uma reflexão e avaliação sobre o que tem sido o modelo hegemónico de crescimento?
Em algumas das cimeiras mundiais anteriores surgiram mudanças significativas no paradigma filosófico e técnico-científico dos últimos anos, face aos problemas suscitados pelas guerras, pela segregação social, pela pobreza agravada nas sociedades periféricas e pelo aumento das poluições globais e esgotamento dos bens do planeta.
Perante estes fenómenos foi criado, desde 1972 pela conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, um programa para o desenvolvimento e o ambiente.
O passo decisivo na estratégia desse desenvolvimento social em relação à biosfera foi a publicação do conhecido relatório de Brundtland. (1987) (1)
Aí se defendem com clareza, os princípios do “desenvolvimento durável” ou seja “um desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”.
Esta declaração consagrou assim a consciência ecológica como fundamental na nova forma essencial de pensar a economia. Com efeito, o desenvolvimento ecologicamente sustentável substituiu-se ao conceito de crescimento quantitativo, baseado numa visão causal e mecanicista de factores duma realidade fragmentária, sem levar em conta os eco-sistemas em que se inserem as sociedades.
A partir do desenvolvimento ecologicamente sustentado, ou seja da concepção de desenvolvimento durável, implícito no relatório Brundtland, o desenvolvimento implica:
a) fim do esgotamento energético e dos bens naturais essenciais, graças a uma estratégia de substituição pelas energias renováveis e materiais recicláveis;
b) fim da contaminação do planeta pela eliminação dos resíduos tóxicos e radioactivos, graças a uma mudança de produção não poluitiva e também reduzindo e reciclando os lixos biodegradáveis, factores regenerativos da vida e necessários ao próprio desenvolvimento.
Esta concepção introduziu assim uma nova maneira de pensar em que a complexidade eco-sistémica impõe uma relação circular entre sociedade e território e uma organização dum desenvolvimento integrado e auto-regenerativo ultrapassando a rigidez mecânica duma lógica de causalismo linear.
Isto implica relações antrópicas conscientes com o meio, em que o homem e a natureza são a mesma realidade essencial. Assim, dadas as suas relações simbióticas, qualquer ecocídio é também suicídio.
Surge portanto uma concepção emergente onde o ecosistema aparece como matricial a qualquer abordagem. A economia e o desenvolvimento pressupõem a biosfera como processo global intrínseco a qualquer reflexão teórica.
Por isso, a realidade geo-bio-social impede disciplinas fragmentárias e impõe cada vez mais aproximações transdisciplinares (Morin, 1980, 1990) (2).
A poluição e o esgotamento não são disfunções ou inevitabilidades. A economia identifica-se com ecologia pois os objectivos da gestão nas relações humanas se identificam com os objectivos da preservação da biosfera (René Passet, 2000-2001) (3).
Estes pontos de vista começaram a ser explicitados na conferência do Rio em 1992, que adoptou uma série de medidas que constituem a Agenda 21.
Esse relatório levou também à criação da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
Cinco anos mais tarde, na 2ª Cimeira do Rio, houve uma reavaliação que veio insistir sobre a necessidade de levar à prática as decisões anunciadas.
Mau grado alguns insucessos como a não aceitação por parte dos E.U.A. do protocolo sobre as alterações climáticas em Kioto, em 1999, as ideias do ecodesenvolvimento têm vindo a encontrar cada vez mais apoios.
Esta filosofia constitui o ponto de vista decisivo nas contestações dos movimentos sociais contra a globalização hegemónica, em que “globalizar” afinal se restringe a privatizar os interesses lucrativos duma minoria financeira.
Se a Cimeira de Joanesburgo tomar em consideração todos estes pressupostos que se foram consolidando nessas cimeiras mundiais, sobre o desenvolvimento e o ambiente e se tiverem em conta a problemática do ecodesenvolvimento, defendida por uma cada vez maior frente de cidadãos, então podem surgir novas alternativas face ao esgotamento e à contaminação planetária. Este é também um grande desafio que se coloca, em especial, em África.
A África é o continente mais vitimizado pelo tipo de crescimento que, na sua forma colonial e capitalista, levou a uma maior exploração e dominação que provocou esgotamento e contaminação.
Com efeito, a escravatura e o saque a que os povos africanos foram submetidos, continuam hoje através de outras formas desumanas como as guerras, a desertificação, a destruição das biodiversidades, a corrupção e as ditaduras militares.
Os povos do Continente Africano têm, na sua experiência de vida, a prova de que o tipo de crescimento praticado até agora, só agravou o fosso entre os países do centro e os países periféricos.
- A importação político-económica de modelos ocidentais ou europeus, agravou o desenvolvimento desigual (Samir Amin, 1999) (4).
- A generalização da tecno-ciência hegemónica criou dependências e em muitos casos destruiu o eco-sistema agro-pecuário, desertificando e desflorestando (René Dumont, 1986) (5).
- Miséria, exclusão e doença das populações deslocadas e depois concentradas em peri-urbanizações infra-humanas forçadas, são o retrato dramático de largas camadas sociais do Continente Africano.
- Destruição da identidade e valores culturais que causou deslocações massivas de populações e o genocídio de milhões de seres humanos.
Nestes últimos 40 anos, a África experimentou várias propostas de “desenvolvimento”, dentro dum mesmo modelo de crescimento. Exemplos:
- Em 1979 a proposta estratégica de Monrovia;
- Em 1980 o plano de acção de Lagos;
- Em 1988 a declaração de Khartoum;
- Em 1990 a Carta Africana para a participação popular africana;
Mas os resultados dessas experiências são nulos porque são variantes dum modelo esgotado.
Contudo, recentemente, alguns teóricos africanos (Samir Amin e Demba Moussa Dembélé, 2001) (6) defendem a necessidade de mudar de paradigma e não prosseguir com experiências baseadas nos pressupostos anteriores, que resultam duma ideologia em que se pretende alcançar o nível de crescimento dos países de economia dominante e usufruindo do modo de vida e tipo de consumos da civilização ocidental.
Porém, para Samir Amin e Dembélé, o essencial é romper com esses modelos de bens de consumo, com padrões sócio-culturais, com processos tecno-científicos duma tecnologia sofisticada e não apropriável, próprias ao capitalismo e ao modelo urbano-industrial ocidental.
Trata-se de romper com modelos de organização territorial que criam dispositivos estratégicos de reprodução desses modelos sociais.
Nesta perspectiva, a estratégia de desenvolvimento seria a de:
. promover um esforço de formação em que o ecodesenvolvimento em diálogo com a mundividência cultural africana, fossem uma sequência científica à cosmovisão panteísta endógena, das sociedades tradicionais.
. promover um desenvolvimento de consumos que fossem resultantes dos próprios recursos africanos;
. promover a generalização de tecnologias apropriáveis numa concepção eco-técnica que “modernizasse” as tecnlogias endógenas e se adoptassem as energias renováveis.
Todo o processo de ecodesenvolvimento consistiria pois numa reconversão através de etapas de transição de modo a que a mais breve prazo, a estratégia do modelo imposto pela colonização e continuado pelas sucessivas etapas duma mundialização de referência ao modelo ocidental, fosse substituído pela descentralização de eco-indústrias, de micro-empresas instaladas em eco-aldeias onde se promovesse uma gestão democrática assente na prioridade dos recursos naturais e locais, em busca de uma autonomia colectiva da África, assente nas suas próprias forças.
Esta perspectiva, que já teve algumas expressões em contextos políticos específicos e através de formas diversas, como por exemplo as tentativas de Sankara, em Burkina Fasso, as realizações de Nyerera, na Tanzânia e algumas experiências pontuais, existentes em vários países africanos, constituem ainda motivo de reflexão e balanço.
Estas experiências de desenvolvimento ecologicamente sustentado e que implicavam uma participação massiva das populações, não pode ser lida como auto-penalização romântica face a uma pretensa e necessária industrialização.
Trata-se de experiências pioneiras duma opção política alternativa ao paradigma ocidentalizado.
O desenvolvimento ecologicamente sustentado pode, agora, face ao novo contexto mundial, contribuir para um desenvolvimento social em busca de uma nova alternativa civilizacional. A África tem, nesse campo, enormes potencialidades:
- Uma cultura de um pensamento filosófico, próxima de uma cosmovisão ecológica;
- Uma riqueza de bens naturais e fontes de energias renováveis, capazes de auto-suficiência;
- Uma menor “poluição” material e cultural do modelo urbano-industrial nas populações.
Contudo, tem também acentuadas fragilidades:
a) Será que a geopolítica da globalização hegemónica permitirá uma opção política aos países africanos, no sentido duma mudança de paradigma?
b) Será que os dirigentes políticos africanos são capazes de abandonar os modelos interiorizados, do crescimento e dos consumos da sociedade ocidental?
c) Será que a sociedade civil africana é mobilizável para a criação de uma alternativa contra a globalização neo-liberal através do desenvolvimento ecologicamente sustentável?


Bibliografia
(1) Brundtland – Our common future, United Nations, 1987
(2) Morin, Edgar – La Méthode, Seuil, 1980; Introduction à la pensée complexe, ESF,1990
(3) Passet, René – L’ilusion neo-liberal, Ed. Fayard, Paris, 2000 ; eloge du Mondialisme, Ed. Fayard, Paris, 2001
(4) Amin, Samir – L’Eurocentrisme, critique d’une ideologie, 1999
(5) Dumont, René – Pour l’Afrique, j’accuse, Lib.Plon, 1986
(6) Dembéle, Demba Moussa – Le financement du développement et ses alternatives, in Et si l’Afrique refuait le marché ?, Ed. Harmattam, Paris 2001
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ÁFRICA - QUE DESENVOLVIMENTO?
(in Revista Africana Studia, nº 10, 2007)


A Mudança de Problemática em Relação às Mudanças de Paradigma
O paradigma epistemológico dominante é hoje caracterizado pela cosmovisão newtoniana do pensamento ocidental, que introduziu um olhar mecânico sobre a natureza e sobre a ciência em geral.
Um outro processo “tecno-civilizacional”, como referiu Mumford (1), traduziu o uso de novas energias e novas tecnologias (tecnosfera), expressou uma organização social com novas formas de poder (sociosfera) e revelou novas concepções do mundo (noosfera).
O mundo da técnica tornou-se cada vez mais elaborado, sendo a sua apropriação cada vez mais restrita aos especialistas.
As energias naturais (a água, o vento, a tracção animal) deram lugar às energias fósseis. E a maquinaria, cada vez mais complexa, passou dos utensílios mecânicos iniciais ao motor a vapor e do motor a vapor aos motores de explosão.
Uma nova organização social gerou mudanças que vieram a inculcar a noção de progresso. E daqui se extrapolou a ideia de uma relação entre progresso técnico e progresso social.
Assim, ao longo do processo histórico, surgiram comparações e avaliações entre os vários modos de produção ou, como outros preferem, entre diferentes paradigmas. A avaliação comparativa desses modelos tem sido polémica. Ora se tem oscilado na incapacidade dum juízo de valor sobre a constatação das diferenças entre os referidos modelos civilizacionais, ora se tem ajuizado sobre a hierarquização progressiva das etapas ao longo da história.
A epistemologia das ciências oscila entre um relativismo total de juízos de valor e uma afirmação dogmática de raíz iluminista.
O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend(2) , numa atitude “contra o método”, nega qualquer tentativa de comparabilidade entre paradigmas. Feyerabend recusa “lógicas óbvias” explicitando que todos os saltos rupturais na ciência, se devem à violação das normas seguidas. Exemplifica essas rupturas sucessivas pós-newtonianas com a teoria da relatividade e a teoria quântica.
A posição de Karl Popper(3), ao contrário de Feyerabend, pretende, com maior flexibilidade, defender a tradição iluminista duma “verdade” e duma “razão” hipostasiadas. Existe, para Popper, um critério de progresso. Trata-se de uma hipótese da humanidade poder chegar a teorias cada vez mais “verdadeiras”.
A posição de Thomas Kuhn(4) pode considerar-se intermédia, revelando uma dialógica entre uma “ciência normal”, cujos referentes estruturais se convencionam a partir de valores instituídos por dentro (aceitação, durante um certo tempo, de problemas e soluções) mas cujos fundamentos têm relações com a conjuntura temporal e com as contradições dum processo sempre em mudança.
A questão que resumi desta forma esquemática, consiste em saber se é possível ou não, partir para a noção de progresso (processo valorativo) isto é, para uma espécie de telefinalismo apriorístico, onde se descortinam no desenrolar da história, formas sempre “superiores” de ciência, cultura e civilização.
Porém, o que queremos aqui demonstrar é que a questão epistemológica essencial não é esta polémica levantado pelo moderno ou pós-moderno, da grande ou da pequena narrativa em relação à maior ou menor possibilidade da “verdade”. O que queremos trazer a esta reflexão é a mudança de problemática epistemológica: olhar não tanto para a questão duma teoria do conhecimento totalizante, com discursos explicativos e uma lógica monística global, mas revelar fenomenologicamente, níveis diferentes na complexidade da biosfera, da técnica e da sociedade, com lógicas e funcionamentos metodológicos diversificados, ainda que com interacções entre o uno e o múltiplo, o universal e o singular.
A tecnosfera, a sociosfera e a noosfera, agindo interactivamente, revelaram um novo pensamento ecologizado – uma ecosofia. Esta sabedoria permite-nos ter consciência das nossas acções. E é sempre melhor agir dum modo consciente, pilotando construtiva e pragmaticamente, do que soçobrar nos preconceitos apriorísticos do optimismo ou do pessimismo, do relativismo ou do dogmatismo pré-estabelecidos.


A Constatação do Estado Actual do Planeta
Através da intervenção histórica do homem numa perspectiva tecnocêntrica, o crescimento económico dominante foi construindo uma tecnosfera de tal maneira energetívora, na sua voracidade, que já não permite hoje, um ritmo regenerador da biosfera. A biosfera, delapidada das suas florestas biodiversivas, poluída pela toxidade das águas e dos solos, fragilizada pela construção excessiva de edificações consumistas e não recicláveis, esgotada pela tecnociência fóssil e contaminadora, está incapaz de reproduzir um processo de regeneração superior à delapidação do modelo actual. Os cientistas constataram esta situação há já alguns anos: a tecnosfera, esgotante e contaminadora, tem um peso destruidor maior do que a capacidade regeneradora da biosfera, enfraquecida!
Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (W.W.F.N.) e o PNUE, em 2004 a humanidade consumiu 20% mais de bens naturais do que o que a terra pôde produzir. Por isso, estes organismos internacionais utilizam, a partir de agora, o conceito de dívida ecológica.
Podemos explicitar esta afirmação, servindo-nos da demonstração, já amplamente divulgada, do conceito de “pegada ecológica” de William Rees(5) .
“Dividindo a área total de terrenos produtivos da Terra pela população mundial obtemos o valor de 2,3 ha per capita (inclui o uso dos oceanos).
Nem todo este espaço deve estar disponível para os humanos, visto que partilhamos o planeta com qualquer coisa como 30 milhões de espécies. Reservando 12% para este efeito, (...) sobram cerca de 2 ha per capita.
Porém, embora 2 ha por pessoa possa parecer muito (qualquer coisa como 4 relvados de futebol), a Pegada Ecológica média é de 2,8 ha – o que, mesmo assim, representa uma subestimativa”(6).
Segundo o Relatório “Planete Vivante”, a desigualdade entre as diferentes regiões do mundo é gritante. “Os gastos provocados por um habitante da América do Norte ou da Europa são entre 5 a 10 vezes superiores aos de um africano.”(7)
Portanto, este modelo social tecnosférico, gerou um tipo de sociedade que acelera e reproduz formas de consumo material e energético que, além de delapidarem o capital natural, geram desigualdades, exclusões e injustiças sociais.
Temos hoje um agravamento cada vez maior do fosso entre os que possuem cada vez mais meios materiais, alimentares e energéticos e os que não os possuem.
16% da população beneficia de 84% dos bens disponíveis.
84% da população sobrevive apenas com 16% dos bens disponíveis.
Assim, a apropriação e o funcionamento dessa tecnosfera, provocou o esgotamento e a contaminação da biosfera, sendo ao mesmo tempo responsável pela forma social de exploração e pela dominação de grupos cada vez mais pequenos mas mais vorazes e predadores na sociosfera.
Reciprocamente, o tipo de organização social e a forma de poder, geraram uma tecnociência dominante que, ideologizada por interesses lucrativos, serviu e serve a manutenção e dominação duma larga maioria da população.
Deste modo, para além do ecocídio da natureza, é cada vez maior o fosso entre dominadores e dominados. Sentem-se cada vez mais as desigualdades entre as pessoas, regiões, países e continentes.
A sociedade e a tecnociência do paradigma dominante, gerou um modelo baseado numa cultura consumista. Trata-se de uma cultura do supérfluo, do consumo de bens que não são resposta às necessidades essenciais, mas que resultam de uma produção gerada por um marketing em função do lucro. Este modelo hegemónico, baseado na aparente felicidade produzida pela posse de objectos e em falsas necessidades geradoras de esbanjamento, é impossível de se alargar a todos os povos. Se, por hipótese, se alargasse esse mesmo modelo de consumo, seriam necessários 2 a 3 planetas(8).
Assim, a pegada ecológica dos países de economia dominante é tal que só uma mudança total de paradigma civilizacional, pode pôr fim ao actual modelo ideológico e tecnocientífico autofágico, em que vivemos.
Essa mudança poderá surgir de diversas maneiras:
a) Após graves distúrbios na biosfera, como se prevê no filme “A verdade inconveniente”(9) de Al Gore, onde as mudanças climáticas e as poluições globais são o prelúdio das catástrofes que se avizinham ou ainda as conclusões dramática previstas por Jammes Lovellock no seu livro “A Vingança da GAIA”(10) .
b) Essas mudanças podem ser provenientes de acções internacionais, nacionais ou regionais. Podem ser grandes acções colectivas ou prosseguidas pela acção individual de ecocidadania.
c) É provável também o cenário misto em que cataclismos exijam mudanças e do mesmo modo a intervenção preventiva resulte da consciência cada vez maior dos perigos em que a sociedade se meteu.
São várias e diversas as frentes para a sobrevivência da espécie humana e para a construção duma sabedoria ecológica num outro mundo que ainda é possível, se abandonarmos o imaginário social colonizado em que rico e felicidade são sinónimo de posse do supérfluo e esbanjamento dos bens naturais.


As Contradições dos Paradigmas
O paradigma newtoniano, com uma coerência interna de valores culturais e uma recomposição ideológica de interesses sociais, explicitou mudanças, antagonismos e descontinuidades. Assim se consolidou um outro processo técnico-energético, com diferentes relações sociais de produção e a reorganização do poder, revelando cosmovisões diferenciadas do anterior paradigma.
Porém, esta ruptura com o mundo pré-moderno, não foi homogénea nem pacífica. E a própria modernidade não produziu sempre uma via única: Nicolau de Cusa, Jakob Boheme e Goethe afastaram-se do mecanicismo dominante e constituem hoje elos dialógicos dum pensamento emergente pós-newtoniano.
A atitude moderna convencional foi reducionista ao acusar de obscurantismo uma outra modernidade anti-mecanicista.
A continuidade entre sujeito e objecto, entre homem e natureza, são afinal constatações cada vez mais evidentes na ciência contemporânea, como revela “A Nova Aliança” de Prigorgine(11).
Também uma racionalidade pragmática prosseguiu sem ter necessariamente que enfileirar no racionalismo ideológico e irredutível. A própria razão deve estar sujeita, na crítica epistemológica, à crítica da própria razão, como diz Bachelard(12) .
Assim, conflitos e contradições acompanharam este processo da modernidade ou de modernidades. O movimento hegemónico, dito “moderno”, nunca dominou inteiramente a cena filosófica da modernidade.
Não foi apenas a cosmologia newtoniana que viu opôr-se à mecanicidade do cosmos, uma “gaia” viva. Esta “gaia” viva, surge hoje duma forma teórica mais elaborada, com cientistas contemporâneos.
O movimento romântico introduzira a metáfora orgânica à ciência da vida e às ciências sociais. E o séc. XIX, mau grado a dominação do fisicismo e do positivismo, teve momentos diferenciados de sabedorias diversas, algumas das quais provinham mesmo de paradigmas mais antigos.
A cultura dita ameríndia, sensibilizou poetas e pensadores norte-americanos. A célebre carta do Chefe Índio Seattle ao Presidente dos E.U.A. mostra uma cultura ecológica profunda dos índios norte-americanos em relação ao produtivismo prometaico dos exploradores do novo mundo:
“Para o meu povo, cada pedaço desta terra é sagrado. Cada ramo de árvore que cintila, cada punhado de areia das pradarias, cada penumbra na floresta densa, cada clareira e cada insecto a zumbir são sagrados na memória do meu povo.
A seiva que percorre o corpo das árvores, carrega consigo as lembranças do Pele- Vermelha. Os mortos do homem branco esquecem a sua terra de origem quando se vão por entre as estrelas. Os nossos mortos jamais esquecem a terra pois ela é a mãe do Pele-Vermelha. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs. O veado, o cavalo e a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos e os sulcos húmidos nas campinas, o calor do corpo do cavalo e o homem pertencem à mesma família. Portanto, quando o grande chefe, em Washington, manda dizer que quer comprar a nossa terra, ele pede muito de nós. O grande chefe de Washington diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Diz que será o nosso pai e que nós seremos seus filhos. Vamos pois considerar essa proposta de compra da nossa terra mas não será fácil”(13).
Thoreau, Emmerson e Morris opuseram-se ao modelo industrialista/produtivista e avançaram propostas descentralizadas ao urbanismo. Surgiram sensibilidades diferentes em relação ao binómio homem/natureza.
A crítica ao colonialismo e, em particular, à colonização africana foi assumida também em Portugal.
Ladislau Batalha no livro “O Continente Negro” faz uma crítica à colonização numa linguagem arrevezada de autodidacta estrangeirado: “Consideradas as conquistas em relação aos povos das terrras conquistadas, é problemático se os europeus, levando aquelas regiões a civilização e o progresso, também foram portadores da felicidade. É esta puramente relativa e pode-se bem asseverar que a imensa família de proletários da Europa, seria mil vezes mais feliz se, em vez de possuir os arrobos de ventura simbolizada apenas na contemplação de maravilhas e assombros de arte e luxo, pudesse trocar o seu desassocego de espírito e excesso de privações, pela serenidade e abundância dos povos virgens do continente negro, os quais se dão por satisfeitos com possuírem algumas companheiras, uma espingarda, pólvora, tabaco, palmares e peixe seco.
São ricos na sua miséria porque nada mais precisam além do que possuem, e esta ventura é-lhes arrancada pelas offertas da civilização, prompta sempre a despertar-lhes os sentidos com as promessas de luxo e de gozo.(...) O maior empenho foi sempre apoderarmo-nos em África das terras e bens alheios, tudo saquear, exercendo os maiores despotismos. (...) Na febre de legislar, pondo, dispondo, fazendo e desfazendo, intervindo em tudo, e contradizendo-se a cada instante, D. Manuel que fazia ostentação das suas grandezas, envou ao Rei do Congo, além de letrados em teologia, professores de ler, escrever e outras várias futilidades, entre elas mestres de canto-chão, de música e canto de orgão, cathecismos, fatos de brocado e seda (extrangeiros), cruzes, cáçices, thuribulos, etc. Com estes mimos lhe enviou também uma colecção das suas ordenações para que por elas se regesse. O que se segue é curioso, e atesta o que deixamos dito sobre a felicidade hipothética levada ao indígena africano.
O potentado mandou que as ordenações lhe fossem lidas por um intérprete, e, notando as minudências segundo refere Mariz, perguntou a um português que se achava presente que pena davam em Portugal a quem punha os pés no chão.”(14)
Gandhi(15) previu muitos dos erros que hoje podemos constatar, como por exemplo o processo tecnocrata do produtivismo em série que desvaloriza a realização antropológica do homem pelo trabalho manual e criativo. Gandhi abriu ainda, graças à noção de Swadeshi, a valorização do uso das forças endógenas, dos saberes vernaculares e ainda a importância essencial de uma economia de vizinhança ou seja, a virtude de contar com as próprias forças e o uso dos bens naturais existentes no biótopo em que se vive.
No entanto, o movimento tecno-científico tornou-se um saber convencional, cuja ideia essencial foi considerar a natureza como máquina e explicar a complexidade do universo e dos vários níveis da realidade, apenas através do causalismo determinístico.
Este causalismo implicava também a já referida ideia de progresso linear, proporcionado agora por uma intervenção dessa lógica mecanicista, perversamente, em nome duma crença, visando a felicidade universal.
Todo este fundamento epistemológico está ainda implantado na ideologia da maior parte dos centros culturais da contemporaneidade, nomeadamente nos “media”.
A economia tornou-se num corpo doutrinal, numa disciplina analítica cuja lógica interna expressa uma ausência da problemática da complexidade e da relação sistémica entre o homem e a natureza.
Essa economia, enquanto disciplina fechada em si própria, transformou-se numa visão “monetarista”, numa “engenharia financeira”, num processo de “gestão
contabilística”, sem pôr em causa, reflexivamente, o sistema geral do modo de produção em que se insere, tornando-se uma ideologia justificativa do sistema.


Críticas ao Modelo Reducionista e Mecanicista
As críticas de Ivan Illich(16) ao modelo urbano-industrial, iniciaram as diatribes contra as políticas ocidentais de “ajuda” aos países do terceiro mundo, nos anos 60 do séc. XX.
Illich faz a crítica ao conceito de “desenvolvimento”, mostrando que “o marketing dos produtos estrangeiros traduz-se em subdesenvolvimento acrescido”(17) .
Illich defendeu assim a revolução nas instituições, nos países de economia dominada. Considerou que a situação pós-colonial não mudou substantivamente a situação social. “Um grupo de homens novos, com as suas próprias justificações ideológicas, tomou conta do poder. Mas continuou a assegurar o funcionamento das instituições escolares, medicais e económicas. Foi só a clientela que eventualmente mudou(...).
A única resposta possível ao subdesenvolvimento é a satisfação das necessidades fundamentais encaradas como objectivo, a longo prazo, nas regiões onde as possibilidades em matéria de financiamento serão sempre limitadas.”(18)
Ivan Illich, sem pretender discursar sobre grandes utopias, dava exemplos passíveis de imediata intervenção: substituir viaturas privadas por transportes colectivos e, em vez de transportes sofisticados e dispendiosos, veículos simples mas de todo o terreno. Fornecer água potável é mais importante do que construir serviços cirúrgicos muito caros. A ajuda médica preventiva é preferível a médicos e enfermeiros especializados em remediar. É mais desejável o uso de câmaras frigoríficas colectivas do que frigoríficos individuais.
Illich defendia ainda propostas simples que preparassem a sociedade civil através dum ano de serviço cívico para a construção do habitat e de um urbanismo sustentável.
Estas acções de mobilização, formação e solidariedade iam mais longe do que as “escolas-academias”, com sistemas de graduação e selecção.
Muitos dos trabalhos de Ivan Illich, em particular depois da publicação do livro “Uma sociedade sem escola” editada pela primeira vez em 1971(19) , formaram uma crítica mais global com preocupações de fundo como o próprio sentido de desenvolvimento dos serviços de saúde e da educação.
Como ele próprio disse, o paradigma dominante “tentou safar” os mitos e as ilusões perversas da nossa sociedade de consumo e do modelo capitalista em que “a sede é sinónimo de coca-cola e bem significa mais.”(20)
Também René Dumont fez, nessa altura, críticas ao tipo de crescimento agro-industrial.
A crítica pertinente, do agro-industrialismo monodiversivo, realizada na África colonial e neo-colonial, forneceu dados alarmantes sobre a destruição ecológica do continente africano.
O livro “L´Áfrique Noire est mal partie”(21) denunciou, à evidência, a destruição que o modelo ocidental provocava em África.
E Lewis Mumford, na linha de Morris, Patrick Geddes e dos desurbanistas da União Soviética dos anos 20(22) , condenou o “modelo” urbano-industrial das megapólis dissipadoras, avançando alternativas para ecopolis descentralizadas em que a ecotécnica substituiria a tecnociência positivista. Surgem, em vários países, experiências construtivas que procuram os aspectos positivos das técnicas tradicionais e a noção de eco-território aprofunda a noção de agro-ecologia, em relação à agro-indústria.
Algumas destas experiências foram tentadas em África, como por exemplo o “socialismo de aldeia”, de Julius Nyerere, que pretendeu imprimir, à estrutura agrícola, uma orientação próxima do desenvolvimento auto-centrado africano. Porém, estas experiências foram abortadas por contextos militares complexos, nomeadamente pela invasão militar ugandesa do Presidente Idi Amin.
Não temos ainda um balanço suficientemente fundamentado para tirarmos conclusões sobre estas experiências.


Crescimento e Desenvolvimento
Não seria possível hoje ultrapassar criticamente a noção de crescimento sem referirmos também os nomes de Jacques Ellul, Samir Amin, Majid Rahnema e Pierre Rabhi.
Como temos vindo a assinalar, é imprescindível a crítica à tecnociência para passarmos a uma perspectiva de ecodesenvolvimento.
a) Jacques Ellul foi um pensador contra-corrente. A abrangência dos problemas que debateu em mais de 60 livros publicados, praticando a transdisciplinaridade no quadro das suas reflexões, revelam sempre um critério ético na denúncia das questões sociais.
Contudo, a sua principal reflexão foi sobre o enfeudamento ideológico do positivismo e do cientismo tecnocrático. Foi um autor impossível de classificar em gavetas político-partidárias e que gerou constantes “arrelias” pela “provocatória” desmistificação das falsas verdades convenientes.
Considerou, nas suas principais obras(23), que a tecnociência se tornou um poderio técnico tal como o nazismo. Essa tecnociência transformou-se no meio mais eficaz da modernidade dominante. O sistema da “sociedade tecnicista” é uma ideologia, uma “fetichização”, que tudo justifica. Ellul desmonta a dimensão alienante da informação tornada propaganda que se deixa manipular pela eficácia operativa, como critério de legitimação.
Para Jacques Ellul, a combinatória estado moderno e ideologia tecnocrática tornou-se o maior perigo da nossa sociedade.
Podemos não estar sempre totalmente de acordo com as conclusões de Ellul mas foi ele que forneceu os dados epistemológicos essenciais para a demonstração da pseudo-neutralidade tecnocrática, como uma ideologia de desumanismo e alienação.
b) Samir Amin é um pensador criativo. A sua formação marxista de base não se cristalizou como aconteceu com muitas ideologias ortodoxas que se colaram comodamente às teses ideológicas e não procuraram a teoria crítica, ou seja, o essencial da obra de Karl Marx.
Samir Amin, no eurocentrismo-crítica duma ideologia (24), fornece-nos os elementos essenciais para a crítica da construção ideológica do capitalismo. Amin mostra-nos como a cultura ideologizada do capitalismo se consolida durante o Renascimento com a sua dimensão universalizante, anulando simultaneamente a achega ao projecto universalista de todos os povos. Revelou, duma forma clara, que a pretensa superioridade do ocidente resultava do desenvolvimento desigual que colocou o modelo eurocêntrico como dominante e esse desenvolvimento desigual entre centro e periferia, norte e sul, se devia essencialmente, à acumulação feita no ocidente, na base do esclavagismo, do saque e da exploração da riqueza dos outros povos.
Mais recentemente Samir Amin descreve-nos a entrada numa nova fase do imperialismo. Trata-se do imperialismo colectivo dos Estados Unidos da América, da Europa e do Japão.
Samir Amin refere o processo de auto-destruição do sistema actual, através daquilo a que ele chamou os quatro aspectos da senilidade:
1. Uma “revolução tecnológica” apoiada fundamentalmente na informática e na genética, que levou ao aumento da crise de super-produção descontrolada e aumento do desemprego;
2. O centro imperialista convencional, E.U.A., passou da exportação de capitais para maior exploração, para uma situação parasitária e de esbanjamento (vive acima das suas capacidades) e importa cada vez mais capitais. Os outros parceiros (Europa e Japão) pagam a manutenção do cadáver adiado que é o império em crise.
3. A ideologia dominante tornou-se lixo cultural.
4. O sistema imperialista necessita cada vez mais da guerra para se manter e manter a máquina económica militar, alavanca essencial da sua economia (25).
Esta análise de Samir Amin é corroborada pelo movimento dos Chiapas no México. O subcomandante Marcos escreveu, em 25 de Março de 2007 e retomando um tema que vinha desde há vários anos a referir, sobre a 4ª Guerra Mundial:
“A etapa actual do capitalismo é, em sentido estrito, uma nova guerra de conquista(...). É a mais mundial das guerras(...). A água, o ar, a terra, os bens contidos no subsolo, os códigos genéticos e todas essas “coisas” que antes eram desconhecidas ou careciam de valor de uso e de troca, converteram-se, durante os últimos anos, numa mercadoria. (...) O sonho capitalista de um mundo sem trabalhadores, só com robots e máquinas que não exigem os seus direitos nem se sindicalizam, nem fazem greves, é uma quimera!” (26)
c) Majid Rahnema (27) mostra-nos que as noções de “pobreza” e “riqueza” são construções sociais que instilam as ideologias subjacentes.
É preciso responder, antes de mais, à questão: Pobreza de quê?
Com efeito a pobreza, como diz Majid, pode significar “ausência de dinheiro, privação de relações humanas, falta de inteligência, ausência de vacas, de crianças, de tempo, de amor, de saúde, etc.” (28)
Por isso, Majid Rahnema considera que houve uma adulteração do conceito de pobreza, uma perversão epistemológica! Antigamente todo o indivíduo era pobre ou rico em alguma coisa... em saúde, amor, dinheiro, terras, etc.
Assim, considera que é essencial definir o que geralmente separava a pobreza da miséria.
“A pobreza representava a falta de supérfluo enquanto que a miséria significava a falta de tudo o que é necessário” (29)
Nesta reflexão epistemológica Majid fala-nos duma pobreza convivial que irrompe essencialmente nas sociedade vernaculares. Aí, na aparência dum mundo dito “primitivo”, existe uma sabedoria. É um saber fazer proveniente de múltiplas gerações que permite ajuda mútua, organização para o afastamento da miséria.
Assim, as relações sociais e culturais da comunidade asseguram protecção porque as actividades económicas servem essencialmente para a satisfação das necessidades do grupo.
Com a revolução industrial houve uma produção sistemática de necessidades novas. Esta condição, como nos diz Majid, está ligada a um sistema tecno-económico que pretenderia conduzir-nos à abundância mas que na realidade está estruturalmente implicado na “produção de raridade e nas misérias modernizadas”, num sistema que “colonizao imaginário da maior parte das vítimas” e fabrica uma “raridade induzida bem diferente da raridade natural. (...) O sistema conseguiu, graças aos poderosos dispositivos de ajudas e promoções, convencer a maior parte das suas vítimas que também elas podiam obter o paraíso terrestre que estava anteriormente reservado apenas ao ricos.”(30)
Majid, no seu livro “Quand la misère chasse la pauvreté”, revela-nos as razões profundas da pauperização como sendo, na realidade, a introdução da miséria. Miséria como incapacidade das populações, estilhaçadas, pulverizadas e desprovidas de convivialidade e solidariedade, em conseguir dar resposta às necessidades básicas da sua sobrevivência.
Por isso é que Majid assume uma postura similar a Serge Latouche, Pierre Rabhi, Jacquard e René Passet que, procurando a simplicidade voluntária, buscam um modo de vida baseado na simplicidade e solidariedade.
d) Pierre Rabhi nasceu na Argélia, num pequeno oásis do sul. Muito novo moveu-se entre duas culturas. Preservando as suas raízes duma família sufi foi educado por um casal de professoress franceses pós a morte de sua mãe.
Em 1958, tendo vindo muito novo para França, com os pais adoptivos, conheceu a vida operária numa fábrica de Paris mas acabou por vir a instalar-se numa província do interior, Ardèche, com a sua família, tornando-se agricultor. Orientando a sua actividade rural durante 25 anos para a agro-ecologia, tornou-se num “expert”. Veio a ser consultor dum organismo internacional e divulgou os seus conhecimentos em agro-ecologia em diversos países africanos. Ao longo da sua actividade, forneceu utensílios para a autonomia alimentar das populações, procurando reconciliar a actividade humana com a natureza.
Em 2002 lançou o “apelo para uma insurreição da consciência” e foi candidato alternativo às eleições presidenciais francesas, tal como em 1974 fizera Renné Dumont, no primeiro grande impacto ecológico sobre vida política convencional.
A importância de Pierre Rabhi, cuja obra científica e literária(31) é já reconhecida no mundo, está no facto de se engajar numa prática de vida, num ensino da frugalidade feliz que o tornaram numa figura emblemática dum novo Gandhi dos nossos dias.
As ideias-base de Pierre Rabhi podem resumir-se à:
- Não violência;
- Pertença inter e transcultural como atitude nova dum universalismo concreto, alimentado pelas experiências singulares vividas;
- Recusa do dogma do crescimento e defesa de um decrescimento na área das tecnologias contaminantes e de esgotamento;
- Recusa de uma modernidade em que se “vive para trabalhar em vez de trabalhar para se viver” e duma “civilização de combustão triunfante” da termodinâmica dissipativa que enjeita a realização criativa do trabalho manual e intelectual.
Rabhi desenvolveu uma acção em várias frentes. Da problemática altermundialista à intervenção local, abrangendo experiência em locais diversos como França, Marrocos, Burkina Fasso, etc. Pensar e agir criando alternativas participadas.
A palavra de ordem do movimento “Terre et Humanisme” de que é Presidente de honra consiste em criar “um oásis em cada lugar”.
O movimento “Terre et Humanisme” tem apoiado inúmeras iniciativas em África e na Europa. Tem desenvolvido acções de formação, particularmente em agro-ecologia e na pedagogia social. Tem-se oposto à introdução de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) levando a cabo acções comuns, com várias organizações, contra as multinacionais responsáveis pela introdução dos OGM. Pierre Rabhi tem trabalhado em cooperação com a Universidade “Terre du Ciel” e tem sido uma voz activa na política favorável à consciência ecológica. Veja-se, o livro que escreveu, recentemente, com Nicolas Hullot (32). Trata-se de uma importante contribuição na ecosofia.
Por outro lado, encarando uma actividade prática, Pierre Rabhi realiza projectos-piloto em Marrocos, Burkina-Fasso, Mali, etc.
Actualmente, em cooperação com Michel Valentin, participa no projecto “Les Amanins”, escola de vida, quinta experimental educativa, cujo objectivo central é formar agentes de eco-desenvolvimento, dotados de intrumentos teórico-práticos para a mudança do paradigma.
Na tradição africana temos inúmeras críticas ao conceito de “crescimento” e que apontam para uma voluntária frugalidade como forma de vida.
Amadou Hampaté Ba divulgou, através dos seus escritos e nos contos iniciáticos, uma forte cosmovisão panteísta onde o homem e o planeta são interdependentes e o homem com consciência pode ser a garantia do equilíbro harmónico da criação.
Thomas Sankara, em Burkina Fasso pagou com a vida, há precisamente 20 anos, a ousadia de imaginar um outro tipo de sociedade. Ele defendeu o valor de muitas práticas tradicionais em oposição aos modelos importados que veiculavam exploração e dominação.
Sankara apoiava-se na cultura dos povos Dagara, de Burkina Fasso, articulando o saber tradicional com a agroecologia.
Esta atitude de fraternidade do homem com a terra, leva o Dangara camponês a “pedir desculpa à mãe natureza por ferir o solo do campo para obter alimentos.” (33) As árvores santuário, os rituais e os ritos de passagem constituem uma tradição viva dum “parentesco cósmico” como refere também Bimwenyi Kweshi (34) sobre a tradição similar do homem com a natureza, no Zaire e noutros povos africanos.
Esta imagem arquetipal da natureza corresponde de uma forma geral a toda a África tradicional.
A partir da crítica da colonização, nomeadamente da agro-indústria, denunciada por Renné Dumont, Thomas Sankara soube antever um outro “modelo”, um modelo de “ecodesenvolvimento” e do saber experimental da agro-ecologia. A campanha pela plantação de milhares de árvores, o desenvolvimento de pequenos centros-piloto de agro-ecologia e o projecto de milhares de reservas de água abastecendo pequenas quintas familiares de agricultura de subsistência, assim como os eco-loteamentos, com novas habitações de auto-construção feitas com materiais locais e pagas em troca de plantações de árvores frutícolas de interesse público, são exemplos desse modelo de ecodesenvolvimento posto em marcha.
Podemos também encontrar em Wangari Muta a continuadora desta preocupação de Sankara. Wangari Muta, com uma formação científica em ecologia, tornou-se uma voz não apenas para o Kenia onde nasceu, mas para África e para todo o mundo.
Ela denunciou a destruição da floresta. Revelou o processo devastador do abate de árvores autóctones e o repovoamento com espécies exógenas comercializáveis, que destruíam a biodiversidade.
Por isso Wangari Muta criou, em 1977, o “Green Belt” e iniciou campanhas sucessivas de plantações de árvores.
Este processo mobilizador e transformador do território é simultaneamente uma acção de formação cívica junto dos agricultores e da população rural.
Por isso essa mulher africana, Prémio Nobel da Paz disse:
“Plantar uma árvore encerra uma grande mensagem: com este simples gesto tu podes melhorar o teu habitat. Dá-se assim uma tomada de consciência imediata da população que lhe permite influenciar o próprio contexto em que vive. E isto é o primeiro passo para uma maior participação na vida em sociedade. Toda a gente pode ver as árvores que plantamos. São as embaixadoras do nosso movimento”(35).
Mas é também em África que a colonização e o neo-colonialismo das independências formais, perpetraram mais desastres ecológicos. Talvez a cultura hegemónica do ocidente, com a sensibilidade judaico-cristã em relação à natureza, tenha predisposto o homem ocidental a acreditar que foi criado para dominar e explorar a natureza.
E por isso é fácil extrapolar esse domínio sobre a natureza à vontade de submeter outros povos. Trata-se afinal de prosseguir no mesmo sentido. Não será essa a causa. Mas esse condicionalismo mitológico prometaico ajudou ao auto-convencimento e à “boa consciência” de muitos.
Por isso, é importante analisar a crítica ao crescimento económico e os subterfúgios com que a economia dominante se reveste. Para explicar os traços profundos de miséria e o fosso crescente entre países de economia dominante e países de economia dominada.
Para isso é necessário desmontar a concepção reducionista da economia clássica, tal como esta disciplina tem sido configurada: sem teoria crítica sobre a ciência social. Este tipo de disciplina analítica é incapaz de perceber as interacções sistémicas entre a sociosfera, tecnosfera e biosfera porque a actual visão de economia vive em “circuito fechado e desligada do ambiente ecológico” como refere Joel de Rosnay (36), pois as leis do mercado não permitem regular os efeitos das tecnologias sobre os ecosistemas.
As terminologias usadas pela disciplina da “economia clássica” não escapam ao aprisionamento ideológico, pervertendo o significado polissémico dos conceitos aplicados ao desenvolvimento social.
Assim, o crescimento capitalista pode revestir-se de renovada linguagem. E, por detrás duma mesma ideologia surgem agora verbiagens novas que pretendem confundir. A expressão “desenvolvimento sustentável” (já não se diz desenvolvimento ecologicamente sustentavel) é um exemplo disso. O “desenvolvimento sustentável” está cheio de boas intenções mas igualmente cheio de ambiguidades. John Pessey do Banco Mundial recenseou 37 definições diferentes de sustentabilidade. Por isso é possível encontrar 50 empresários de grandes multinacionais a subscreverem a sustentabilidade no Business Council for Soustainable Devellopment.
Como diz Serge Latouche (37) “é possível fazer sobreviver ao mesmo tempo a camada de ozono e a indústria pesada americana” na óptica dessas multinacionais.


A Emergência do Pensamento Ecológico
Porém, o conceito de ecosistema desenvolvido por Tansley, entre os anos 40 e 50, permitiu uma economia política mais abrangente colocando a biosfera no centro das preocupação da gestão humana e agora num terreno em que já não poderia ser acusada de idealismo romântico.
Georgescu Roegen (38) abriu, a partir dos anos 70, uma crítica energética ao sistema capitalista.
Renné Passet, no livro “Ilusão neoliberal”, diz-nos que é a partir donde pára o olhar de Georgescu Roegen que começa uma reflexão sobre a bioeconomia.
Para Renné Passet(39) o desenvolvimento ecologicamente sustentado só é possível se se respeitarem os mecanismos reguladores da biosfera.
“Num mundo imperfeito, em que a imperfeição é um dos motores da história, a questão que se coloca não é a da realização de um óptimo estatístico e definitivo, mas sim a da pilotagem de uma evolução permanente, consubstancial à própria existência do universo e da vida” (40)
Assim, a problemática desenvolvida pela ecologia veio revelar um outro paradigma emergente da ciência: os ecologistas sociais partem de uma nova fundamentação para a bioeconomia. Níveis diversos da realidade mostram complexidades que a ciência mecânica clássica não entreviu.
A “máquina” como “alma mater” explicativa do industrialismo mecanicista só conhecia o factor entrópico. Com o “ecosistema” no centro do metabolismo circular das relações bio-sociais, introduziram-se perspectivas neguentrópicas; a retroacção, resiliência e a auto-organização na biosfera são irredutíveis à explicação causal determinística do universo máquina.
A realidade exige uma distinção entre ciências tecno-operativas, estético-expressivas e ético-normativas, com lógicas diversificadas mas também com interacções que só a complexidade e a sistémica podem compreender. Isto não implica recusar a análise. Implica sim ligar pensamento analítico com pensamento sistémico, nas ciências da complexidade.
Assim, a auto-regulação e a dinâmica interactiva da biosfera com a sociosfera e a tecnosfera, abrem novos horizontes que pôem em causa o progresso linear e a visão do crescimento e a lógica mecanicista. A teoria geral dos sistemas e o conceito de complexidade irrompem hoje na abordagem das ciências.
A física quântica de Max Planck e as múltiplas lógicas dos vários níveis da realidade de Lupasco, das metodologias sistémicas de Bateson, Rosnay e Morin até às novas concepções neurológicas de Daniel Goleman e Karl Pribam, fazem a desconstrução do paradigma mecânico que desautorizou a concepção linear do progresso e impôs um olhar epistémico e crítico ao normativismo universalista e dogmático. A abordagem social e a questão do desenvolvimento sofreram também inúmeras críticas desde há vários anos.


O que é o Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável?
O desenvolvimento ecologicamente sustentado (41) procura integrar a problemática económica na biosfera. Por essa razão, a estratégia de um decrescimento sustentado pode e deve existir quando existe uma incapacidade de regeneração da biosfera. E só com uma mudança total na substituição das energias fósseis por energias renováveis, na diminuição da poluição pela reciclagem de materiais eliminando os elementos tóxicos apenas tolerando nutrientes biodegradáveis, poderemos fazer face ao actual estado do planeta em que as mudanças climáticas surgem como os primeiros grandes riscos globais.
Serge Latouche, Majid Rahnema e Pierre Rabhi desenvolveram esta questão do decrescimento sustentável que, no fundo, assenta na crítica da colonização do imaginário social que o modelo produtivista e consumista tentou impôr aos povos sujeitos à sua economia dominante.
Vários autores mostraram como o tecnocentrismo e o modelo ocidentalocrático se foi impondo, nas atitudes e comportamentos de quase toda a humanidade, com valores aparentemente universais e geradores dum progresso linear em que o ocidente expressaria o sucesso da espécie humana e o prenúncio do futuro de todas as outras sociedades.
O impacto da actividade tecno-científica do homem na biosfera, é tal que a biosfera já não consegue regenerar-se em relação a esse esgotamento e contaminação. A humanidade está a viver à custa dum capital natural que se vai esvaindo como se se delapidasse um tesouro, cada vez mais sem provimento.
A estratégia de desenvolvimento durável tal como a definiu Gro Harlem Bundtland já não é possível hoje. O estado em que a biosfera se encontra não permite levar a cabo o que se pretendeu na conferência do Rio, em 1992.
Naquela altura a primeira-ministra norueguesa defendia “o desenvolvimento durável como um modo de desenvolvimento que responde às necessidades das gerações presentes sem comprometer as capacidades das gerações futuras de responderem também às suas necessidades.” Mas neste momento, se não mudarmos de paradigma e decrescermos os gastos energéticos e o esbanjamento dos bens naturais... é uma miragem longínqua! É este o sentido preventivo do decrescimento durável.


Da Tecno-Ciência à Eco-Técnica
Vivemos num momento da história em que a tecnologia baseada essencialmente nas energias fósseis gerou um falso convencimento de que a tecnociência poderá resolver todos os problemas da humanidade.
De facto, conseguem-se hoje poderosas manipulações sobre a natureza. O paradigma actual da tecnociência ocupou o lugar da mentalidade sagrada do passado. Há uma espécie de “superstição” generalizada como se fosse a técnica a solução final para tudo.
Nunca o poder de agir sobre a natureza foi tão grande. Mas a lógica tecnocientífica valoriza apenas uma eficácia determinada por parâmetros que convencionamos serem “melhores”. No entanto, esses parâmetros de eficácia que sustentam o poder e a acção dos homens, carecem de fundamento ético. O poder operativo e o dever da consciência decorrem de níveis diversos do conhecimento humano.
Por isso, a tecnociência sem ética e sem discernimento epistemológico levará ao ecocídio e ao genocídio.
Este é o perigo da tecnociência cada vez mais difundida, assentando nessa superstição de que a técnica tudo resolve e que, pretensamente neutra, surge ilusoriamente como salvadora, deixando os movimentos sociais e as decisões da pólis na mão de minorias que manipulam essas tecno-ciências demenciais.
Jacques Ellul apontou nos seus livros a necessária mudança da actual tecno-ciência para uma ecotécnica, tal como já referimos anteriormente. Porém, Jacques Ellul não definiu claramente a possibilidade de se criar uma eco-técnica. Essa eco-técnica não é necessariamente a tecnologia do passado, tecnologia tradicional da economia de subsistência.
As sociedades vernaculares vivem social e tecnicamente integradas no ecosistema natural. Têm capacidades endógenas que permitem uma maior harmonia entre o homem e a natureza. Mas é uma “harmonia” atávica. É apenas veiculada pelo factor da tradição que tende a cristalizar e a recusar a criatividade.
A organização socio-cultural da comunidade vive muitas vezes num maior grau de solidariedade entre as pessoas e a protecção solidária é muitas vezes superior à competitividade e ao darwinismo social das sociedades capitalistas urbano-industriais. Foram feitos trabalhos notáveis que referem qualidades excepcionais dos povos a que o modelo dominante tratou pejorativamente de “primitivos” ou não civilizados.
A crítica antropológica sobre a pretensa superioridade do ocidente foi objecto de inúmeros estudos.
Marcel Mauss no seu “Ensaio sobre a dádiva” (42) revela uma sociologia do valor simbólico nas relações sociais que Levy Strauss posteriormente confirmou. Pode inferir-se, na obra de Mauss e de Strauss que o lucro egoísta inviabiliza os processos civilizacionais estáveis, que necessitam de solidariedade e cooperação para não soçobrarem na predacção e na guerra.
A sociabilidade criada pela dádiva das sociedades vernaculares é abertura para um sistema de valores e portanto a vida social não se reduz à mercantilização lucrativa tal como o capitalismo o impôs. A troca é para Mauss um facto social total, útil e simbólico, formalizando assim um princípio de reciprocidade ou de solidariedade. Por isso, na mesma linha de Mauss, Pierre Clastres (43) mostrou como o despotismo e as manipulações estão muito mais presentes no Estado capitalista do que no chefe tribal que assenta o poder no prestígio. O Estado torna-se mecanismo reprodutor totalitário do sistema de exploração, bem assim como repressor dos aparelhos periféricos.
Também Karl Polanyi (44)demonstrou como a economia está ligada ao social e à natureza nas sociedades vernaculares. A autonomização da “economia” como disciplina ideologicamente apropriável pelo poder é característica do Estado moderno. A mercantilização e o lucro prevalecem sobre a sobrevivência humana porque, sem reflexão epistemológica, qualquer técnica operativa soçobra num servilismo ao poder dominante.
Se desejamos verdadeiramente uma cultura biodiversiva e construída com a participação de todos os povos, é necessário romper com o pensamento único e o auto-convencimento da superioridade ocidentalocrática.
Só agora é que alguns investigadores começam a referenciar a sabedoria e a sensibilidade dos povos vernaculares como factores muito mais importantes para a Humanidade. É que a felicidade, a ética e a cultura não são resultado de elaboração tecnológica.
O trabalho de Eric Julien (45) mostra-nos que um pequeno povo das montanhas da Colômbia, os Koji, possuem qualidades excepcionais de leitura gestual, de prodigiosa ligação com a natureza, fazendo deles um paradigma excepcional de cultura, para aprendermos novas formas de simbiose com o planeta, de terapia e inter-relações pacíficas entre os homens e as sociedades. De tal maneira foi profunda esta experiência de contacto com esses povos na Colômbia que se está a organizar uma pequena escola, em França, onde o “chamanismo” Koji ajuda a aprofundar conhecimentos na área da saúde e da educação.
Ruy Duarte de Carvalho (46) encontrou também nos Cuanhamas, além das formas de solidariedade, de amizade e hospitalidade, a mesma matriz mágica da harmonia dos pastores com a terra e os animais. A África está cheia destes exemplos.
Porém, sem rejeitar uma enorme contribuição dessas virtudes endógenas, dos povos ditos primitivos, mais assentes na cultura do ser, numa ecotecnologia sem consequências nefastas para a biosfera, é contudo evidente que as sociedades vernaculares não podem viver fechadas numa forma protectora sobre a sua singularidade. Isto dificulta a abertura universal a saberes múltiplos. Para que a tradição não se cristalize na ausência de inovação, gerando isolamento, é necessário o diálogo intercultural e transcultural. Mas essa abertura ao universal necessita de condições de reciprocidade.
No entanto, o que acontece é que um desigual impacto de influência das sociedades vernaculares torna-as vulneráveis aos modelos dominantes. Só uma consciência antropológica biodiversiva e promotora da acção comunicativa entre as culturas, poderá gerar solidariedade, igualdade de oportunidades e liberdade criativa para com todas as culturas.
É necessário fazer ressaltar as características positivas da cultura vernacular como a conviabilidade, a solidariedade e a cultura do ser. Mas é possível também lutar por uma viragem no paradigma dominante, para a emergência duma ecosofia. E assim, uma ecotecnologia, uma ecotecnosfera irão proporcionar uma maior planetarização das culturas e civilizações, um encontro mais enriquecedor das singularidades culturais para um processo de universalidade permanente, sem anular as diferenças essenciais à criatividade humana. Essa universalidade é tão necesária como preservar as singularidades. Só existe verdadeira universalidade enquanto existir direito à singularidade. E a singularidade só pode ser apreciada e defendida se houver uma correcta universalidade.
O olhar sobre a civilização tecnológica, exige contudo um olhar sem simplificações dogmáticas. Existe na tecnologia actual um perigo real, tal como refere o filósofo alemão Ulrich Bech, (47) quando refere o período actual como “civilização de risco”.
Com efeito, existem cada vez mais arsenais militares, centrais nucleares, mega-estruturas industriais e habitacionais sujeitas a acidentes e aos desastres provocados por cataclismos naturais. Na era da velocidade dos transportes, juntam-se os perigos que todos conhecemos. E há ainda a acrescentar as guerras, e a criminalidade resultantes da predacção social criada pelo modelo de exploração e dominação.
O crescimento, tendo como matriz conceptual a máquina ou o motor de explosão e o consumo de energias fósseis, esgota o capital natural e contamina ao mesmo tempo a biosfera com lixos tóxicos. A este binómio esgotamento/contaminação junta-se o corolário da exclusão social. E é este o grande risco civilizacional que
todos os povos terão de enfrentar. É um risco planetário agravado pelos mecanismos neo-liberais.
Porém, estamos ainda no balbuciar epistemológico destas abordagens que têm sido feitas por filósofos e cientistas. Vejam-se os trabalhos de Erwin Lazlo, Nicolescu Bensarab e Edgar Morin.
A problemática da sistémica, a transdisciplinariedade e a multidisciplinariedade, o uno e o múltiplo, o singular e o universal, o local e o global, são hoje objecto de uma focagem dialógica.
Joel Rosnay, com o conceito de macroscópico, acrescentou à teoria sistémica instrumentos de modelização informática sobre a evolução de sistemas dinâmicos. Essas simulações são hoje aplicáveis aos sistemas naturais e aos sistemas das ciências sociais, favorecendo uma prospectiva cautelosa mas mais segura que a futurologia linear e mecânica.
Importa, no panorama crítico que fazem à tecnologia, saber descortinar também as inovações técnicas positivas que o pensamento dualista é incapaz de estabelecer. O que caracteriza o pensamento mecanicista dualista é a impossibilidade de reconverter as situações, isto é, a transmutação do “pior” em “melhor”.
A realidade é sempre susceptível de surpreender e a criatividade humana tem hipóteses de subverter ou converter realidades negativas em positivas.
Assim é possível, com esta focagem, avaliar instrumentais que controlados de modo diverso e com objectivos diferentes, podem tornar-se libertadores mesmo quando pareciam estar ao serviço da dominação.
A informática é um instrumento desta natureza. Para Pierre Lévy (48) deveria tornar-se o principal instrumento para a criação duma consciência planetária onde a inteligência colectiva permita formas novas de participação e democracia. Mas em que condições é que o computador poderá tornar-se o “fogo do futuro”, como Lévy escreve?
Um cenário optimista é seguramente uma extrapolação futurológica linear. Uma prospectiva sistémica exigirá precaução sem necessariamente tombar num imediato pessimismo. A internet ao serviço da desalienação, da solidariedade e convivialidade será possível? Muitos novos processos de apropriação da sociedade civil serão necessários para se conseguir realizar essa eventual utopia! Há tentativas com as experiências em torno da inteligência colectiva, da ciber-democracia e das biotecnologias susceptíveis de encarar o futuro do “ecosistema informacional” e a biologia sistémica. Mas esse futuro estará sempre sujeito a promessas e simultaneamente a ameaças. (49)
A construção dum mundo melhor faz-se num terreno de contradições e antagonismos. Tem que se inventar um futuro incerto em que a informação não seja intoxicação e manipulação. Tem que se preferir uma sabedoria (cabeça bem feita) à bolimia duma informação desconexa e poluente.
No entanto, esta nova “linguagem” ou instrumento da comunicabilidade pode ajudar a reflectir sobre essa ecosofia emergente. Por exemplo, é já possível encarar com positividade as novas ecotecnologias e os novos protótipos de energias renováveis. Vejam-se os eco-motores baseados nas experiências de Sterlling e Tesla e as múltiplas máquinas solares, eólicas, etc.
A sociedade civil terá que estar atenta à sua eventual sofisticação e inacessibilidade, com a consequente apropriação elitista, para que tal não aconteça.
Ao longo deste texto quisemos salientar o facto de que existem níveis de realidade diferentes e que muitas vezes, as metodologias são inadequadas aos diferentes planos em que são aplicadas.
A análise, a investigação indutiva e o determinismo causal, são aplicáveis quando funcionamos com máquinas. Mas o pensamento sistémico, a interacção, a auto-organização e a neguentropia são imprescindíveis na abordagem da vida. Por isso, a reflexão epistemológica que procuramos é adequar as abordagens aos diferentes níveis, físico, biofísico, social, expressivo e mental.
Não se pretende um monismo totalitário explicativo através duma metodologia única. Bachelard e Habermas mostraram-nos também a necessidade de aplicarmos processos diferentes às ciências tecno-operativas, estético-expressivas e ético-normativas. O pensamento ecologizado pretende articular estes diferentes níveis.
A biosfera tem elementos abióticos e biocenoses com vida. É preciso distinguir a realidade física da realidade orgânica ao mesmo tempo que se percebe a necessidade de compreender a simbiose biofísica com essa outra realidade biosférica, como a socio-esfera e a noosfera.
As questões sociais compreendem-se de modo diferente e não se explicam ou analisam como as realidades mecânicas do universo.
Para que a vida se oponha à morte, para que a neguentropia não acelere a destruição da biosfera, é necessário a intervenção consciente do homem. Através da auto-organização, será possível preparar a regeneração neguentrópica do planeta. Até agora, com a “máquina” no posto de comando do paradigma quotidiano, a neguentropia entrou num processo acelerado de morte.
Com a introdução de eco-sistema como “alma-mater” do paradigma ecológico, é possível inverter o metabolismo linear, que esgotava e contaminava, em metabolismo circular, que reintroduz os chamados lixos do sistema, em nutrientes devolvidos ao processo retroactivo e dinâmico do ciclo da reciclagem e renovação.
Este processo, descrito por Wolman e largamente aplicado, nomeadamente por MacDonought e Braumgarten(50), constitui o elemento essencial da ecologia.


A Ecosofia
A ecosofia, tal como refere Bateson(51) , Felix Guattari(52) e Morin(53), é uma ecologia ético-política que articula com uma epistemologia da complexidade, as três ecologias (ecologia do ambiente – biofísica; ecologia social – antrópica; e ecologia mental).
É uma reflexão epistemológica que se abre para uma “ciência com consciência”, como refere Edgar Morin.
O fundo comum, a “alma mater” desta ecologização geral é transformar a maquinização dominante a que o pensamento se foi formatando ao longo do paradigma newtoniano, num pensamento ecosistémico, aos vários planos da realidade, sendo agora capaz de adoptar simultaneamente uma articulação holística com níveis de singularidade de saberes mais específicos.
O esgotamento do modelo civilizacional urbano-industrial dominante, tem vindo a produzir uma consciência ecológica em todo o planeta. Assistimos hoje ao aparecimento de novas alternativas sociais, fundamento do novo paradigma ecocientífico.
Em todo o caso é necessário o decrescimento sustentável do modelo ocidental, para podermos construir um desenvolvimento ecologicamente sustentável que ponha fim ao paradigma civilizacional dominante. Mas, paradoxalmente, o decrescimento ecologicamente sustentável tem que fazer crescer os meios para a criatividade, a solidariedade, a justiça social, o aprender a aprender, a ecocidadania e uma nova forma de felicidade. Fazer crescer toda uma cultura ligada ao “ser”.
O decrescimento sustentável passa pela diminuição drástica das energias fósseis, pela eliminação das contaminações globais. Passa por abandonar os padrões de consumo das populações opulentas que conduzem à fome e à delapidação das populações na miséria.
É necessário fazer emergir um outro paradigma: o paradigma da solidariedade entre os povos, o paradigma duma cultura criativa e um paradigma duma ecotecnosfera centrada sobre os ecosistemas. Um diálogo dialógico de culturas diferentes que necessitam umas das outras para um paradigma emergente.
Não há um paradigma para África e outro para o resto do mundo. O paradigma a construir resultará das diferentes contribuições e expressará a polifónica multiplicidade das singularidades. Não existem soluções únicas. Existe ma sabedoria ecológica que poderá resumir-se nestes seguintes pontos:
1. Desenvolver as energias renováveis;
2. Praticar a poupança energética e o consumo mínimo dos bens naturais;
3. Substituir lixo por nutrientres reciclando o “lixo” orgânico, águas residuais e reutilizando materiais que deverão ser cada vez mais ecotecnológicos;
4. Promover a ecocidadania;
5. Optar por uma frugalidade voluntária;
6. Criar solidariedade e cooperação humanitária entre os povos;
7. Defender uma cultura de enriquecimento do ser – criatividade, convivialidade, felicidade qualitativa.


Conclusão
Quisemos revelar os preconceitos e as epistemes produzidas pelo paradigma dominante em que ainda mergulhamos. Reconhecemos os sinais de mudança resultantes duma exigência crescente imposta pelos movimentos sociais, pela crítica interna dos sistemas de referência tecno-científicos que se têm aberto cada vez mais à importância de uma ecotecnologia.
A consciência social reconhece cada vez mais que a continuidade antrópica numa biosfera já esgotada e mutilada, exausta e sem capacidade regenerativa, exige uma medicina planetária e uma nova adequação social mais justa.
A tripartição que temos vindo a assinalar, corresponde a grandes necessidades trifuncionais da humanidade:
1) a função da subsistência e reprodução, isto é, as necessidades materiais da vida humana que se traduzem na aspiração da fraternidade para a sua solução;
2) a função reguladora das oportunidades para todos, que corresponde à aspiração da igualdade na justiça;
3) a função cultural, produção do sentido da vida, que corresponde à aspiração da liberdade;
Esta trimembração, uma vez que a trifuncionalidade interage de uma forma orgânica, tem a ver com os três ideais da revolução francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, mas que ao longo do processo histórico, não conseguiram encontrar a correcta adequação entre as necessidades e as aspirações.
Assim, a igualdade de oportunidades veio a sofrer uma preversidade com os sistemas referidos (capitalismo, capitalismo de estado e “socialismo” de estado tecnoburocrático), gerando exclusão e tratamento desigual na esfera jurídica.
Só a ecosofia poderá permitir articular experiências e conhecimentos novos para o paradigma ecológico que tarda em surgir.
O tecido social dos países foi completamente modificado pela globalização neo-liberal dos últimos anos.
Mas esta internacionalização agressiva, das multinacionais, originou também uma resposta solidária, do mundo do trabalho e dos excluídos, que vai nascendo em toda a parte.
Alguns movimentos, como os foruns sociais mundiais e outros encontros internacionais e regionais, são a expressão inicial de uma vontade de articular acções e lutas pela mudança de paradigma.
Trata-se de uma nova etapa nas relações de forças ideológicas mundiais: se o imperialismo se vai expressando através dum novo sistema a vários níveis, também o “altermundialismo” se vai assumindo como uma larga plataforma de vontades.
O conceito de “altermundialismo” aqui referido não pode ser confinado a qualquer movimento assim denominado. É antes de mais um movimento sem fronteiras, que se vai assumindo no processo de transformação social, sem se deixar apropriar por qualquer núcleo centralista. Neste sentido é um movimento plural e descentralizado.
A novidade deste movimento consiste em que o aparecimento dessa plataforma se organiza num processo de múltiplas frentes sem ter um discurso ideológico único. Os pontos de vista diferentes permitem uma dinâmica necessária para alargar a frente de combate ao mesmo tempo que ajudam no olhar multíplo, fazendo nascer uma estratégia ampla para a emergência do novo paradigma.
Assim, a unidade conseguida não é unicidade ideológica, é antes uma linha feita a partir duma ética, expressa na concordância essencial dum novo tipo de liderança. Essa liderança assenta em várias dezenas de personalidades, figuras reconhecidamente sábias que, pela sua estatura moral, vão pautando as referências essenciais reconhecidas por todos. Trata-se de uma “direcção” não imposta mas reconhecida pela base. Algumas destas personalidades foram aqui referenciadas como expressão desta mudança paradigmática em curso.
Assim, a heterogeneidade de formas de luta é a sua riqueza. As lutas culturais, as reivindicações sociais, os processos inovadores na transformação concreta na vida quotidiana das pessoas, são exemplos múltiplos deste combate contra o pensamento único e o “american way of live” imposto pela ideologia dominante.
Utilizando, mais uma vez ao longo deste texto, o arquétipo trifuncional de Georges Dumézil(54) em que, duma forma triádica, podemos estruturar a realidade cultural e política, vamos explicitar os três eixos essenciais que revelam as grandes aspirações da humanidade (liberdade, igualdade e fraternidade).
A concretização dessas aspirações são hoje visíveis no movimento anti-imperialista:
- Liberdade na descoberta de convicções e aspirações no domínio das ideias que dão corpo ao movimento de contestação e mudança;
- Igualdade na tentativa de se gerarem iguais oportunidades para todos, no direito de contribuírem nessa plataforma de iniciativas concretas pela mudança de paradigma;
- Fraternidade na articulação solidária, respeitando a diversidade daqueles que compõem o movimento para que várias experiências se possam ampliar (quintas agroecológicas, eco-aldeias, loteamentos urbanos ecológicos, alargamento do uso de energias renováveis, caixas económicas de mútuo apoio e microcrédito, universidades de formação alternativa, escolas livres de ensino alternativo e sobretudo lutas comuns contra o desemprego, a poluição e as lutas urbanas na defesa dos bens públicos).
A ecosofia pertence ao legado da Humanidade e não se pode confundir, como vimos ao longo desta reflexão epistemológica, com uma ideologia.


Bibliografia
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3 in Popper, Karl “A Lógica da Pesquisa Científica”, Ed. EDUSC, S. Paulo, 1985
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5 in Rees, William e Wackemagel, Mathis “Our ecological footprint”, Ed. The New Cathalyst, 1996
6 http://www.esb.ucp.pt
7 in Rapport Planète Vivante 2004, W.W.F.N.
8 in Lazlo, Ervin“Tu puedes cambiar el mundo”, Forum Barcelona, 2004, Club de Budapest
9 ver filme “An Inconvenient Truth”
10 in Lovellock, James “A Vingança da GAIA”, Col. Ciência Aberta, Ed. Gradiva, 2007
11 in Prigorgine, Ilya e Stengers, Isabelle “La Nouvelle Alliance”, Ed. Folio Essais, 1986
12 in Bacherlard, Gaston “La Formation de l’Esprit Scientifique”, Ed. Vrin, Paris, 1937
13 Divulgada pela ONU em 1976 - Declaração Chefe Índio Seattle ao Presidente EU.A. em 1854
14 in “Batalha, Ladislau “O Continente Negro”, Ed. Biblioteca do Povo, nº198, pág.57 e 58, Lisboa, 1907 Ver também sobre Ladislau Batalha, Rodrigues, Jacinto “A Especificidade do Imaginário Colonial nos Romances de Aventuras de Ladislau Batalha” in Revista Africana Studia, nº7, Ed. F.L.U.P., 2004 e “A Visão Antropológica do Colonialismo Português e o Olhar Singular de Ladislau Batalha” in Trabalho Forçado Africano, Col. Estudos Africanos, Ed. Campo das Letras, Porto, 2006
15 in Gandhi, Mohandas K. “A Minha Vida”, Ed. Bizâncio, Lisboa, 2006
16 in Illich, Ivan “Nemesis Médica”, México, 1986; “Alternativas”, Ed. Planeta, México, 1988
17 in Revista “The Ecologist”, pág. 26, Inverno de 2001, vol.II, nº4
18 idem
19 in Illich, Ivan “A Sociedade Sem Escolas”, Ed. Vozes, Petropólis, 1977
20 in Revista “The Ecologist”, pág. 26, Inverno de 2001, vol.II, nº4
21 in Dumont, René “L’Afrique Noire est mal partie” Ed. du Seuil, Paris, 1962
22 in Rodrigues, Jacinto “Urbanisme et Revolution”, Ed. Universitaires, 1973
23 in Ellul, Jacques “La Technique oú l’enjeu du siècle”, Ed. Armand Colin, 1954 e “Le Systeme Technicien”, Ed. Calman Levy, 1977
24 in Amin, Samir “Eurocentrismo-Crítica de uma Ideologia”, Ed. Dinossauro, Lisboa, 1999
25 in Revista Princípios, entrevista a Samir Amin em Fevº 2002, durante o 2º Fórum Social em Porto Alegre.
26 http://resistir.info/ A guerra de conquista.
27 in L’Enciclopedie de l’Agora” http://agora.qoc.ca Rahnema, Majid - Conferência no Coloque Philia, 18 Outubro 2003
28 in Rahnema, Majid “Quand la misère chasse la pauvreté”, Ed. Babel, 2000
29 idem
30 in L’Enciclopedie de l’Agora” http://agora.qoc.ca Rahnema, Majid - Conferência no Coloque Philia, 18 Outubro 2003
31 in Rabhi, Pierre “Du Sahara aux Cevennes”, Ed. Albin Michel, 1983, “Offrandre au crépuscule”, Ed. Harmattan, 1989, Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Graines de possibles”, Ed. Calman-Levy, 2005
32 in Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Les graines du possible”, Ed. Calman-Levy, 2005
33 in Dabiré, Gbaané “Les Sentiments de la Nature”, Ed. Decouverte, 1993
34 in “Discour Theologique Negro-Africain”, Louvain,1977
35 in http://www.democracynow.org
36 in Rosnay, Joel “2020 “Les Scénarios du futur”, Ed. V.A. Des Idées & des Hommes, Paris, 2007
37 in Revista “The Ecologist”, Inverno de 2001, vol.II, nº4
38 in Roegen, Georgescu “The Energy and economics myths”, Pergamon Press, N.Y., 1976
39 in Passet, Renné “Ilusão Neoliberal”, Ed. Terramar, Lisboa, 2001
40 idem, pág. 48
41 in Rodrigues, Jacinto “Sociedade e Território-Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado”, Profedições, Março 2006
42 in Mauss, Marcel “Ensaio sobre a dádiva” Ed. Edusp, S. Paulo, 1974
43 in Clastres, Pierre “Societé contre l’état”, 1974
44 in Polanyi, Karl “A Grande Transformação”, Ed. Campos, Rio de Janeiro, 1980
45 in Julien, Eric “Le Chemin des Neuf Mondes”, Ed. Albin Michel, Paris, 2001
46 in Carvalho, Ruy Duarte “Vou lá visitar pastores”, Livros Cotovia, 1999, Lisboa
47 in Ulrich Bech, Samuel “Ecological Politics in an Age of Risk”, 1995
48 in Lévy, Pierre “Filosofia World – inteligência colectiva e tecnologia dos inteligentes”, Ed. Piaget
49 in Rosnay, Joel de “2020 Les scenarios du futur”, Ed. Des idees et des hommes, Paris, 2007
50 in Rodrigues, Jacinto “Sociedade e Território”, Profedições, Março de 2006
51 in Bateson, Gregory “Steps to an Ecology of Mind”, University of Chicago Press, 1972
52 in Guattari, Felix “Les trois ecologies”, Ed. Galilée, 1989
53 in Morin, Edgar “Ciência com Consciência”, Ed. Europa-América, Lisboa
54 in Dumézil, Georges “L’Ideologie tripartie des indo-européen”, Ed. Latomus, Bruxelas, 1958 e “Esquisses de mythologie”, Ed. Galimard, Paris, 2003
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PROJECTOS PARA PRÁTICAS DE ECODESENVOLVIMENTO
(in Revista Africana Studia, nº10, 2007)
 
Aldeias de Formação
Escolas de Vida e Projectos de ecodesenvolvimento
As escolas para o desenvolvimento social, na perspectiva de agentes de ecodesenvolvimento, têm muito a ver com as escolas de vida que eram veiculadas pelas “mucandas” vernaculares, em Angola. A aldeia socializa as crianças e os jovens de modo a que todos os cidadãos sejam úteis na iniciação para a vida. Portanto, a recolha de plantas, a caça, a pesca, a actividade agro-pastoril, a organização do habitat, a dança, a música, o canto, a aprendizagem através de contos, provérbios e filosofia, são os factores da cultura endógena úteis para a formação. Contudo, também uma abordagem intercivilizacional alarga a consciência e permite uma abrangência de saberes mais vastos. Não esqueçamos que a fitoterapia, utilizando a Moringa e a Artemísia por exemplo, provém de conhecimentos ancestrais, nomeadamente da cultura indiana e chinesa mas susceptiveis de trazerem rsposta a interesses universais.
Uma escola de vida com uma acção pedagógica e social na construção de experiências exemplares, seria uma ecoaldeia, comunidade agro-ecológica sustentável e apoiada em tecnologias apropriáveis e energias renováveis.
É essencial que essa aldeia esteja estruturada dentro dum ciclo - metabolismo circular – para que a sua matriz seja um ecosistema integrado. A função produtora (pomar, horta, jardim, agro-ecologia, etc.), a função de reciclagem (reintrodução no ciclo metabólico dos “lixos” transformados em nutrientes), a reutilização ecotecnológica (aproveitamento de materiais, etc.) e ainda a renovabilidade energética (o uso de energia solar, eólica, hidráulica, etc.) constituem a alma mater do ecodesenvolvimento.
Interessa, antes da criação ou transformação duma aldeia deste tipo, investigar experiências já realizadas que possam contribuir para melhorar a qualidade dos projectos: processos de bioclimatização (solar, solar frio, poço canadiano, sistema tromb, poço provençal, etc.), métodos construtivos (adobe, btc, sacos, palha, etc.), energias renováveis (solar, eólica, hidráulica, geotérmica,etc.),
Exemplo: estudar comparativamente, com balanços rigorosos e levando em conta as realidades concretas, experiências como o Centro Songhai no Benim, Terre Vivante em França, Gorom-Gorom em Burkina Fasso, Les Amanins em França, New Alchimist nos E.U.A. ...


Projectos em agro-ecologia
A primeira mobilização a conseguir nas populações é plantar árvores. Plantar árvores no sentido biodiversivo e com o intuito de demonstrar civicamente que podemos intervir mudando a nossa vida e regenerando o planeta. Essa acção na biosfera é determinante para permitir uma fonte nutritiva para as populações, um equilíbrio ecoclimático e uma reciclagem regenerativa para o planeta.
Plantar árvores, neste sentido, é também criar uma nova produção agrícola agroecológica mais sadia e disponibilizar materiais construtivos inteiramente recicláveis. Plantar árvores é também criar jardins medicinais, plantas aromáticas e integrar o homem na harmonia da natureza.
Os problemas da saúde, alimentação e educação estão intimamente ligados. Inserem-se também numa perspectiva agroecológica sem a qual não poderemos resolver nenhum dos problemas que estão interligados – a água e a pecuária.
É portanto necessário promover uma acção simultânea em todos estes níveis.
Assim, o problema da fome pode encontrar, rapidamente, a solução imediata desenvolvendo uma agricultura de fácil apropriação pelas populações carenciadas.
África tem condições para plantações muito ricas em nutrientes (proteínas, vitaminas, sais minerais, etc.).
O exemplo da Moringa Oleífera, que sendo uma planta de origem indiana está provado poder reproduzir-se em solo angolano, mostra-nos que é possível utilizá-la em soluções múltiplas, úteis a toda a população.
Há vários tipos de Moringa mas todos eles podem ser semeados ou plantados em forma de estaca. Sobrevivem em solos pobres e mesmo com pouca água, resistem. Florescem normalmente depois de terem sido plantados em estaca 8 meses depois. Os ramos destas árvores, que podem atingir alguns metros de altura, transformam-se em estacas para novas plantações de árvores Moringas.
A Moringa Oleífera é a Moringa pterygosperma.
As folhas de Moringa podem contribuir para acabar com a fome no mundo. Com efeito, as suas folhas são comestíveis e têm propriedades nutricionais fabulosas:
a) 7 vezes mais vitamina C do que as laranjas;
b) 4 vezes mais vitamina A do que as cenouras;
c) 4 vezes mais cálcio do que o leite;
d) 3 vezes mais potássio do que as bananas;
e) 2 vezes mais proteínas do que o iogurte.
Assim, semear uma Moringa é ter uma imensa fonte polivitaminíca e proteíca para toda a família. Basta fazer uma salada de folhas de Moringa!
As vagens são suculentas e constituem um elemento notável para o gado.
As sementes, que se encontram dentro das vagens, produzem um óleo alimentar excepcionalmente rico. Também se pode utilizar esse óleo como biodiesel para motores.
A semente, depois de triturada, dá origem a uma farinha que pode ser utilizada no tratamento da água. No Malawi, em colaboração com a Universidade de Lycester (Reino Unido) obtiveram-se resultados melhores e a preços mais baixos do que os habituais tratamentos com produtos químicos. Um relatório da referida Universidade explicita que a farinha da semente de Moringa, funciona como um polielectrólito catiónico natural, no tratamento da água(1).
No Malawi procede-se actualmente ao tratamento da água em larga escala, com a Moringa, na povoação de Thyolo.
Além da qualidade de coagulante natural que permite o tratamento da água, a Moringa tem propriedades terapêuticas: Na Índia, a medicina ayurvédica utiliza produtos extraídos da Moringa como antibióticos naturais e a antiga tradição indiana refere 300 doenças curáveis pela Moringa. Os cientistas contemporâneos confirmam esta espectacular capacidade profiláctica e curativa.
Em Oman, o óleo de Moringa é aplicado contra as dores de estômago e no Haiti as folhas e flores são preparadas como chás utilizados na cura das gripes. No Malawi usam-se as folhas secas para curar diarreias.
Podem-se plantar cercas verdes, muros vegetais, junto de todas as escolas, igrejas, hospitais e outros eventuais centros públicos. Esses taludes ecológicos teriam Moringas de metro em metro, conjugando-se com amoras, figos da Índia, cenouras, alhos e outras plantas úteis, para alimentar o povo.
A plantação da Moringa pode resultar dum acto de militância ecológica individual mas pode, para maior eficácia, inserir-se num projecto mais global.
Qualquer dessas atitudes é louvável e permite, desde já, o início duma acção consciente, a bem da causa comum.
Seria importante conhecer a organização e o impacto das plantações de Moringa de modo a ter um balanço capaz de evitar erros.
A ideia de um projecto colectivo para uma maior eficácia e acção participativa, tem sido realizada em vários países. Lembro aqui a experiência feita no Brasil, através da Fundação Deusmar Queirós com o apoio de várias universidades e organizações ligadas à igreja. Este projecto no Brasil foi levado a cabo na zona do Nordeste, no Estado do Ceará. A preparação dessa acção foi longa e contou com vários organismos (universidade, igreja, correios, rádio, etc.). O início da operação fez-se em 10 de Abril de 2000 com a distribuição de 30.000 kits que continham instruções para semear e 4 sementes de Moringa oleifera. Em 2001 obtiveram-se resultados muito positivos pois 65% das sementes germinaram.
A Unesco reconheceu esta actividade como uma forma de tecnologia social que contribui para a prevenção de doenças.
Em 2003, 160.000 sementes foram distribuídas em 84 localidades do Estado do Ceará, tornando-se esta campanha num verdadeiro sucesso que teve a parceria de várias universidades brasileiras.
Várias associações têm vindo a obter sucessos, inclusivamente na luta contra a SIDA, desenvolvendo uma actuação articulada entre a Artemisía Annua, a Moringa Oleífera e a Aloé Vera.
Têm também vindo a utilizar a planta Neem como repelente biológico contra o mosquito da malária e a mosca tzé-tzé.
É também de assinalar a existência de vários grupos, nomeadamente missionários ligados à Igreja católica, que cultivam a espirulina, uma alga fortemente nutritiva, que foi muito utilizada pela civilização Inca na América Latina.
É essencial a montagem de projectos relacionados com energias renováveis e dispositivos de produção energética. Pequenas indústrias de painéis solares, eólicas, fornos solares, secadores solares, motores Stirlling e outros, deveriam produzir, in locco, ecotecnologias apropriáveis que pudessem resolver as necessidades energéticas locais.
É importante a produção de redes de sistemas hidráulicos com a criação de reservas de água e sistemas de irrigação. Procurar-se-á, simultaneamente, criar sistemas de lagunagem biodepurativa, com o intuito de reciclar e potabilizar as águas residuais.
Um projecto pedagógico interessante seria o de constituir caravanas ambulantes que funcionassem de um modo ecosustentável.
Os quiosques ecológicos itinerantes, realizados pelo arquitecto Michel Rossel, tinham como objectivo mostrar biodepuradoras e simultaneamente protótipos de energias renováveis. No interior das carruagens, articuladas e puxadas por um tractor, movido por um motor solar ou por outro tipo de energias renováveis, estão organizados, em prateleiras, pequenos jardins filtrantes que reciclam a água residual e servem de pequenas hortas para alimentação e obtenção de plantas medicinais.
Outro projecto importante é a organização de muros verdes ou seja, taludes ecológicos evolutivos, pensados e realizados por Emmanuel Rolland, que constituem divisórias naturais do território, gerando ecotopos particularmente ricos para a biodiversidade.


(1) - Relatório Sutherland/Folkard e Grant (http://www.treesforlife.org/)
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PARA UM DESENVOLVIMENTO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL
(in Revista A Página da Educação, nº 187, 2009)


“Em África para fazer crescer uma criança é preciso toda uma aldeia.”
Provérbio Africano


No estudo de mitologia comparada, Georges Dumézil (1) expressou uma visão “arquetipal” que se manifestou ao longo da história. Conceptualizou 3 grandes funções que se complementarizam com as suas especificidades numa “harmonização” social:
. a função económica;
. a função relacional ou militar ;
. a função formativa ou ideológica.
Dumézil descreveu uma cosmovisão religiosa da organização social neste esquema triádico.
E o historiador Georges Duby (2) confirmou esta trifuncionalidade na Idade Média explicitando:
. a fecundidade dos “laboratores” (camponeses);
. a segurança e protecção dos “pelatores”;
. o poder religioso das leis assegurado através dos “oratores”.
Estas três funções correspondem, quando bem articuladas e coordenadas, aos meios executivos, judiciais e culturais que, na revolução francesa, pretendiam dar resposta às três grandes aspirações da Humanidade:
. fraternidade, ao nível económico;
. igualdade, ao nível jurídico;
. liberdade, ao nível cultural.
É de notar que a evolução deste processo introduzido pela revolução francesa veio a introduzir soluções inadequadas aos níveis previstos antes de se desencadear a ruptura do “antigo regime”.
Já vários pensadores se debruçaram sobre o organismo social tripartido. Claude de Saint –Martin bem como o movimento maçónico da altura, exprimiram a necessidade de ligar a fraternidade à economia, a igualdade ao elemento jurídico e a liberdade à instância ideológica.
Porém a realidade histórica transformou o organismo social num “modelo” abstracto:
O capitalismo introduziu a liberdade a todos os níveis. Assim, a liberdade na economia levou ao poder do mais forte. O socialismo reivindicou a igualdade para os três níveis e a cultura tendeu a uniformizar-se.
A deformação do organismo social registou deste modo anomalias quer no capitalismo quer no socialismo de estado.
Porém, esta trifuncionalidade bem coordenada poderia dar resposta sistémica e criativa aos arquétipos gregos do Bem/Belo/Verdade, como veremos.
Esta “tríade” corresponde também à caracterização antropológica:
- vontade/vida vegetativa
- sentimento/vida anímica
- pensamento/vida cultural
Esta caracterização smplificada corre o risco de se tornar num esquema esteriotipado. Mas quando assumido sem dogmatismos, como matriz tendencial, permite um referencial daquilo que existe de universal no género humano, apesar das irrefutáveis singularidades dos indivíduos, das culturas e das civilizações.
Mais uma vez a importância e fecundidade desta hipótese de trabalho não está na maior ou menor relativismo estrutural da sua problemática. O interesse deste “esquema” é que, sem negar a especificidade conjuntural dos contextos históricos e civilizacionais, permite a possibilidade de compreensão holística da realidade. A abordagem funcional tanto da”imagem” do homem como da “imagem” dos povos, pressupõe um mínimo de referentes para que qualquer tema/assunto/objecto possa ser pensável e/ou comunicável. Ora, as funções antropológicas: metabólica (alimentação, fecundação e movimento) a função rítmica (regularização e funcionamento relacional e anímico) e a função neuro-sensorial (observação, controlo e comando), são funções estruturantes e normalmente aceites. Estas fuções são extrapoladas com analogias isomórficas e simbolicamente adequadas à função bio-económica, à função sócio-jurídica e à função da noosfera (cultura/ mente ou espírito).
Em qualquer caso estas três funções, quer sejam no indivíduo, na natureza ou na sociedade, exigem sempre um quarto ponto referencial. Este 4º ponto reside na consciência deste triplo funcionamento, na harmonização desta tríade de forças (impulso/emoção/mente) e no propósito, isto é, dar sentido.
Em Platão, este quarto nível aparece claramente na metáfora da carroça (elemento físico) dos 2 cavalos (elemento emocional - um cavalo fogoso e outro manso) e num cocheiro (elemento racional) o dono ou o rei que dá sentido à viagem!
Portanto, a carroça é a parte material, os cavalos são a simpatia/antipatia (polaridade emocional da vida), o cocheiro é a mente que detém a capacidade de adestrar e controlar os cavalos e desse modo dirigir tecnicamente a condução da carroça. Mas o sentido final para onde se dirige a carroça pertence aquele que dá sentido, que imprime direcção e sentido à viagem porque tem a antevisão projectiva para onde quer ir.
A educação para um desenvolvimento ecologicamente sustentável, exige uma visão holística, planetária. Mas essa visão global exige também atenção aos vários planos diferenciados da realidade, que só equilibrados e permanentemente pilotados pela consciência, podem contribuir para o projecto delineado, ainda que o plano possa receber alterações resultantes da experiência adquirida no caminho.
Assim a estratégia está já, sistemicamente, na táctica e a táctica interfere na própria estratégia. Qualquer causalismo mecânico incorre num risco de disjunção e fragmentação da realidade.
Todo o futuro consciente e não abstracto contém experiências do passado e do presente do mesmo modo que a antevisão futura ajuda a interpretar o passado e olhar o presente de uma forma dinâmica e criativa.
Tal é o processo em que o educador é simultaneamente educando e em que o aluno é também embrionariamente professor nesta complexa visão sistémica da cultura e da educação.
Ivan Illich (3) desenvolveu esta ideia presente no provérbio africano, citado no início deste artigo, através do propósito “desescolarizar a sociedade, procurando dar à sociedade a importância da formação cívica, sem instituições fragmentadas.
Devemos articular então a formação para esse novo paradigma, em que se exige uma forma de pensar (complexidade e metodologia sistémica transdisciplinar) e simultaneamente um aprender a aprender.
Através de uma rede societal, a criança e o jovem vão fazer uma tripla iniciação:
. a do camponês;
. a do guerreiro;
. e a do filósofo.
Também Edgar Morin (4), dum modo semelhante, defenderá a ideia de que graças a essa formação transdisciplinar, em contacto com a cidadania activa, pode-se desenvolver a formação duma “cabeça bem feita”.
Jacques Delors (5), refere os quatro pilares necessários para uma mudança de paradigma educativo:
a) aprender a conhecer;
b) aprender a fazer;
c) aprender a viver em conjunto;
d) aprender a ser;
Contudo, este modelo educativo terá que ser inserido num paradigma mais vasto. Um novo paradigma civilizacional. Nesse novo paradigma civilizacional teremos que rever a questão do modo de produção, dos tipos de energia e dos processos e meios tecnológicos.
Na actual situação ecológica de esgotamento da biosfera (energia, espécies e bens naturais) de contaminação poluitiva (poluições globais, secas, mudanças climáticas etc.) e exclusão social, terá que se impor uma mudança não apenas no modelo operativo mas, se queremos sobreviver e viver numa relação simbiótica com a natureza, no processo civilizacional.
A tecnosfera produzida pelo homem gerou pontos de ruptura com a biosfera que já não possui força regenerativa face ao referido esgotamento e contaminação. São claros também os sintomas de crise profunda na sociedade, alargando-se o fosso entre ricos e pobres, gerando-se conflitualidade e violência face às dissimetrias regionais e internacionais, até à fome, miséria e genocídio.
A concorrência desenfreada e a competitividade predatória estão a desarticular toda a eco-economia essencial da biosfera, gerando incontroláveis situações catastróficas: mudanças climáticas, catástrofes naturais, desertificação e perca de biodiversisdade nos ecosistemas.
Neste sentido, o paradigma pedagógico, tal como o pensamento e a cultura e o modo de vida em geral, terão de se ecologizar.
O que propomos para o paradigma pedagógico é ecologizá-lo. Assim, ecologizar a proposta de Jacques Delors é:
a)Eco-empreender , isto é fazer ecologicamente as actividades tecno-estruturais;
b)Eco-aprender a aprender, isto é, aprender a conhecer com o pensamento ecologizado;
c)Eco-aprender a viver em conjunto e em solidariedade para com a biosfera, criando as simbioses necessárias entre natureza, ecotecnologia e eco-sociedade.
d)Aprender a ser ecologicamente, para se poder viver em harmonia com a existência saudável duma biosfera.
Só a partir desta orientação estratégica, se podem elaborar os currículos de formação adequados ao ecodesenvolvimento. Esses currículos articulam-se ainda de forma tripartida, embora, sistemicamente em interacção:
a) Formação, no sentido das necessidades de autonomia alimentar, construtiva e logística de base – Eco-emprender – fazer;
b) Formação criativa, relacional e ainda higiene e saúde – Eco-relacionar-se com os outros e com a biosfera;
c) Eco-apreender saberes para uma estratégia de eco-desenvolvimento.
Interessa compreender que toda essa triarticulação de currículos se relaciona com um trabalho de auto-desenvolvimento para uma consciência auto-reflexiva que tem a ver com a dimensão do ser, de que também fala Jacques Delors. Só com esse trabalho, de definição paradigmática e de estratégias curriculares adequadas, poderemos definir uma conveniente gestão da cultura e do ensino.
A problemática da cultura e do ensino tem a ver com o modelo de desenvolvimento que se discute actualmente e que assenta numa oscilação entre o neoliberalismo, cujo interesse se articula em torno do mercado e dos interesses lucrativos das multinacionais e o capitalismo de Estado, previdencialista, em que a regulação económica se faz através do “neokainesianismo” ou através do planeamento do Estado autocrático.
Porém, esta situação aparentemente dicotómica tem, afinal, três sujeitos. Aquilo a que se chama o triângulo de “Krohm”.
Com efeito, para além da polaridade Empresa/Estado, existe a expressão duma sociedade autónoma cuja expressão se traduz na auto-gestão participativa e cooperante.
Neste sentido, a questão não é mais Estado ou mais Empresa privada, mas mais sociedade civil auto-organizada.
Por isso, o ensino e a cultura, no desenvolvimento ecologicamente sustentado, terá cada vez mais a ver com a organização consciente e participativa da sociedade civil e menos a ver com formas de mercadoria lucrativa, na órbita das multinacionais ou das manipulações ideológicas do Estado autoritário.
A escola terá que ser socializada na integração trifuncional:
1. Um quinta onde a actividade de autonomização se apreende através do trabalho em relação com a natureza, elemento essencial da função nutricional (produção energética, alimentar, de reciclagem e renovação);
2. Uma oficina onde se alicerçam competências de eco-prazer (da eco-construção ao eco-design) aprendendo a usar, reciclar e a reutilizar materiais ecológicos na eco-tecnosfera que terá de substituir a tecnosfera poluitiva e as energias fósseis.
3. Um atelier onde se aprende a pensar reflexivamente, a criar e a promover pessoas livres e autónomas.
Só deste modo poderemos modificar a natureza da pedagogia.
Actualmente a pedagogia é um mecanismo de inculcação e reprodução.
Para que os homens sejam verdadeiramente livres é necessária uma pedagogia iniciática. Essa pedagogia iniciática não tem exames teóricos mas provas de vivência. Não propõe testes de memória mas exerce uma formação integrando o saber, o fazer, o viver e o ser duma forma equilibrada.
Esta forma de “pedagogia iniciática” teorizada por Pierre-Yves Albrecht e Jean Zermatten (6) organiza-se segundo uma articulação equilibrada entre actividade prática operativa, artística e reflexiva e os avanços no saber, no relacionar-se e no fazer. É nesta articulação de experiências vivenciais, “momentos de iniciação”, que se realizam os “ritos de passagem”. Estes “ritos” são essenciais para a tomada de consciência do auto-desenvolvimento e para a confirmação dum “saber e competência” adquiridos.
Esta forma iniciática está presente na sociedade tradicional africana.
Amadou Hâmpaté Bâ (7) descreve em vários livros esta singular filosofia pedagógica aqui referida.
Também Pierre Rabhi (8) leva a cabo a formação agroecológica em vários países africanos, desenvolvendo uma prática pedagógica da vivência poética e mágica da compreensão do homem e da natureza.
Algumas das experiências aqui referenciadas existem. São vários os centros de formação que explicitam caminhos diferenciados mas com uma preocupação comum: o ecodesenvolvimento e a tripartição sistémica.
Refiro os seguintes casos exemplares que visitei e investiguei (9) :
. Terre et Humanisme (França);
. Terre Vivante (França);
. Centre Songhai (Benim);
. Alanus Hoschule (Alemanha);
. Jarna Seminariet R. Steiner (Suécia);
. Schumacher Center (Inglaterra);
. TIBÁ (Brasil)


Bibliografia
(1) Georges Dumézil “Lídeologie des trois functions dans les epopees des peoples indo-européens”, Ed. Galimard, 1968


(2) Georges Duby “Trois Ordres oú l’Imaginaire du Feodalisme”, 1978
(3) Ivan Illich “Une Societé sans école”, Ed. Du Seuil, 1971
(4) Edgar Morin “Repensar a reforma, reformar o pensamento, a cabeça bem feita”, Ed. Piaget, 2002


(5) Jacques Delors, Relatório apresentado à UNESCO, pela Comissão Internacional sobre Educação para o Séc. XXI , em 1999
(6) Pierre-Yves Albrecht e Jean Zermatten “L’Archer Blanc”, Ed. Ketty & Alexandre, 1994, Suiça


(7) Amadou Hâmpaté Bâ “L’Étrange Destin de Wangrin”, Ed. Pocket
(8) Pierre Rabhi “L’Offrande au Crépuscule” Ed. L’Harmattan, 2001
(9) Jacinto Rodrigues “Sociedade e Território”, Profedições, 2006
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O DESENVOLVIMENTO ECOLOGICAMENTE SUSTENTADO - ALTERNATIVA AO CAPITALISMO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO
(in Actas VI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais,
vol. 2, Ed. Faculdade Letras Universidade Porto, 2002)
 
Mesmo para o cidadão comum, de hoje, é uma evidência constatar a evolução do capitalismo e reconhecer a especificidade desta etapa que se designa de globalização.


Porém, a questão essencial é saber se a natureza do sistema capitalista mudou.
a) Será que desapareceram a exploração, dominação e as injustiças sociais que advêm desse modelo social?
b) Encontrou este modelo capitalista um processo de concertação dos seus antagonismos, inerentes ao seu processo de funcionamento?
c) Que ocorreu em relação à capacidade de resposta dos grupos sociais explorados e dominados, aos novos processos de economia transnacionalizada na sua nova fase do capitalismo financeiro, “financiarização”, de cibernetização tecnológica, “informatização” e alargamento manipulatório “mediatização”? (AMIN 1997))
No estado actual, a etapa da globalização alargou a economia de mercado para uma fase cada vez mais gravosa para com o equilíbrio da biosfera. O valor de uso dos produtos tornou-se presa de interesses financeiros dominantes. O oligopolismo, ou seja, o capital financeiro sobrepôs-se à lógica de investimentos produtivos. A geopolítica do capital transnacionalizado impôs modelos sociais/militares e tecnológicos mundializados.
A generalização de uma tecnologia que produza um antagonismo crescente em relação à biosfera.
Esse antagonismo crescente revela-se essencialmente pelo facto de que este modelo tecnológico funciona como uma predacção exterminadora dos bens planetários criando simultaneamente resíduos superiores à reciclagem de que dispõe a biosfera.
Os eco-sistemas são violentados pelo alargamento duma tecnologia produtora de esgotamento energético e matérias-primas, ao mesmo tempo que gera lixos tóxicos.
A generalização desse antagonismo capitalismo versus natureza, acompanha e agrava outros antagonismos essenciais. Cresce o fosso ente os grupos cada vez mais reduzidos, detentores do meios de dominação, produção e alienação e o resto da sociedade que, por sua vez, se decompõe em grupos sociais integrados e outros excluídos.
Cresce o fosso entre regiões onde o crescimentos se realizou à custa da periferia despojada dos seus próprios meios naturais de subsistência.
Por outro lado, ocorrem antagonismos também entre os próprios detentores do capital porque a concentração e a concorrência inerente ao modelo mercantil acentua rivalidades em torno da conquista do poder dominante. A concentração faz-se através do aniquilamento dos mais fracos que têm de se sujeitar a essa geo-estratégia de concentração.
O modelo tecnológico, aparece com uma lógica de produtivismo quantitativo que insinua um progresso social. A tecno-ciência mecanicista/positivista (sem uma base ecológica e assente na energia fóssil e na poluição) constitui a trama essencial da produção. Com efeito, dos transportes à agro-indústria, o modelo tecno-científico hegemoniza o tipo de crescimento da economia capitalista.
O sistema de ensino do Estado, privado ou empresarial, constitui um pilar de reprodução do próprio sistema. A socialização cultural é substituída pela institucionalização escolar. Esses referentes paradigmáticos interferiram na estrutura cognitiva, criando e reflectindo uma concepção de ciência e de cultura. Os “epistemes” são produzidos e reproduzidos nesta “grelha de interpretação”(WALLACE 1963) que interessem a manutenção social.
A organização territorial consolida a integração social de maiorias e exclusão de minorias não adaptativas.
A concentração urbana caracteriza esse habitat alheado do eco-sistema. Mas a organização territorial desta fase de globalização tem gerado dispositivos topológicos (FOUCAULT, 1976)) que constituem formas de integração e de dominação cada vez mais sofisticadas. A maquilhagem formal, a espectacularidade das edificações, escondem adestramentos comportamentais das populações e marcam com geo-estratégias complexas, a reprodução alargada da força de trabalho, o domínio manipulatório e/ou compulsivo de hábitos (BOURDIEU-PASSERON, 1964)), de formas de vida e de consumo.
Durante o processo da mundialização da economia capitalista, através das formas coloniais ou neo-coloniais, as sociedades tradicionais de economia de subsistência apresentaram, e apresentam ainda hoje, resistências à imposição desse modelo capitalista, social, tecnológico, territorial e educativo.
Essas sociedades tradicionais não têm actividades puramente económicas. A caça e a agricultura são actividades familiares e comunitárias. Como refere Polanyi,(POLANYI, 1980)) os princípios dessas sociedades vernaculares são formas de reciprocidade que estabelecem um tecido de obrigações mútuas estreitando os laços entre os membros da comunidade. (GOLDSMITH, 1995)
A tecnologia e o habitat das sociedades vernaculares constituem as formas de estar duma sociedade em busca da auto-suficiência, que obedece às imposições do nicho ecológico em que a comunidade se insere
O processo educativo na sociedade, confunde-se com a socialização, vigorando o processo de adaptação à comunidade e ao eco-sistema de que são dependentes.
O processo colonial e neo-colonial instaura-se essencialmente pelo sistema tecnológico e pelos novos dispositivos territoriais. São estes elementos fortes que facilitam a “pilhagem” e produzem a catástrofe das populações nativas.
O habitat e a tecnologia tradicionais, não produziam esgotamento dos bens naturais. Os detritos eram reciclados pelo ecosistema local.
A transmissão de doenças era menos fatal nas comunidades isoladas do que em populações concentradas e em situações degradadas das aglomerações urbanas.
As relações de economia de mercado vieram acelerar a desintegração dos ecosistemas pois os valor de uso ao ser substituído por valor de troca, provocou a delapidação das florestas, aumentou a desertificação e intensificou processos de concorrência que levaram a conflitos étnicos e às guerras.
Ao estabelecermos estas constatações sobre as sociedades vernaculares não queremos, contudo, considerá-las isentas de limitações e portanto não é nosso ensejo apresentá-las como o paradigma alternativo ao modelo técnico-científico do capitalismo.
As ideologias colonial e neo-colonial esforçaram-se em tecer juízos de valor sobre as sociedades vernaculares, querendo ddemonstrar a supremacia do modelo cultural e civilizacional dos países de economia dominante. Foi o pretexto para legitimarem a colonização. Foi e é o discurso ideológico dominante.
Quisemos caracterizar a situação das sociedades vernaculares mostrando como as sociedades colonizadoras, contribuíram para o desequilíbrio entre o homem e a biosfera.
O que se pretende nesta comunicação é formular uma decifração ecológica dos paradigmas entre essas sociedades, que ultrapasse a mera análise “económica”. Por isso formular uma alternativa significa ultrapassar os quadros referenciais do paradigma científico e moderno. Significa também ultrapassar antigos paradigmas em que a sujeição da humanidade ao envolvimento ecosistémico era quase total.
Ultrapassar a atitude destruidora do modelo capitalista e ultrapassar a atitude adaptativa do modelo de sociedade tradicional é o desafio que se põe para a formulação dum paradigma futurante.
Entre destruição e sujeição existe a possibilidade de uma sociedade capaz de integrar os ecosistemas de um modo activo, de maneira a tornar mais conscientes as relações dos homens com os seres vivos e com o biótopo.
O alargamento da consciência planetária, o aparecimento de propostas ecotécnicas (energias renováveis e uma produção com resíduos recicláveis) e ainda o surgimento das novas formas de organização territorial ecologicamente sustentada, permitem apontar como possível, esta “utopia” social, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado.
Para isso há que encarar as soluções para os antagonismos sociais mas também formular, simultaneamente, respostas às conflitualidades na biocenose e entre a biocenose e o biótopo.
Não existem portanto, soluções político-económicas em estrito senso. Política e economia enquadram-se numa eco-política mais geral, como seja a gestão do próprio planeta. Em última instância é de uma eco-sofia em processo a que teremos de recorrer para esta hipótese alternativa de paradigma.
A história da humanidade aparece apenas como um processo parcelar duma mais vasta aventura planetária. No entanto, para a humanidade, as experiências já vividas nos diferentes modos de produção, nos diversos complexos tecnológicos e energéticos, nos diversos paradigmas político-filosóficos, permitem experiência e teoria para o desenvolvimento futuro.
As aspirações por uma sociedade mais justa e solidária, ficaram assinaladas ao longo da história, por grandes movimentos de libertação. Estes movimentos sociais, só de uma forma vaga e às vezes paradoxal, referenciaram a problemática ecológica. Essas aspirações confundiram-se, umas vezes, com o mimetismo passivo à mãe terra, outras vezes, com o grito Prometaico, portador da sociedade industrial. Outras vezes ainda, ao contrário, orientaram-se para uma sabotagem do surto tecno-científico do sistema fabril.
Com o advento da teoria ecológica, reformulam-se os quadros da ciência positivista e das ideologias sociais. Reencontramos proximidades entre a geo-cosmogonia mágica nativista e as revelações duma complexidade holística da teoria ecológica. Mas há diferenças qualitativas no alargamento da consciência planetária e na capacidade de controlo da humanidade para o equilíbrio ou desequilíbrio entre a organização social e a biosfera.
Se, através da tecnociência se conseguiram autênticos massacres na biosfera, criando a poluição generalizada, a devastação das florestas, a desertificação dos solos, a contaminação das águas, a partir da investigação eco-técnica é possível a produção de protótipos de energias renováveis que não esgotem os bens naturais nem poluam o planeta.
A evolução do conhecimento nas ciências do território, permite a implantação de novos habitats integrados no ecosistema.
O habitat, território, desenvolvimento, bioagricultura, ecotécnica, produção e reciclagem, são corolários sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado.
É nesta configuração territorial e com estes novos dispositivos eco-tecnológicos que se podem propiciar novos comportamentos e atitudes solidárias mais consentâneas com as aspirações de justiça social.
Estes lugares matriciais podem assim, facilitar uma socialização solidária, uma eco-territorialização e uma eco-técnica imprescindíveis para a concretização desta utopia realizável.
Esta utopia não é um “modelo”. É um processo de mudança alternativa à sociedade tradicional de subsistência e à sociedade de globalização do capitalismo neo-liberal.
No terreno prático, o que se pretende, neste artigo, é defender o eco-desenvolvimento (SACHS, 1995) como alternativa para qualquer das sociedades. Qualquer que seja a etapa de crescimento, terá que ter uma opção tecnológica e territorial ecologicamente sustentável que possa auferir experiência prática, teórica e científica da humanidade.
As sociedades vernaculares ou tradicionais, têm uma proximidade material das preocupações ecológicas. Mas, ao mesmo tempo, encontram-se longe das opções reflexivas que podem garantir pela eco-técnica actual, uma melhoria das tecnologias apropriáveis, tradicionais. Contudo, nas sociedades do capitalismo global, será necessária a reconversão da tecnociência à ecotécnica. Terá que surgir uma “medicina planetária” (LOVELLOCK, 1998) capaz de curar as mazelas do crescimento produtivista.
Cresceram os perigos gerados pelo modelo de crescimento. A vida quotidiana dos cidadãos é cada vez mais marcada pelos desastres ecológicos, quer sejam alimentares quer sejam climatéricos.
Há cada vez mais movimentos que tomam consciência planetária desses perigos e mais claramente surgem alternativas concretas no domínio da eco-técnica, da organização territorial e do modo de vida. São experiências exemplares que tendem a multiplicar-se.
Novas formas organizativas, como redes não hierarquizadas onde a unidade se estabelece pelo direito à diferença, despontam em todos os países. Da federação destas organizações e da participação duma “ciência cidadã” (IRWIN 1998) surgem já expressões dum internacionalismo solidário no desenvolvimento ecologicamente sustentado, visível em Seatle e Porto Alegre.


Referências bibliográficas
(1)Amin, Samir, “Imperialismo e Desenvolvimento Desigual”, 1998, Ed. Ulmeiro
   “Eurocentrismo”, 1999, Ed. Dinossauro
   “Desafios da Mundialização”, 2001, Ed. Dinossauro
(2) Bourdieu-Passeron, “Les Heretiers”, 1964, Ed. Minuit, Paris
(3) Foucault, Michel, “La gouvernementalité” in « Magazine Litteraire », nº 269, 1998
    « Surveiller et Punir », 1976, Ed. Gallimard, Paris
(4) Goldsmith, Edouard “Desafio ecológico”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(5) Irwin, Alane, “Ciência Cidadã”, 1998, Ed. Inst. Piaget
(6) Lovellock, James, “Ciência para a Terra”, 1998, Ed. Terramar
(7) Polanyi, K. “The Great Transformation”, 1980, N.Y.
(8) Sachs, Ignacy, “Norte-Sul: Confronto ou Cooperação?” in “Estado do Ambiente no Mundo”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(9) Wallace, A.F.C. “Culture and Personality”, 1963, Ed. Rondon House, N.Y.

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